Se do boi se aproveita até o berro, da tilápia se faz até sorvete

Sorvete de peixe? A surpreendente versatilidade da tilápia que vai além do prato; A exemplo do bovino, do qual se aproveita tudo, pescado mostra que suas possibilidades vão muito além da produção de proteína

Sorvete, couro e curativo médico. O que esses itens têm em comum? Têm a mesma matéria prima: a tilápia do Nilo, espécie de peixe que lidera as criações em cativeiro no Brasil. O Paraná lidera a produção nacional, com um terço de toda tilápia cultivada no país e se prepara para ampliar essa posição. A expectativa é de que as 188 mil toneladas produzidas no Estado em 2021 saltem para 376 mil toneladas em 2027.

O que muitos não sabem é que o filé do pescado, hoje considerada a parte mais nobre comercializada, pode ser apenas a ponta do iceberg. Existe uma série de usos alternativos, não apenas para a proteína, mas para outras partes do peixe, que hoje são refugadas no processo industrial, como a pele.

A aquicultura é uma cadeia estruturada e consolidada aqui no Paraná, na qual somos referência nacional. Essa relevância também é sustentada pela diversificação propiciada pelo produto. Hoje, a diversas utilizações do peixe, com todas suas partes aproveitadas em diferentes processos. Tudo isso valoriza ainda mais a cadeia produtiva”, diz o presidente interino do Sistema FAEP, Ágide Eduardo Meneguette.

Uma das iniciativas mais nobres nesse sentido vem do Ceará, onde pesquisadores desenvolveram produtos com a pele de tilápia utilizados no tratamento de queimaduras. A pele do peixe funciona como um curativo que, quando acondicionado sobre as feridas, evita a perda de líquidos, impede a contaminação e reduz o tempo de tratamento em até dois dias. Sem contar que o curativo não precisa ser trocado diariamente, evitando dor e desconforto aos pacientes.

O Brasil nunca teve nenhuma pele animal registrada na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para tratamento de queimaduras. Temos quatro bancos de pele humana. Porém, a quantidade produzida por eles é insuficiente para os tratamentos. Tenho 44 anos de labuta na área de queimaduras e só utilizei pele humana duas vezes”, revela o médico Edmar Maciel Lima Jr., coordenador geral desta pesquisa com a pele de tilápia.

Segundo Lima, a opção pela pele da tilápia se deu em função da disponibilidade do peixe e pelos bons resultados encontrados em testes. “No estudo histológico vimos que a pele da tilápia tem a proteína colágeno tipo 1 em maior quantidade do que a pele humana, além de ser resistente à tração e ter um bom grau de umidade”, diz. Essa pesquisa hoje está presente em nove países, envolve 300 pesquisadores e já recebeu 19 prêmios. “Começou com os estudos na área de queimaduras, hoje em dia é sucesso nas feridas de animais, na ginecologia e na odontologia”, afirma o médico.

Sorvete inusitado

Mas as possibilidades da tilápia na área da saúde ainda vão além. Em 2019, a doutoranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) Ana Maria da Silva desenvolveu um produto inusitado para auxiliar a alimentação da filha, que na época estava grávida e enfrentava um câncer.

O tratamento quimioterápico causava feridas na boca da jovem, dificultando a alimentação. Um dos poucos alimentos que traziam algum alívio era sorvete, que, por ser gelado, aliviava as dores. Porém, seu valor nutricional era insuficiente. Diante disso, Ana Maria decidiu inserir a proteína de peixe no sorvete. Por meio de um processo que transforma a carne da tilápia em líquido, foi possível criar um sorvete rico em proteína, que mantém as características e o sabor da sobremesa.

Em outubro, o sorvete de tilápia conquistou o terceiro lugar na Maratona de Inovação do Pescado no AgriFutura, principal encontro da cadeia produtiva do pescado da América Latina.

Tocantins é capaz de criar tilápias até dois meses mais rápido que os principais Estados produtores
Foto: Jefferson Christofoletti

Usos diversos

Outro projeto que chama a atenção vem do litoral do Paraná. Por lá, iniciativas transformam a pele, não apenas da tilápia, mas também de outras espécies de peixes, em couro, utilizado para fazer bolsas, sapatos e diversos itens de artesanato. Recentemente, o cantor brasileiro de pagode Rodriguinho estreou um tênis totalmente produzido em couro de tilápia nas cores da bandeira brasileira.

O potencial da pele de tilápia também já foi identificado pelas cooperativas, responsáveis pela maior parte da produção estadual. A C.Vale, por exemplo, exporta 75 toneladas de pele de tilápia todos os meses para Taiwan para a produção de cosméticos.

A exemplo do bovino, do qual se aproveita “até o berro”, em referência ao uso de todas as partes do animal, o pescado também mostra que tem muito mais a oferecer do que apenas proteína. E o Paraná tem todas as condições de aproveitar essas oportunidades.

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