Terras raras colocam o Brasil no centro da disputa global e reacendem dilema histórico

Com reservas estratégicas de terras raras e interesse direto de potências como os Estados Unidos, o Brasil precisa decidir se seguirá como exportador de matéria-prima ou se investirá em refino e agregação de valor, um dilema histórico no país

Desde que veio a público, em meados de 2025, o interesse dos Estados Unidos em reservas brasileiras de terras raras e minerais estratégicos, o tema passou a ocupar lugar central no debate econômico, industrial e geopolítico do País. As informações foram divulgadas pelo Estadão, que mostrou como a corrida global por esses elementos chegou de vez ao Brasil e expôs um dilema antigo: exportar minério bruto ou avançar na cadeia de valor com refino e tecnologia própria .

Especialistas ouvidos pelo jornal apontam consenso sobre a importância de o Brasil “surfar a onda” da demanda global, impulsionada pela transição energética, indústria de alta tecnologia e setor de defesa, mas divergem sobre como e em que ritmo isso deve acontecer.

Brasil tem reservas relevantes, mas exploração ainda é incipiente

Dados do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) mostram que o Brasil possui hoje 12 lavras de terras raras autorizadas e outras 186 em análise pelos órgãos competentes. Além disso, há 1.790 autorizações de pesquisa mineral em vigor e 348 pedidos em avaliação, o que indica um potencial ainda longe de ser totalmente mapeado .

Apesar disso, apenas uma empresa está efetivamente em operação comercial no País. A Serra Verde Mineração, localizada em Minaçu (GO), iniciou suas atividades em janeiro de 2024 e está em fase de ramp-up, com expectativa de alcançar 5 mil toneladas anuais de óxidos de terras raras, insumos essenciais para a fabricação de ímãs permanentes de alta eficiência, usados em motores de veículos elétricos e turbinas eólicas.

Projetos avançam em Minas Gerais com capital estrangeiro

Além da operação goiana, dois projetos com capital australiano, localizados em Poços de Caldas (MG), avançaram recentemente ao receber licença prévia ambiental.

O Projeto Caldeira, da empresa Meteoric, inaugurou uma planta-piloto para validar processos industriais. Com capacidade para processar 25 quilos de argila iônica por hora, a unidade reúne todas as etapas necessárias para transformar o minério em carbonato misto de terras raras, incluindo lixiviação, remoção de impurezas, precipitação e filtração. O investimento foi de 1,5 milhão de dólares australianos (cerca de R$ 5,5 milhões), com meta de produzir 455 quilos por ano .

Já o Projeto Colossus, da Viridis Mining & Minerals, conseguiu se habilitar para linhas de financiamento do BNDES e da Finep, que somam até R$ 5 bilhões, além de receber carta de interesse de até US$ 100 milhões de uma agência canadense de crédito à exportação para a fase de implantação.

O dilema: exportar minério ou dominar o refino

O avanço desses projetos traz à tona um debate recorrente na política mineral brasileira. Para parte dos especialistas, o País corre o risco de repetir o modelo histórico de exportação de matéria-prima bruta, abrindo mão de margens maiores e de uma indústria de base tecnológica.

Outros, porém, defendem uma abordagem mais pragmática. Isso porque a tecnologia de refino das terras raras é amplamente dominada pela China, que construiu essa cadeia ao longo de décadas. Hoje, o país asiático responde por cerca de 70% da produção global e 85% da capacidade de refino, exercendo forte influência sobre setores estratégicos como defesa, energia limpa e mobilidade elétrica .

Antes de intensificar o diálogo com o Brasil, os Estados Unidos chegaram a buscar acordos com a própria China, evidenciando o peso geopolítico desses minerais.

Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo

Mesmo com produção ainda tímida, o Brasil detém a segunda maior reserva de terras raras do planeta, com depósitos distribuídos principalmente em Minas Gerais, Goiás e na região amazônica. O gargalo, segundo o levantamento do Estadão, está na falta de tecnologia de refino, em entraves logísticos e em incertezas regulatórias, que atrasam decisões de investimento de longo prazo .

O processamento desses elementos envolve uma cadeia complexa, que vai do beneficiamento físico até processos químicos avançados, com uso de ácidos e etapas rigorosas de purificação, até a obtenção dos óxidos comercializados no mercado internacional — cadeia esta amplamente controlada pelos chineses.

Senso de urgência, mas com cautela

Segundo a sócia-líder da área de Mineração da Deloitte, Patrícia Muricy, o Brasil tem condições de dominar a tecnologia, mas precisa agir com rapidez e planejamento. Para ela, não basta investir: é necessário internalizar o conhecimento, algo que exige políticas públicas estáveis e visão de longo prazo, já que decisões tomadas hoje terão impacto daqui a 10 ou 15 anos .

Na mesma linha, especialistas alertam que ninguém vai transferir tecnologia de forma gratuita ao País. O desafio é conciliar o avanço na extração — mais imediata — com a construção gradual de uma cadeia de valor mais sofisticada, sem perder competitividade no curto prazo .

Investimentos previstos ainda são modestos

De acordo com o Ibram, os projetos ligados a terras raras representam 3,2% dos investimentos previstos para o setor mineral brasileiro entre 2025 e 2029, o equivalente a US$ 2,2 bilhões. Embora o montante sinalize interesse crescente, ele ainda está distante do volume necessário para competir com gigantes globais .

Terras raras: O que está em jogo

Mais do que uma discussão econômica, o debate sobre terras raras envolve soberania industrial, inserção estratégica do Brasil no comércio global e posicionamento diante da transição energética. O País se encontra diante de uma escolha que pode definir seu papel nas próximas décadas: permanecer como fornecedor de insumos básicos ou dar um passo decisivo rumo à agregação de valor e à indústria tecnológica.

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