Em investigação, China vê “dano grave” à indústria de carne bovina e acende alerta no Brasil

Conclusão preliminar do governo chinês abre caminho para salvaguardas comerciais e expõe a forte dependência brasileira do principal destino de sua carne bovina; Ainda não foi comunicado qual será a postura adotada.

A decisão da China de concluir que o aumento das importações de carne bovina causou “dano grave” à sua indústria doméstica colocou o setor pecuário brasileiro em estado de atenção máxima. O diagnóstico consta em relatório oficial encaminhado ao Comitê de Salvaguardas da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 19 de dezembro de 2025, no âmbito de uma investigação iniciada ainda em 2024, e pode resultar na adoção de medidas restritivas às importações, como tarifas adicionais ou cotas.

O alerta é particularmente sensível para o Brasil porque o país é, disparado, o maior fornecedor de carne bovina ao mercado chinês. Em 2024, a China absorveu 51,3% de toda a carne bovina exportada pelo Brasil. Já em 2025, entre janeiro e novembro, essa participação subiu para 53,9%, ampliando a exposição do setor brasileiro a qualquer mudança na política comercial chinesa.

Importações “súbitas e significativas” sustentam a investigação

Segundo o documento apresentado por Pequim à OMC, as importações de carne bovina cresceram de forma “recente, súbita, acentuada e significativa” no período analisado, que vai de 2019 ao primeiro semestre de 2024. Em termos absolutos, as compras externas passaram de 165,9 mil toneladas em 2019 para 273,7 mil toneladas em 2023, alcançando 143,9 mil toneladas apenas no primeiro semestre de 2024, alta de 17% na comparação anual .

Como reflexo desse avanço, a participação da carne importada no consumo interno chinês subiu de 20,5% para 30,9% no intervalo analisado. No mesmo período, a fatia da indústria doméstica recuou, pressionando preços, margens e estoques internos .

Indústria chinesa relata queda de preços, lucros e emprego

O relatório chinês aponta uma deterioração generalizada dos principais indicadores da cadeia produtiva local, incluindo preços de venda, receita, lucro, produtividade, emprego e utilização da capacidade industrial. A investigação também destaca o aumento dos estoques e a redução da rentabilidade tanto da indústria frigorífica quanto da pecuária de corte, classificada como setor diretamente concorrente das importações .

Dados apresentados pela Associação Chinesa de Agricultura Animal (CAAA) indicam que, nos últimos anos, a carne importada chegou a ser mais de 50% mais barata do que a carne produzida internamente, o que teria provocado prejuízos recorrentes às empresas locais e levado criadores a reduzir plantéis, inclusive com abate de vacas reprodutoras.

Carne bovina: Brasil fora da lista de países potencialmente isentos

Um dos pontos que mais preocupam o setor brasileiro é o fato de o Brasil não constar na lista de países em desenvolvimento que poderão ser isentos de eventual aplicação de salvaguardas. Segundo o documento chinês, os países listados como isentos respondem, juntos, por apenas cerca de 6% das importações chinesas de carne bovina, o que mantém os grandes fornecedores globais — como Brasil, Argentina, Uruguai, Austrália e Estados Unidos — diretamente expostos ao risco de restrições .

Pequim também notificou formalmente os principais exportadores e abriu prazo para consultas e manifestações, encaminhando cópias do relatório às missões de Brasil, Argentina, Uruguai, Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos junto à OMC .

EUA se movimentam; Brasil acompanha com cautela

Os Estados Unidos, concorrentes diretos do Brasil no fornecimento de carne bovina à China, já solicitaram consultas formais às autoridades chinesas, buscando esclarecimentos sobre a conclusão de “dano grave” e sobre quais medidas de salvaguarda podem ser adotadas. Até o momento, o governo chinês não detalhou se as restrições ocorrerão via cotas, tarifas adicionais ou outros mecanismos, nem estabeleceu prazo para eventual implementação .

No Brasil, entidades do setor afirmam que não houve novas comunicações oficiais além da prorrogação da investigação até janeiro de 2026, enquanto o governo acompanha o caso de perto, ciente de que qualquer restrição no mercado chinês pode ter impactos relevantes sobre preços, escoamento da produção e planejamento da indústria frigorífica.

Dependência do mercado chinês amplia riscos

O episódio reforça um ponto estrutural da pecuária brasileira: a elevada concentração das exportações em um único mercado. Apenas em 2025, o Brasil exportou 3,15 milhões de toneladas de carne bovina, gerando US$ 16,18 bilhões em receita, sendo quase metade desse volume destinada à China.

Embora especialistas avaliem que a China dificilmente deixará de comprar carne brasileira — dada a necessidade de abastecimento interno —, a possibilidade de limitações quantitativas ou aumento de custos acende um sinal de alerta para frigoríficos, pecuaristas e formuladores de política comercial. O desfecho da investigação deve indicar não apenas o rumo das relações comerciais no curto prazo, mas também a urgência de diversificação de mercados para reduzir a vulnerabilidade do setor brasileiro diante de decisões estratégicas de seu principal comprador.

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