Proposta restringe a demarcação de terras indígenas àquelas tradicionalmente ocupadas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição; Mas a votação, que tem senadores do PT como oposição ao relatório, pode penalizar o Agro se não for aprovado.
A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) agendou para a semana que vem o debate e a votação do projeto do marco temporal para reconhecimento de terras indígenas (PL 2.903/2023). Nesta quarta-feira (16), a senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) apresentou seu relatório favorável à aprovação do projeto com o mesmo texto já aprovado pela Câmara. O presidente da CRA, senador Alan Rick (União-AC), intermediou o acordo para votação do marco temporal.
Na terça-feira (22), a CRA fará audiência pública com representantes do Ministério da Justiça, da Funai, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e da Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul. Também vão participar o ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo e representantes de uma cooperativa agropecuária liderada por indígenas.
A votação do projeto ocorrerá no dia seguinte, quarta-feira (23). Depois de passar pela CRA, o projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser votado no Plenário do Senado.
A proposta, que tramita desde 2007, é polêmica pois restringe a demarcação de terras indígenas àquelas tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Os opositores ao texto temem que a proteção aos povos indígenas e ao meio ambiente fique prejudicada, enquanto os defensores apontam que a matéria pode trazer mais segurança jurídica e incentivar a produção agropecuária.
De acordo com o texto, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, na data de promulgação da Constituição, ela era habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e com atividades produtivas.
Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar. Os processos de demarcação em andamento na data de publicação da lei oriunda do projeto deverão se adequar a ela.
O Supremo Tribunal Federal (STF) também analisa o assunto, para definir se a promulgação da Constituição pode servir como marco temporal para essa finalidade — entendimento aplicado quando foi demarcada a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Exploração econômica
O projeto prevê a exploração econômica das terras indígenas, inclusive em cooperação ou com contratação de não indígenas. A área não poderá, entretanto, ser arrendada, vendida ou alienada de qualquer forma. A celebração de contratos com não indígenas dependerá da aprovação da comunidade, da manutenção da posse da terra e da garantia de que as atividades realizadas gerem benefício para toda a comunidade.
De acordo com o texto, também poderá haver exploração do turismo, desde que organizado pela comunidade indígena, ainda que em parceria com terceiros. A pesca, a caça e a coleta de frutos será autorizada para não indígenas exclusivamente se estiver relacionada ao turismo.
A entrada de não indígenas nas áreas demarcadas dependerá da autorização da comunidade ou dos órgãos públicos competentes, conforme o objetivo. No caso de rodovias que atravessem a área, o trânsito será livre. O texto do projeto especifica que o ingresso, a permanência e o trânsito de pessoas não-indígenas na área, ou o uso das estradas e dos equipamentos públicos ali localizados, não poderão ser objeto de qualquer tipo de cobrança por parte das comunidades indígenas.
Relatório
No relatório, Soraya recomenda a aprovação do projeto na forma como veio da Câmara dos Deputados, onde tramitou como PL 490/2007. Ela se manifesta favorável à definição do marco temporal de 5 de outubro de 1988 para a demarcação de terras indígenas. Para a senadora, não é razoável nem legítimo incluir no conceito de “terras tradicionalmente ocupadas”, previsto no artigo 231 da Constituição, “uma ocupação que regresse a um marco temporal imemorial, ou seja, ocupação a tempo atávico, a períodos remotos, que, no limite, poderia gerar disputa sobre todo o território nacional”.
A relatora também argumenta que a adoção do marco temporal, bem como os demais dispositivos do projeto, atendem tanto ao que determina a Constituição quanto ao entendimento do STF.
“Entendemos que o Projeto de Lei 2.903, de 2023, adotou o marco temporal da ocupação indígena adequado, conforme hermenêutica do art. 231 da Constituição Federal, e interpretação do Supremo Tribunal Federal no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Adicionalmente, a proposta de marco temporal atende a todos os 19 requisitos, batizados, posteriormente, de condicionantes, que foram estabelecidos durante a resolução da lide constante da Pet 3.388/RR”, disse a relatora.
De acordo com Soraya Thronicke, o projeto também prevê regras de uso e de gestão das terras, cabendo às comunidades indígenas escolher a forma de uso e ocupação de suas terras. Entretanto, o projeto estabelece também que o usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional, ficando permitida a instalação em terras indígenas de equipamentos, de redes de comunicação, de estradas e de vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação, proibindo-se a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza pela presença desses itens, explicou a relatora..
Apoio
A maioria dos senadores presentes à reunião da CRA apoiaram a aprovação do relatório de Soraya Thronicke, entre eles Marcio Bittar (União-AC), Sergio Moro (União-PR), Vanderlan Cardoso (PSD-GO), Luis Carlos Heinze (PP-SC), Tereza Cristina (PP-MS), Jayme Campos (União-MT), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Margareth Buzetti (PSD-MT), Zequinha Marinho (Podemos-PA), Mauro Carvalho Júnior (União-MT), Jaime Bagattoli (PL-RO) e Jorge Seif (PL-SC). Contrário ao projeto, o senador Beto Faro (PT-PA) foi quem requereu a audiência pública antes da votação.
Na opinião de Bittar, a aprovação do projeto dará mais segurança jurídica aos produtores rurais, fortalecendo o direito à propriedade em todo o país. “Se nós não ratificarmos esse projeto, nós vamos colocar todo o produtor rural brasileiro, pequeno, médio e grande, na insegurança jurídica (…) o interesse nacional tem que estar acima de qualquer interesse de grupo, por mais legítimo que seja”, disse Bittar.
Hamilton Mourão disse que a discussão envolve a soberania nacional. “Isso tem que ficar claro, é uma questão do Estado brasileiro, não é do governo A, nem do governo B, nem de quem tem a simpatia pelo partido A ou pelo partido B. Aqui nós temos que ser todos brasileiros e entender que a gente pode acabar com o futuro do país!”, afirmou o senador ao apoiar a aprovação do marco temporal.
Com informações da Agência Senado
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