58% da malha ferroviária brasileira está abandonada

Novo marco legal ambiciona melhorar setor ferroviário; uma das medidas é possibilitar a criação de empresas de serviços ferroviários e de desenvolvimento urbano.

A Comissão de Infraestrutura (CI) pode votar nesta semana o novo marco legal das ferrovias (PLS 261/2018). De iniciativa do senador José Serra (PSDB-SP), o projeto pretende incorporar as melhores práticas adotadas em outros países para desenvolver a malha ferroviária para o transporte de cargas e de passageiros. A novidade apresentada na proposta é a autorização como modalidade de outorga para a exploração de ferrovias pelo setor privado. Além disso, o reparcelamento do solo com a sociedade de proprietários de imóveis são novas estratégias apresentadas para o desenvolvimento do setor.

O projeto já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) na forma de um substitutivo. Na CI, o relator, senador Jean Paul Prates (PT-RN), também apresentou um substitutivo diferente após várias audiências públicas realizadas para debater o tema. Em vez de uma lei que alteraria outros decretos e leis, Jean Paul optou por fazer uma lei específica para organizar o transporte ferroviário. De acordo com ele, a proposta é meritória, pois visa aumentar a oferta de infraestrutura ferroviária, impedir a concentração do mercado, reduzir os custos logísticos e promover a concorrência no setor ferroviário.

— O setor ferroviário do Brasil já vem crescendo bastante nos últimos 10, 15 anos. Praticamente dobrou de tamanho. É uma necessidade do país. Há capacidade de investimento interna e externa para o setor ferroviário. No entanto, ele se ressentia de ter todos os instrumentos de que outros setores já dispõem, instrumentos regulatórios, instrumentos de outorga, que permitam esse investimento em diferentes níveis e em formas diferentes — disse.

No capítulo central do substitutivo, que trata das regras do procedimento de outorga em regime de autorização, a mudança feita pelo relator foi fixar prazo para esse regime. A autorização passa a ter o prazo determinado de 25 a 99 anos, proposto pelo requerente, já que é ele quem será hábil para avaliar o período necessário para amortizar os investimentos que vai realizar.

— Acreditamos que o estabelecimento de prazo contratual permite melhor avaliação do negócio e traz mais segurança jurídica para o investidor — justificou Jean Paul.

Se for aprovado pela CI, o projeto deverá passar ainda pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde terá decisão terminativa, ou seja, não deve passar pelo Plenário, a menos que haja recurso. Em seguida, o projeto segue para a Câmara.

Motivação

De acordo com o senador José Serra, a proposta se justifica pelo atraso do Brasil na infraestrutura ferroviária, por uma série de oportunidades perdidas e também pela grande dependência de investimentos públicos para o setor, mesmo na hipótese de outorga por concessão. Segundo a União Internacional de Vias Ferroviárias, o Brasil ocupa a nona posição em extensão de linhas de trens, com mais de 30 mil quilômetros de malha. No entanto, em relação à qualidade da infraestrutura, segundo o Fórum Econômico Mundial, em 2018, o país está na 88ª posição entre 137 analisados. De acordo com dados do Ministério da Infraestrutura, dos 28,2 mil quilômetros da malha ferroviária em regime de concessão, 30,6% estão ociosos.

Agência Senado

— A rigor, como atesta nossa história, a trajetória do modal ferroviário do Brasil é um inventário de enormes oportunidades perdidas. Os especialistas exaustivamente alertam para o fato de que nossa rede de ferrovias e o volume transportado estão muito aquém da dimensão da economia brasileira — afirmou Serra.

Para o senador, um modelo possível é “manter a presença estatal nos segmentos onde ele seja realmente necessário, e, ao mesmo tempo, atrair investimentos privados para a construção da infraestrutura em regime de competição onde haja interesse do mercado”, como se deu nos Estados Unidos.

De acordo com José Serra, o projeto não prejudica os atuais concessionários, pois o particular poderá ser autorizado pelo poder público a construir e operar sua própria ferrovia, sem retirar a primazia do Estado para investir onde for oportuno e conveniente. O autor trouxe o exemplo do Japão, que utiliza o reparcelamento do solo para viabilizar a implantação de novas linhas. Por esse instrumento, os imóveis antigos são substituídos por novos, mais adequados ao empreendimento ferroviário. Os antigos proprietários podem entrar em sociedade com as empresas e ganhar com a valorização imobiliária.

O PLS 262/2019 traz a possibilidade da autorização e permite que a empresa exploradora tenha liberdade para propor traçados, preços e níveis de serviço, em conjunto com demais membros da entidade de autorregulação técnica: representantes de passageiros, dos embarcadores e da indústria de insumos ferroviários. Confira os principais pontos do substitutivo oferecido por Jean Paul Prates.

Reparcelamento do solo

A ideia do projeto é possibilitar a criação de empresas de serviços ferroviários e de desenvolvimento urbano. Nesse modelo, seria utilizado o reparcelamento do solo nos locais onde se implantarem as estações ferroviárias. Os proprietários dos imóveis necessários para a realização do empreendimento poderão se tornar sócios dos projetos, o que reduz os custos das fases iniciais e proporciona ganhos advindos da valorização imobiliária.

No caso de o proprietário do imóvel não desejar aderir ao projeto, está prevista a desapropriação do imóvel, para desestimular o comportamento oportunista. Nessa hipótese, a desapropriação depende da emissão de Decreto de Utilidade Pública pelo poder público. O substitutivo também prevê que a instalação e as operações da nova infraestrutura ferroviária nas cidades observem o plano diretor municipal.

Autorregulação

O substitutivo mantém uma inovação, prevista no texto original, para a criação de uma entidade para regular aspectos eminentemente técnicos e operacionais da ferrovia. Essa autorregulação seria exercida pelos titulares das administrações ferroviárias, junto aos usuários, embarcadores e indústria.

— As permissões para os transportes urbanos e para assuntos eminentemente técnicos — portanto, não para as relações com o mercado, muito menos de dominação econômica — poderão usar a instituição da autorregulação, que pode ser feita regionalmente por malha, ou nacionalmente, como os associados preferirem — afirmou Jean Paul.

Inovações para as outorgas

Outra mudança feita por Jean Paul foi levar para a outorga de concessão várias inovações trazidas pelo projeto. De acordo com o relator, o objetivo foi reduzir a diferença concorrencial entre autorizações e concessões, reduzindo a carga regulatória das últimas. Dessa forma, as receitas imobiliárias e a autorregulação também foram agregadas ao modelo de concessão, além das diretrizes propostas para a infraestrutura privada.

— Nós inserimos alguns dispositivos para modernizar, agilizar o uso das concessões, ainda que sejam um instrumento que já é disponível hoje no direito brasileiro para ferrovias — disse o relator.

Fonte: Agência Senado

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