Agricultor brasileiro: Mais digitalizado e adotando práticas mais sustentáveis

Comparado com seus concorrentes, os resultados mostraram que, na média, os produtores brasileiros são os que mais utilizam técnicas sustentáveis.

Para entender o que pensam os agricultores em um mundo em rápida transformação, a consultoria McKinsey foi a campo e ouviu mais de 5.600 produtores em nove países, incluindo mais de 2.000 produtores brasileiros das regiões Sul, Centro-Sul, do Cerrado e do Matopiba (a fronteira agrícola no Cerrado que se estende por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Foi o terceiro ano da pesquisa, mas a primeira vez em âmbito global — o que permitiu comparar os agricultores brasileiros com seus concorrentes de outros países. As duas primeiras pesquisas foram debatidas em webinars organizados pelo Insper Agro Global. O centro também participou da discussão virtual dos resultados da 3ª edição na consultoria.

Os resultados mostraram que, na média, os produtores brasileiros são os que mais utilizam técnicas sustentáveis, com a adoção em larga escala de práticas como plantio direito e controle biológico. Os brasileiros também se destacam pelo uso de canais online para a compra de produtos agrícolas — apesar da queda das interações digitais em relação pico observado durante a pandemia. Por outro lado, os brasileiros ficam atrás em termos do uso de créditos de carbono — por aqui, apenas 6% usam o programa, metade do índice na Europa.

Na entrevista a seguir, um dos responsáveis pelo estudo, Nelson Ferreira, sócio-sênior da McKinsey em São Paulo e líder global de práticas agrícolas da consultoria, dá mais detalhes sobre a pesquisa.

Quais foram os pontos que mais chamaram a atenção nesta terceira edição de pesquisa da McKinsey com os agricultores?

É uma pesquisa muito ampla e este ano foi a primeira vez que fizemos uma pesquisa global, envolvendo dez regiões. Os principais insights foram os seguintes. Primeiro, os agricultores brasileiros continuam mais digitalizados do que seus pares americanos e europeus, com uma taxa em torno de 40%. Segundo, esse índice é uma média, mas na realidade não temos só uma agricultura brasileira — temos múltiplas agriculturas brasileiras, com diversos segmentos, cada um com suas características. Os agricultores menores, especialmente no Sul do Brasil, que tinham um índice de digitalização de 25% a 30%, subiram para 40%. Já os grandes fazendeiros, situados no Cerrado e no Matopiba, já estavam em 45% e caíram um pouco, para 40%. Houve, portanto, uma estabilização na média de 40%. O terceiro ponto que chamou a atenção é o otimismo dos agricultores. A pesquisa foi feita entre fevereiro e abril. Os agricultores estavam extremamente otimistas sobre as margens daqui para frente, uma época de preços muito altos, até mesmo pela guerra na Ucrânia. Desde então, os preços das commodities, principalmente de milho e trigo, deram uma arrefecida, mas ainda são valores muito altos comparados com a média histórica. Então, os fazendeiros continuam capitalizados e bastante otimistas. O quarto ponto é que, por estarem capitalizados, houve uma menor utilização de modos de financiamento tradicionais, como o barter [troca de insumos por grãos], cujo uso caiu de 39% para 32%. Por outro lado, os fazendeiros se mostraram interessados em modalidades de crédito mais sofisticadas, como operações de hedging e seguro. Chamou a atenção também, ao longo dos três anos da pesquisa, o aumento da utilização da agricultura de precisão, especialmente sensoriamento remoto, drones e aplicação de fertilizantes em taxa variável. Por fim, outro ponto que podemos ressaltar diz respeito à sustentabilidade. Os agricultores brasileiros, comparados com seus pares americanos e europeus, estão à frente na adoção de práticas consideradas sustentáveis de agricultura regenerativa. No plantio direto, por exemplo, o índice de penetração nos Estados Unidos é de 50% a 55%. No Brasil, é mais de 80%.

Como se explica o fato de o índice de digitalização da agricultura no Brasil ser maior que o de países mais avançados em termos de conectividade?

O motivo é simples: na média, o agricultor brasileiro é mais jovem do que o agricultor americano e europeu. Especialmente nas culturas no Cerrado e no Matopiba, temos uma agricultura em que a grande maioria dos tomadores de decisão tem menos de 45 anos. Ou seja, há uma mudança geracional. Além disso, no Brasil temos propriedades maiores e com a possibilidade de colher duas safras por ano, o que permite aferir mais rapidamente os benefícios da digitalização. Na maioria dos outros países, colhe-se apenas uma safra por ano.

E quais são os benefícios da digitalização para o produtor?

Quando falamos em digitalização, estamos nos referindo à maneira como o agricultor se relaciona com seus terceiros, com bancos, seguradoras, provedores de semente, provedores de fertilizante, os traders, os fornecedores logísticos. Envolve todas as transações, como a compra de insumos e maquinários e a venda da produção. O principal benefício, obviamente, é que o agricultor ganha tempo ao fazer coisas no meio digital sem necessidade interação física. Hoje há aplicativos que permitem ao fazendeiro vender toda sua produção de forma digital, sem sair de casa. A agricultura está se tornando cada vez mais complexa e é cada vez mais difícil um produtor resolver tudo sozinho. A partir do momento que ele vai para o mundo digital, na hora de comprar fertilizante, por exemplo, ele pode contar com assessoria técnica, com financiamento, com todas as informações necessárias de forma digital, a um clique de um botão.

Se você fosse resumir três coisas que estão na mente do agricultor brasileiro hoje, suas maiores preocupações, quais seriam?

Inflação de custos, sustentabilidade e produtividade. A inflação de custos é uma preocupação muito grande porque, desde março/abril, os preços de produtos como milho, trigo e açúcar caíram, mas os insumos continuam altos. A inflação de custos continua muito alta e deve permanecer assim, e o pior do efeito do conflito na Ucrânia ainda está por vir, na safra do ano que vem. Sustentabilidade é outra preocupação enorme porque o agricultor brasileiro está cada vez mais sendo pressionado, mesmo que a grande maioria já aplique técnicas consideradas de agricultura regenerativa. O mundo precisa da proteína brasileira, mas precisamos também de soluções que permitam um tipo de reflorestamento. Em relação à produtividade, num cenário que vivemos de mudanças climáticas e interrupção de cadeias produtivas, o desafio é produzir mais com menos.

A pesquisa da McKinsey mostrou que os agricultores brasileiros usam técnicas mais sustentáveis, mas monetizam pouco. Comente um pouco essa situação.

No Brasil, mais de 80% dos agricultores utilizam o plantio direito, que começou a ser adotado no país na década de 1980. E 61% usam alguma forma de controle biológico, seja para combater pragas, seja para melhorar a nutrição e a fertilização das plantas. Nos Estados Unidos, 30% dos agricultores utilizam controle biológico. O Brasil, portanto, já usa muito dessas práticas que são consideradas como agricultura regenerativa. O desafio é como monetizar isso, uma vez que, como o país já adota em larga escala práticas de agricultura regenerativa, isso não conta para efeitos de crédito de carbono. Isso acontece porque, para você monetizar um crédito de carbono, é necessário algo adicional ao que você faz em relação à baseline [a linha de base, ou cenário de referência]. No Brasil, só 6% dos agricultores conseguem monetizar algum tipo de crédito de carbono. Nos Estados Unidos, o índice também é baixo, mas é o dobro do Brasil: 12%. O fato de os americanos usarem menos agricultura regenerativa implica que é mais fácil para eles usarem crédito de carbono, porque partem de uma baseline mais baixa. De toda forma, nossa pesquisa mostra que há muito desconhecimento sobre como monetizar crédito de carbono, mas também um interesse enorme pelo tema: mais de 90% dos agricultores querem conhecer mais sobre créditos de carbono. A grande oportunidade para o Brasil, obviamente, é o reflorestamento. A integração lavoura-pecuária-floresta e a utilização de reflorestamento em restauração de biomas permitiriam não só gerar crédito de carbono, mas literalmente sequestrar o carbono da atmosfera. Essa talvez seja a grande oportunidade que veremos crescendo cada vez mais não apenas nos biomas tradicionais, como na Amazônia e na Mata Atlântica, mas também no Cerrado.

Um relatório da McKinsey projeta que, até 2030, a demanda por créditos voluntários de carbono no Brasil pode chegar a até 2,3 bilhões de dólares, mas hoje o país emite menos de 1% disso. Qual seria a medida mais importante para estimular esse mercado?

Seria viabilizar um mercado voluntário de crédito carbono que permita a vendedores e compradores fazerem as transações, por exemplo, por meio de uma bolsa ou de um pregão, e associado a isso um mecanismo regulatório que seja adaptado à realidade brasileira. Essa é uma agenda que deveria partir da iniciativa privada junto com o poder público.

À luz dos resultados obtidos na pesquisa com os agricultores, qual é, em sua opinião, o principal desafio para o agronegócio brasileiro daqui por diante?

Se me fizessem essa pergunta há 15 anos, eu responderia de bate-pronto que o maior desafio para o setor era a logística. Felizmente, esse não é mais o nosso principal gargalo. É óbvio que podemos diminuir o nosso custo logístico, mas o Brasil evoluiu muito do ponto de vista de transporte, tanto em rodovias como em ferrovias, hidrovias e portos. Hoje eu diria que o maior desafio para o agronegócio brasileiro é provar que é um setor sustentável e que não somente não agride o meio ambiente, como também consegue monetizar suas práticas sustentáveis. O setor vai ter que lidar também, cada vez mais, com os desafios de mudanças climáticas. As alterações que temos visto no regime de chuvas, por exemplo, vão nos forçar a repensar em água e, consequentemente, em como dar novos saltos de produtividade nessas novas condições. O Brasil, ano a ano, vem aumentando a área plantada, a produção e a produtividade. Para manter essa tendência de crescimento num cenário em que vai ser cada vez mais difícil aumentar a área, a única saída é aumentar a produtividade. E aí entram a digitalização, analytics, novos insumos, novas formas de produção. Esse é o maior desafio que o país terá de enfrentar nos próximos anos.

Fonte: Insper
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