Alinhamento raro entre Brasil, Estados Unidos, Austrália e Argentina sinaliza forte restrição de oferta mundial, sustentação de preços e uma das fases mais intensas de valorização da carne bovina da história recente, um cenário chamado de superciclo pecuário global
O mercado pecuário mundial caminha para um momento histórico e sem precedentes. Analistas nacionais e internacionais apontam que o setor entra, entre 2025 e 2026, em um superciclo pecuário global, marcado por um fator decisivo: a retenção simultânea de fêmeas nos principais países produtores e exportadores de carne bovina do planeta. Esse movimento, raro na história da pecuária, tende a provocar escassez de oferta, preços elevados por um período prolongado e uma reorganização da liderança global da proteína bovina.
O ponto central desse cenário é que Brasil, Estados Unidos, Austrália e Argentina, responsáveis por quase 60% das exportações mundiais de carne bovina, passam a avançar praticamente ao mesmo tempo para a fase de recomposição de matrizes, após anos de descarte intenso causado por seca, custos elevados e baixa rentabilidade.
Um superciclo pecuário global em 2026 fora do padrão histórico
O ciclo pecuário é tradicionalmente marcado por alternância entre fases de expansão e retração do rebanho. O que chama a atenção no momento atual é o alinhamento simultâneo dos principais players globais na fase de retenção, algo considerado incomum até mesmo por especialistas mais experientes do setor.
Segundo analistas internacionais, essa retirada de fêmeas do sistema de abate imediato cria um verdadeiro “apagão” na oferta global de carne bovina, com impacto direto sobre preços, comércio internacional e decisões estratégicas dentro da porteira.
Estimativas de mercado indicam que o mundo pode enfrentar um déficit de até 2 milhões de toneladas de carne bovina até 2026, reforçando um ambiente de forte sustentação de preços ao longo de todo o período. 
Estados Unidos: o epicentro da escassez global
Nos Estados Unidos, o ciclo de baixa atingiu seu ponto mais agudo. O rebanho norte-americano no início de 2025 é o menor em mais de 70 anos, reflexo direto de secas severas nas regiões Sul e Oeste do país.
Os impactos são claros:
- Queda estimada de 4,1% na produção de carne bovina em 2025
- Importações em volumes recordes para suprir o consumo interno
- Projeções de que o preço do fed cattle ultrapasse US$ 240/cwt em 2026
Esse movimento transforma os EUA, historicamente grandes exportadores, em importadores líquidos cada vez mais relevantes, pressionando o mercado internacional e fortalecendo os preços globais.
Brasil: liderança consolidada em meio à virada do ciclo
O Brasil atravessa esse momento em posição estratégica privilegiada. Mesmo após um ano marcado por oferta abundante e descarte elevado de fêmeas, o país consolidou, em 2025, sua liderança global na produção e exportação de carne bovina, superando os Estados Unidos.
De acordo com análises da Agrifatto, 2025 foi marcado por:
- Mais de 42 milhões de cabeças abatidas, recorde histórico
- Participação de fêmeas de 45,9%, acima da média histórica
- Exportações crescendo mês a mês, com recordes sucessivos ao longo do ano
Ainda assim, o cenário começa a mudar. A elevada participação de fêmeas nos abates dos últimos anos reduziu a base de reposição, criando as condições para a virada de ciclo em 2026.

As projeções indicam:
- Queda de 4,1% nos abates em 2026, para cerca de 40,3 milhões de cabeças
- Produção recuando para 10,62 milhões de toneladas
- Preços do boi gordo com tendência de valorização ao longo do ano, podendo testar níveis próximos de R$ 400/@ no segundo semestre, caso o clima colabore
Austrália: produção forte agora, retenção no radar
A Austrália é, no curto prazo, o único grande produtor capaz de ampliar a oferta global. Em 2025, o país deve atingir 2,9 milhões de toneladas de carne bovina, crescimento de 11% sobre o ano anterior, ocupando espaços deixados pelos EUA em mercados estratégicos da Ásia, como Japão e Coreia do Sul.
No entanto, esse fôlego tem prazo. Analistas da Meat & Livestock Australia já indicam que a retenção de fêmeas deve ganhar força a partir de 2026, estabilizando a oferta e mantendo os preços internos australianos em patamares elevados.
Argentina entra no radar do superciclo
Embora em estágio um pouco diferente, a Argentina também caminha para a mesma direção. Segundo análises da Bolsa de Comércio de Rosário (BCR) e do USDA, o país vive uma fase de transição: o descarte começa a perder força em 2025, mas a retenção deve se consolidar apenas em 2026, quando a redução do rebanho se refletirá com mais clareza nos volumes de abate.
Para a BCR, a confluência de retenção nos quatro países amplia ainda mais a pressão de alta sobre os preços internacionais da carne bovina, que já se encontram em níveis recordes.
Preços globais em níveis históricos
Os dados mais recentes da FAO reforçam esse cenário. O índice internacional de preços da carne bovina registrou, em setembro de 2025, o décimo aumento mensal consecutivo, com alta acumulada de 12% no ano e avanço de 15,5% na comparação anual, atingindo 144,9 pontos, o maior nível da série histórica.
Segundo a FAO, os preços vêm sendo sustentados principalmente:
- Pela forte demanda dos Estados Unidos, que impulsiona as cotações australianas
- Pela demanda firme da China, que mantém os preços da carne brasileira em patamares elevados
O alerta dos especialistas
O analista norte-americano Denis Smith, colaborador da revista Beef, resume o momento com clareza:
“Nós temos a percepção de que tanto o Brasil quanto a Austrália estão no mesmo ponto que os Estados Unidos no ciclo do gado, e o que estamos prevendo é um enorme declínio na produção global de carne bovina nos próximos dois anos.”
Relatórios recentes da Agrifatto seguem a mesma linha e reforçam que 2026 será o ano-chave, quando a retenção de fêmeas tende a se intensificar de forma simultânea nos principais países produtores.
O que esperar de 2026
A leitura predominante do mercado é que o superciclo pecuário global cria uma janela rara de rentabilidade para o produtor rural, especialmente para quem atua na cria e na reposição.
Com oferta mundial mais enxuta, demanda externa firme, Estados Unidos importando volumes crescentes e a Ásia mantendo papel central no consumo, o ambiente aponta para preços sustentados e valorização real da arroba ao longo de 2026, com reflexos positivos também sobre o mercado de bezerros.
Em síntese, o que se desenha é uma tempestade perfeita do lado da oferta, capaz de manter a carne bovina como uma das proteínas mais valorizadas do mundo nos próximos anos — e reposicionar definitivamente o Brasil como protagonista desse novo ciclo global da pecuária.
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