Uma doença que trouxe uma grande reviravolta no mercado da carne mundial e que recentemente acabou impactado na imagem do Brasil. Mas o que realmente incomoda?
Nos últimos dias de maio a Secretaria de Defesa Agropecuária do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) confirmou a ocorrência de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB ou BSE na sigla em inglês) em Mato Grosso, doença também conhecida como “vaca louca”.
A EEB é causada por um príon, que é uma proteína infecciosa resultado da alteração espontânea de uma proteína normal do corpo.
E como o sistema imunológico não reconhece o príon como um corpo estranho, ele não desencadeia uma reação imune, ocasionando o acúmulo da proteína no sistema nervoso central do animal por um longo período.
O acúmulo desta proteína causa lesões degenerativas no encéfalo dos animais, o que dá início aos sinais clínicos que conhecemos, que normalmente são perda de peso, insensibilidade, alterações no temperamento e na locomoção.
Após o início dos sinais clínicos, de acordo com estudos, a doença evolui invariavelmente para morte em um período de três semanas a seis meses.
A doença não é transmitida entre animais. Contudo os animais podem ser infectados caso haja ingestão de alimentos contaminados com o príon!
E a principal fonte de transmissão do agente infecciosoé pela ingestão de Farinha de Carne e Ossos (FCO) constituída de ossos, cárneos, aparas ou vísceras dos bovinos infectados.
E como o príon não é inativado por processos químicos ou físicos (por exemplo: congelamento, radiação ultravioleta), os produtos obtidos de animais infectados são grandes fatores de risco.
Contudo, é possível reduzir o potencial de infecção do agente. A OIE (Organização Mundial da Saúde) possui recomendações técnicas de esterilização dos príons para fabricação da FCO de ruminantes.
Vale lembrar que a FCO bovina é usada como ingrediente nas rações de aves, suínos, peixes, crustáceos e pets (essas espécies não possuem registro da doença), mas é proibida na dieta de ruminantes.
E como este material pode estar presente, por exemplo, na cama de frango, visto que restos de ração caem na cama quando as aves se alimentam, a cama de frango é proibida na alimentação de bovinos, bem como resíduos da criação de suínos.
Outro ponto fundamental é que a EEB também é uma zoonose, ou seja, há transmissão para humanos, causando a variante da doença de Creutzfeldt‑Jakob (vDCJ), doença que provoca desordem cerebral em humanos e inevitavelmente os leva à morte.
Ou seja, o consumo de carne infectada pela EEB é um risco para os seres humanos, e até hoje nenhum tratamento foi efetivo para alterar a evolução fatal da doença.
A doença também é caracterizada por ter um longo período de incubação, o que prejudica a detecção precoce de um caso.
Histórico
A doença teve seu primeiro registro na Europa e na década de 90 o continente vivenciou a pior crise da história.
A epidemia da doença da vaca louca aconteceu porque os bovinos eram alimentados com produtos de origem animal contaminados.
O impacto econômico e social foi grande, milhões de bovinos foram sacrificados e centenas de pessoas foram infectadas pela doença. Veja na tabela 1 a incidência de casos em bovinos pelo mundo, segundo a OIE.
Tabela 1. Incidência anual da EEB, por país, desde 1989, em casos.
Na Europa, nos anos 90, os impactos não ficaram restritos somente à cadeia de produção, a indústria e o comércio também foram afetados pois a população, com medo, reduziu o consumo de carne bovina.
Mas apesar de ter registrado mais de 180 mil casos desde 1989, com a adoção de medidas sanitárias, houve uma redução acentuada da incidência anual de EEB no Reino Unido e também em outros países europeus, como Portugal, França e Espanha.
Vaca Louca no Brasil
Grande parte da pecuária brasileira é de criação extensiva e não suplementa os animais com ração. A maioria dos bovinos brasileiros são engordados no pasto com suplementação mineral e esta característica de produção acaba sendo, de maneira indireta, uma grande medida de prevenção da doença.
Até hoje o Brasil registrou somente três casos de EEB na história, um em 2012 no Paraná, outro em 2014 em Mato Grosso e o mais recente novamente no estado.
Todos os casos foram diagnosticados como sendo atípicos, o que quer dizer que a doença é espontânea, esporádica e a via de infecção não está ligada à ingestão de produtos de origem animal contaminados.
A ocorrência de EEB nestes casos é vista como natural e ocorre em função da idade avançada do animal e o consequente envelhecimento das células. Todos animais diagnosticados tinham mais de 10 anos.
Vale destacar também que neste último caso não houve risco para população, já que não existiu ingresso de nenhum produto na cadeia alimentar humana e na cadeia de nutrição animal.
Consequências para o mercado internacional
Para manter a segurança dos animais e dos seres humanos, a EEB é uma doença para a qual a OIE (Organização Mundial da Saúde) estabeleceu o reconhecimento oficial do status sanitário de países e zonas.
Veja na figura 1 a categoria de risco dos países membros da OIE. Mesmo após o recente caso atípico, a OIE manteve o risco do Brasil como insignificante.
Essa medida é benéfica para o mercado brasileiro pois comprova a segurança alimentar dos produtos e enaltece a competência da vigilância sanitária brasileira.
Figura 1. Status de riscos da EEB, segundo a OIE.
Conclusões
O caso diagnosticado recentemente trouxe consequências para o mercado interno e externo
No mercado externo, como medida preventiva o Brasil auto suspendeu as exportações de carne bovina para China, cumprindo o disposto no protocolo bilateral assinado pelos dois países.
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No mercado interno, frigoríficos que produziam carne para atender os chineses tiveram que frear a produção e escoar o estoque para outros destinos. Quadro que trouxe instabilidade para o mercado do boi gordo.
Mas como a retomada das exportações em 13/6, é provável que o mercado volte a trabalhar no ritmo mais acelerado em decorrência da demanda chinesa acumulada.
Por fim, qualquer registro de vaca louca traz apreensão para a população, mas o diagnóstico de doenças atípicas só reforça a eficácia do sistema de vigilância brasileiro.
E a resposta da OIE mostrou que a “batalha” foi ganha, mas o marketing da carne bovina brasileira ainda precisa ser otimizado para ganhar a “guerra” que envolve a exigências dos consumidores de proteínas de origem animal.
Fonte: Blog do Scot