A ajuda que virou ameaça: entenda o perigo da alienação fiduciária

MP criada para aliviar produtores vira motivo de alerta: Banco do Brasil condiciona prorrogações rurais à alienação fiduciária, ampliando a tensão entre endividados do campo

Por Leandro Marmo – A Medida Provisória 1.314/2025 foi criada pelo governo para ajudar os produtores rurais que sofreram com as perdas provocadas pelas secas, enchentes e outros desastres climáticos. O objetivo era permitir que quem está endividado pudesse renegociar suas dívidas com prazos mais longos e condições melhores.

Mas o que era para ser um alívio virou motivo de preocupação. O Banco do Brasil, principal agente financeiro do agronegócio, está usando essa MP como justificativa para impor alienação fiduciária em praticamente todos os contratos de prorrogação e renegociação rural.

Na teoria, a MP destinou R$ 12 bilhões para socorrer quem teve prejuízo em duas ou mais safras entre 2020 e 2025. Mas, na prática, o produtor que busca o “BB Regulariza Agro” — programa lançado pelo banco para aplicar a MP — se depara com uma exigência que muda tudo: a inclusão da alienação fiduciária. E o próprio diretor de agronegócios do Banco do Brasil já afirmou publicamente que a alienação fiduciária passará a substituir a hipoteca como principal forma de garantia nas operações rurais. Essa mudança é grave, e o produtor precisa entender o que está em jogo.

Na hipoteca, o produtor continua sendo o dono do imóvel. Se ele deixar de pagar, o banco precisa entrar na Justiça para cobrar a dívida, passando por todo o processo judicial de execução. Isso dá tempo para o produtor se defender, negociar, comprovar dificuldades e tentar um acordo. Já na alienação fiduciária, a história é outra. Nesse tipo de contrato, o produtor transfere a propriedade do bem, geralmente a fazenda, para o banco, que fica como “dono” até o fim do pagamento. O produtor mantém a posse e pode continuar trabalhando na terra, mas legalmente ela pertence ao banco.

O perigo está no momento da inadimplência. Se o produtor atrasar parcelas, o Banco do Brasil pode consolidar a propriedade no nome dele e vender o bem em leilão, sem precisar de processo judicial. É um procedimento rápido, feito em cartório, que praticamente elimina a chance de defesa do produtor. Em questão de dias, uma fazenda avaliada em milhões pode ser tomada e leiloada por valor muito menor, deixando o produtor sem o patrimônio e ainda com dívidas. Isso é o que vem acontecendo em diversos casos pelo país, onde produtores que buscaram ajuda acabam perdendo tudo.

O discurso do banco é que a alienação fiduciária “dá mais segurança jurídica” e “facilita o crédito”. Na prática, o que ela faz é entregar ao banco o controle total sobre o patrimônio rural. O produtor entra na negociação acreditando que está apenas alongando a dívida, mas está assinando um contrato que pode tirar dele o que levou uma vida inteira para conquistar. A MP 1.314/2025, que nasceu como promessa de socorro, acabou virando um instrumento de pressão e, nas mãos do Banco do Brasil, uma verdadeira armadilha legal.

O produtor rural precisa entender que essa exigência não é obrigatória. A própria MP não fala em alienação fiduciária como condição. O banco está usando uma brecha para impor essa garantia mais pesada. Por isso, é essencial buscar orientação jurídica especializada em direito agrário antes de assinar qualquer documento. Um advogado pode analisar se há abuso, se a exigência viola o espírito da MP e se há alternativas viáveis, como garantias pessoais ou hipotecas já existentes.

A recomendação é simples: não assine nada por impulso, nem sob pressão do banco. Leia cada cláusula, questione, peça explicações por escrito e recuse o contrato se houver alienação fiduciária sem justificativa clara. O produtor que entrega a terra como garantia está, na prática, entregando o futuro da sua família. Esse tipo de contrato transforma o crédito rural em uma bomba-relógio, que pode explodir ao menor sinal de atraso.

A alienação fiduciária é rápida e implacável. A hipoteca é mais lenta, mas dá espaço para defesa. Por isso, é fundamental que o produtor rural lute para manter a hipoteca como forma de garantia, e não aceite a alienação sem entender as consequências. O Banco do Brasil diz que o novo modelo “moderniza o crédito rural”, mas a verdade é que ele enfraquece quem mais precisa de proteção: o produtor.

Essa é a hora de ficar atento. A MP 1.314/2025, que deveria trazer esperança, está sendo usada para tirar a terra de quem trabalha nela. O produtor precisa estar informado, buscar orientação e agir com estratégia. Uma assinatura apressada hoje pode significar a perda de toda uma vida de trabalho amanhã.

Leandro Marmo, advogado especialista em Direito do Agronegócio, professor da pós-graduação de Direito do Agronegócio da PUC-PR, autor de obras jurídicas e CEO do João Domingos Advogados.

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