O governo reconhece a suficiência do CAR, mas penaliza quem aguarda análise por falhas estruturais do próprio Estado; Derrubar o veto à lei de licenciamento ambiental é imperativo de justiça
A Lei nº 15.190/2025 dispensou o licenciamento ambiental para atividades agropecuárias em propriedades com CAR homologado, sendo um avanço importante, consistindo em reconhecimento do governo que o cumprimento do Código Florestal já oferece controle ambiental suficiente. Entretanto, o veto presidencial ao dispositivo que estendia essa dispensa aos cadastros pendentes de análise transformou solução em punição para milhões de produtores rurais.
Mais de 5 milhões de cadastros aguardam análise há anos
De acordo com os dados do CAR, disponíveis na página do Governo Federal, desde 2012 apenas 3% dos cadastros brasileiros validados e menos de 28% analisados. Mais de 5,4 milhões de propriedades aguardam análise. O Pará tem 365 mil cadastros, com 180 mil pendentes. Mato Grosso, referência nacional, validou apenas 30 mil de uma base superior a 160.000 propriedades.
A demora não é complexidade técnica, mas sim déficit estrutural em razão da falta de servidores, bases cartográficas inadequadas, ausência de automatização. O Estado não tem capacidade operacional para processar o volume de cadastros.
A contradição do Governo em reconhecer a suficiência do CAR mas exigir homologação
Se o governo admite que a conformidade florestal verificada pelo CAR dispensa o licenciamento, o que importa é a regularidade material da propriedade, não o momento processual da análise. O CAR é autodeclaratório. O produtor declara áreas de preservação, reserva legal, uso consolidado, assume responsabilidade legal pelas informações — crime ambiental para declarações falsas — e aguarda análise.
O veto inverte essa lógica. Transforma deficiência operacional do Estado em requisito de regularidade ambiental. O produtor que cumpre o Código Florestal, declarou corretamente sua propriedade, não possui passivo ambiental, permanece sujeito ao licenciamento porque o órgão estadual não processou sua declaração. Pune-se conformidade pela ineficiência administrativa.
Atualização do CAR gera irregularidade
Um problema que será enfrentado é a atualização do CAR, para qualquer mudança fática. Exemplifica-se com um produtor que possua CAR homologado e, posteriormente, obtém autorização de supressão, executa conversão legal de área e retifica o cadastro. O cadastro retorna ao status “pendente”. Pela norma vetada, essa propriedade perde a dispensa de licenciamento até nova homologação.
Mesmo produtor, mesma propriedade, mesma atividade. Agora sujeito a autuação por falta de licença e embargo administrativo. Nada mudou na atividade produtiva ou no risco ambiental. A situação jurídica oscila entre regularidade e irregularidade apenas pelo momento processual da análise. Produtores diligentes que atualizam cadastros são penalizados pela diligência.
Lei do Licenciamento Ambiental: As consequências serão autuação, embargo, restrição de crédito
Produtores com CAR pendente ficam expostos a: autuação pelo art. 66 do Decreto 6.514/08 (multa de R$ 500,00 a R$ 10 milhões); embargo das atividades mesmo sem irregularidade material; restrição ao crédito rural pelo risco jurídico adicional; dificuldades na comercialização, especialmente internacional.
Tratam-se como irregulares produtores que cumpriram todas as obrigações legais e aguardam há anos análise que deveria ter sido concluída pelo Estado. Responsabilização objetiva pela mora administrativa.
A insegurança institucionalizada
Em fevereiro de 2026 a lei entra em vigor. Milhões de propriedades com CAR pendente perderão a dispensa e serão forçadas a buscar licenciamento que a própria lei reconheceu como desnecessário para propriedades florestalmente regulares. Estados que não conseguem validar cadastros terão que processar volume exponencial de pedidos de licenciamento. Duplicação ineficiente sem benefício ambiental.
Criam-se duas classes de produtores: os com CAR homologado, que gozam da dispensa, e os com CAR pendente, sujeitos ao licenciamento tradicional. A diferença não está na conformidade ambiental, mas na sorte de ter o cadastro processado antes dos demais.
Derrubar o veto é imperativo de justiça
O Congresso Nacional deve derrubar o veto. Estender a dispensa aos cadastros pendentes não enfraquece controle ambiental — reconhece que sistema autodeclaratório funciona a partir da declaração responsável, não da validação que pode levar décadas.
A responsabilização por declarações falsas está prevista na lei. A fiscalização não depende de homologação prévia. Os órgãos ambientais verificam conformidade com base nas informações declaradas e aplicam sanções quando constatam irregularidades.
Manter o veto significa aceitar que capacidade operacional limitada do Estado bloqueie atividades produtivas lícitas de milhões de brasileiros que cumpriram suas obrigações. Significa premiar ineficiência e castigar conformidade. Significa insegurança jurídica permanente para setor que responde por parcela significativa do PIB e da segurança alimentar do país.
A derrubada do veto não é favor — é reconhecimento de que direitos não podem ficar condicionados indefinidamente à velocidade da burocracia estatal. É escolha pela racionalidade jurídica em vez da punição pela mora administrativa.
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