O que sabemos sobre a qualidade do trabalho na agropecuária brasileira

Entre os segmentos do agronegócio, destaque é dado para a agropecuária, na qual se observou expansão de 9,5%, ou de mais de 763 mil pessoas

Apesar de impactado pela covid-19, o mercado de trabalho do agronegócio brasileiro se mostrou resiliente nos últimos anos. A crise sanitária, iniciada ainda no final do primeiro trimestre de 2020, até potencializou a fragilidade do setor e intensificou movimentos observados antes da pandemia, mas a população ocupada (PO) mostrou sinais de recuperação já a partir do terceiro trimestre de 2020.

Como evidenciado pela equipe Macroeconomia/Cepea, no terceiro trimestre de 2021 (3T2021), o agronegócio brasileiro ocupou mais de 18,9 milhões de pessoas, alcançando uma participação de 20,3% no total de empregos gerados na economia. Este resultado é reflexo de um crescimento de 3,6%, ou de quase 653 mil pessoas, em comparação com o trimestre anterior (2T2021); e de 10,2%, ou quase de 1,76 milhão de pessoas, na comparação com o 3T2020 (BARROS et al., 2021). Destaca-se que esse movimento foi mais forte do que simplesmente de recuperação, o que deve refletir a boa conjuntura do agronegócio observada desde 2020.

Entre os segmentos do agronegócio, destaque é dado para a agropecuária, na qual se observou expansão de 9,5%, ou de mais de 763 mil pessoas, na comparação com o 3T2020; e crescimento de 2,0%, ou de 173,18 mil pessoas, em comparação com o 2T2021 (BARROS et al., 2021). Desde a deflagração da pandemia de covid-19, o segmento, quando não liderou o crescimento da PO, foi responsável pela manutenção ou sustentação do nível de emprego no setor (apresentou menores perdas relativas de postos de trabalhos).

Corriqueiramente, apesar de se realizar um acompanhamento do nível de instrução e uma análise por gênero, a equipe de Macroeconomia/Cepea se pauta na mensuração da quantidade da PO da agropecuária. Entretanto, como salientado por Silva et al. (2021), a identificação da quantidade efetiva do insumo trabalho deve considerar tanto a quantidade quanto a qualidade. Convencionalmente, a primeira é mensurada pelo número de trabalhadores empregados, e a segunda, pela produtividade de uma hora de trabalho, levando-se em consideração os efeitos da acumulação de escolaridade e de experiência, isto é, de capital humano, de acordo com a perspectiva de Mincer, segundo o qual existe uma relação entre os rendimentos e a produtividade marginal do trabalho, que contribui para explicar as diferenças salariais entre grupos demográficos, além de outros atributos.

Neste contexto, o que sabemos sobre a qualidade do trabalho agropecuária brasileira? Para responder essa questão, calculamos o Índice de Qualidade do Trabalho na Agropecuária brasileira (IQT Agro) para o período compreendido entre o 1T2012 e o 3T2021, utilizando-se como base o indicador proposto por Silva et al. (2021). Basicamente, apesar de possuir algumas limitações, o que está por trás da construção deste Índice é a estimação de equações de determinação salarial minceriana, estruturada incialmente para mensurar o impacto da educação nos rendimentos do trabalho. Assim, este indicador é construído a partir do encadeamento das taxas de crescimento da qualidade do trabalho, trimestral, partindo do período-base, 1T2012, igual a 100. Estes são calculadas a partir das informações do mercado de trabalho, da escolaridade e da experiência da população, disponíveis na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, PNAD-Contínua.

A Figura 1 exibe o IQT Agro e o IQT Brasil (a título de comparação) considerando-se horas habitualmente trabalhadas entre 2012T1 e 2021T3. Apesar de apresentar alguns movimentos contrários, nota-se uma trajetória crescente dos Índices, com o IQT Agro registrando avanço de 19,52% e o IQT Brasil, de 20,42% no período analisado. Este resultado se traduz em crescimento médio de 0,47% a.t. e 0,49% a.t., respectivamente. Dessa forma, o Índice demonstra uma melhora da composição da PO durante o período, apesar de que, em vários momentos, a melhora do IQT está relacionada à maior participação relativa dos grupos demográficos mais qualificados em decorrência da menor PO de baixa qualificação. Estes são os que mais sofrem com a perda dos postos de trabalho em períodos de desaceleração e recessão econômica.

Na Tabela 1, apresenta-se a distribuição da PO em função dos anos de escolaridade dos indivíduos em 2012, 2019 e 2021. Observa-se que, tanto para a agropecuária como para o Brasil como um todo, houve aumento da proporção de trabalhadores nas categorias com mais anos de escolaridade em detrimento daquelas com menos escolaridade. Esta dinâmica corrobora o comportamento dos IQTs, para o Brasil e para a agropecuária, no sentido de que houve um aumento médio da escolaridade dos trabalhadores.

Além disso, apesar de apresentarem dinâmicas parecidas, observa-se que a composição da PO da agropecuária se concentra nas categorias de menor escolaridade, enquanto a PO do Brasil se concentra nas categorias de maiores anos de estudo (mais 12 anos). Esta distribuição, em especial na agropecuária, tem se alterado ao longo dos anos, com categorias com maiores anos de escolaridade ganhando representatividade, conforme tem sido acompanhado pela equipe Macroeconomia/Cepea ao longo dos anos. Este resultado também reforça o achado de que houve uma melhora da qualidade do trabalho no setor durante o período analisado, devido à maior qualificação da PO.

A mudança fica mais evidente ao se considerar o período mais recente. Especificamente, a partir do 1T2020 – destacado como Pandemia na Figura 1 –, o IQT Agro apresenta um comportamento atípico, resultado dos impactos da pandemia sobre o mercado de trabalho do segmento. Como foi destacado pela equipe Macroeconomia/Cepea no relatório referente ao 2T2020, o comportamento de queda da PO na agropecuária brasileira não era muito incomum, diante da tendência de queda dos postos de trabalho no segmento (BARROS et al., 2020). Entretanto, a redução observada naquele momento se tratou de uma queda de magnitude elevada, quando comparada às anteriores, que, ao menos em partes, estavam relacionados à crise de covid-19 e seus desdobramentos sobre o mercado de trabalho. Adicionalmente, trabalhadores menos qualificados ou mais vulneráveis foram mais afetados pelo desemprego ao longo desse período, o que reforça o comportamento do Índice.

Observa-se, a partir do 1T2021, uma reversão da trajetória de crescimento, com o IQT Agro apresentando reduções sucessivas. Este resultado está atrelado à boa conjuntura do agronegócio brasileiro, que se traduziu em mais postos para o segmento agropecuário. Ademais, se observa um crescimento da participação relativa dos grupos demográficos menos qualificados em comparação aos mais qualificados (em 2021, a distribuição da PO em função dos anos de escolaridade ficou próximo dos níveis observados em 2019 – ver Tabela 1). Dito isso, evidencia-se que o processo recente de mudança no perfil de trabalhadores do setor contribuiu para se explicar o comportamento do IQT Agro, corroborando os relatórios de acompanhamento do Mercado de Trabalho do Agronegócio da equipe Macroeconomia/Cepea (BARROS et al., 2021).

Por fim, destaca-se que, embora as dinâmicas do IQT Brasil e do IQT Agro sejam parecidas no período analisado, ainda existe um gap na produtividade (medida pelo salário-hora), que se percebe quando se compara com a média do mercado de trabalho como um todo. Essa diferença ajuda a explicar a remuneração menor do setor.

Logicamente, a metodologia possui limitações, todavia, na literatura especializada há uma convergência no sentido de identificar a associação entre educação, experiência e qualidade da força de trabalho (SILVA et al., 2021). Em que pesem as limitações, é reconhecida a relevância de indicadores, como o IQT, para a mensuração da produtividade no mercado de trabalho. Com isso em vista, a construção, implementação e acompanhamento do IQT Agro, atualmente em fases iniciais, nos permitirá acompanhar o impacto desta variável na produtividade no mercado de trabalho do segmento.

Fonte: Cepea

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