Pecuaristas diversificam negócios em Mato Grosso

Fontes ouvidas pelo Valor explicam que é muito comum fazendas da região terem mais da metade da área preservada. “Algumas propriedades chegam a 80% de mata nativa.

O gado surge entre as árvores, curioso com o grupo de jornalistas em visita à fazenda Boqueirão, em Santo Antônio do Leverger, município do sul de Mato Grosso com cerca de 20 mil habitantes. Protegidos pela sombra das tecas, os animais desfrutam de uma condição térmica mais confortável que a das pessoas. O sol brilha forte no céu azul aberto, e o calor acima de 30 ºC não dá trégua em pleno inverno.

Além de garantir o bem-estar animal, a teca (tectona grandis) agrega valor ao hectare da propriedade de Arno Schneider, pecuarista que virou referência em sistema silvipastoril. Ele decidiu investir na integração quando mal existia literatura sobre o tema. Seu conhecimento como engenheiro agrônomo e a experiência no campo nortearam os primeiros experimentos, que resultaram em um modelo de cultivo hoje considerado ideal. 

Schneider é um dos pecuaristas que buscam agregar valor à terra no Estado que possui o maior rebanho bovino do país – cerca de 33 milhões de cabeças, ou nove para cada habitante. Segundo Lygia Pimentel, diretora da Agrifatto, a estratégia do pecuarista é uma das que vêm ganhando fôlego para reduzir os riscos da atividade. “Dificilmente os dois negócios vão para o buraco no caso de um embargo de um grande importador à carne bovina brasileira, por exemplo. E o uso da teca melhora a produtividade, por causa da conservação do solo”, observou. 

A opção de Schneider pela teca é simples: por não ser uma árvore nativa, sofre menor pressão de pragas e doenças. Além disso, tem um ciclo do plantio à extração mais curto do que outras alternativas. Hoje, a teca ocupa uma área adensada de 100 hectares na Boqueirão, e divide outros 150 hectares com pastagens. A fazenda trabalha com 80 árvores por hectare, distribuídas de forma a garantir sombra adequada no pasto. 

Depois de cinco anos de plantio, o produtor seleciona as 20 piores árvores do hectare e as corta, num processo de seleção. No 15º ano, quando as copas perigam tapar o sol, há o desbaste de mais 20, que já são vendidas à indústria. As 40 árvores restantes seguem até completarem cerca de 25 anos. Tudo é pensado para não atrapalhar a produtividade do boi. “Quando combinamos duas produções, elas precisam render mais do que renderiam sozinhas”, disse Schneider. 

Em suas contas, a teca rende, em média, R$ 2,8 mil por ano, depois de dividido o valor final do lote pelos 25 anos em que foi produzido. “É mais do que a pecuária, que me dá, no máximo, R$ 1,4 mil por hectare ano”, contou. Schneider produz cerca de 1,8 mil bezerros por ano na fazenda Boqueirão. 

O rendimento das árvores pode ser potencializado pelo mercado de carbono, já que a floresta plantada tende a sequestrar mais gases de efeito estufa do que a pecuária emite. “Talvez seja um caminho daqui a alguns anos. Mas não é dinheiro que falta para quem diz que quer fazer. É vontade! É preciso vontade e entender que não é um ganho imediato”, disse Schneider. 

Em fazendas consideradas exemplares pelo setor, a aposta em carne premium também tem sido exitosa – ainda que Lygia Pimentel ressalve que esse é um investimento mais arriscado, já que depende do aumento de renda da população para crescer.

Carlos Miguel da Silveira, dono da fazenda Serrinha, também localizada em Santo Antônio do Leverger, ofereceu um churrasco a jornalista para demonstrar a suculência e a maciez da carne que produz, de bois que valem entre 5% e 15% mais que os da maioria do Estado, onde a cotação da arroba ronda os R$ 300 atualmente, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). O bônus estimula o pecuarista a fornecer matéria-prima de mais qualidade para a indústria. 

“Nós selecionamos animais com predisposição para marmoreio, maciez e precocidade desde o nascimento”, explicou Silveira, gestor da Agropecuária Maria da Serra, antes do churrasco – a qualidade da carne foi atestada por repórteres de nove Estados que visitavam o empreendimento – inclusive pelo autor desta reportagem. 

A Serrinha, especificamente, trabalha com cria, recria e engorda de animais próprios e de terceiros, em pasto, semiconfinamento e confinamento, a depender da estratégia traçada para cada lote. A raça preferida do pecuarista é a braford, mas também há sangue nelore e angus na fórmula ideal. 

Silveira planejou o negócio com ajuda da VPJ Alimentos, empresa especializada em carnes especiais. “O mercado de proteína de qualidade vem crescendo exponencialmente nos últimos anos. Basta ver a quantidade de steakhouses e boutiques de carne, e a criação de marcas específicas pelos frigorífico”, afirmou ele. 

O trabalho na propriedade tem como pilares genética, sanidade, nutrição e manejo – e para Silveira, o manejo é o principal ponto de atenção, por ser passível de erros humanos. “Por isso nós sempre fazemos treinamentos com funcionários, mesmo aqueles que estão conosco há 30 anos”. 

Quem também ganha com uma pecuária intensiva é a natureza. Mais da metade da área da Serrinha é de mata nativa, índice muito superior que os 20% exigidos por lei na região. E, para isso, os mais de 7 mil animais terminados na propriedade não foram espremidos. Ocupam 3,7 mil hectares de pastagem abundante, dividida em piquetes para facilitar a gestão do alimento e para reduzir a movimentação. “Queremos que os bovinos andem até 400 metros”.

Fontes ouvidas pelo Valor explicam que é muito comum fazendas da região terem mais da metade da área preservada. “Algumas propriedades chegam a 80% de mata nativa, porque o Código Florestal não permite o desmate de áreas consolidadas e também porque não compensa financeiramente abrir novas áreas. Gasta-se mais do que para intensificar a produção”, disse um especialista. 

O custo para se produzir uma arroba premium também é maior, porque é preciso evitar opções mais baratas na alimentação, como o caroço de algodão, que podem modificar o sabor da carne. Mas, segundo Silveira, o lucro continua sendo superior nesse modelo de negócio. 

O pecuarista Marco Túlio Soares, da fazenda Jurigue, de Pedra Preta (MT), também investe em carne premium, e com um adicional: ele tem um frigorífico e cinco lojas voltadas ao varejo, além de fornecer para casas de carne e supermercados. Segundo Soares, o investimento foi elevado e o negócio demanda mais mão de obra e cuidado nos cortes. 

“Isso gera recorrência [nas compras] e viabiliza o negócio, mas a construção é árdua”, diz. A marca Celeiro, que pertence a Soares, já cresceu 15% durante a pandemia. “Depois do susto, as pessoas começaram a comer melhor”, complementou. 

Cerca de 85% da receita do empreendimento vem das vendas diretas ao consumidor final. “Por isso nós vamos ampliar nossas lojas. Há restaurantes que querem saber menos de qualidade do que de preço. Mas há muitas pessoas atentas aos cuidados com sustentabilidade, e ‘nossa carne tem história’, como diz nosso slogan. Todos os nossos processos são transparentes”, disse Soares. 

Os planos de expansão da Celeiro, marca de Soares, devem se concentrar no Centro-Oeste. Além disso, o frigorífico próprio abate cerca de 500 animais ao dia, o que não é suficiente para ampliar muito as fronteiras. Para incentivar outros pecuaristas que fornecem bois à empresa, Soares paga de 5% a 10% a mais por arroba do que a média local.

Fonte: Valor Econômico.
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