A genômica não revolucionará a pecuária

“A genômica não promoverá um big bang no melhoramento genético dos bovinos” – Artigo do zootecnista José Otávio Lemos

Você sabe que o vírus como esse já bem famoso COVID-19 não é considerado ser vivo? Mas possui informações genéticas. Que coisa, né!? E os mapas genéticos estão presentes em todos os seres vivos, desde a mais pequena bactéria como no enorme elefante africano. Também na comida que nos alimenta e no cara que está digitando ou você que está lendo isso.

Os genes controlam muito do desenvolvimento, do funcionamento e da manutenção das células, sendo responsáveis por expressar características transmitidas dos progenitores para os filhos desses. Assim, particularidades de cada organismo são conferidas por seus genes. Mas a tudo isso é somada a interação com o meio ambiente, que muita gente esquece ou faz-se de esquecido sobre tal.

Cada coisa, né!? Dois filhos de mesmos pai e mãe com cores de olhos bem diferentes. Um azul e outro com a cor castanha. Engraçado um cachorro é muito diferente de uma aranha, mas um número surpreendente dos genes encontrados nos genomas de cada um deles, praticamente os mesmos. Vamos mais!? Conosco e os camundongos, espécies muito semelhantes geneticamente, já que 99% dos genes nossos foram mapeados em tais roedores. Assim, ao mesmo tempo, os genes explicam as diferenças morfológicas ou funcionais entre as espécies, eles se constituem na base comum que formula essas particularidades.

Olha que coisa: nós, humanos, somos seres 99,9% idênticos, em se tratando de genética, e os 0,1% faz cada um ser único. Sim, as diferenças entre um organismo e outro se dá pela maneira como os nucleotídeos se distribuem ao longo da molécula de DNA. Cada indivíduo tem uma sequência, que difere significativamente de espécie para espécie – e até mesmo dentro da mesma espécie.

Então, não precisamos esperar, acreditar que a Genômica fará um Big Bang para o melhoramento animal.

É claro que abordando sobre diferenças genéticas, somente da composição da sequência de DNA comparada entre dois ou mais indivíduos. Indicando o número de nucleotídeos que são diferentes entre tais. Outros fatores, como os que envolvem formação e composição das proteínas, silenciamento e ativação diferencial de genes, elementos reguladores do genoma e algumas variações estruturais, não são considerados. Todos esses fatores em conjunto levam à grande diversidade existente e influenciam diretamente nas diferenças morfológicas e produtivas vistas ou analisadas.

Uma ilustração narrativa: recentemente, um amigo, enviou material para exame do Genoma dele e dos outros dois irmãos. Realmente, filhos dos mesmos pai e mãe. Cada um deu resultado diferente quanto à composição proporcional dos “povos” presentes nas genéticas deles.

A Genômica tem sido muito focada pela Ciência do século 21, destaque na grande mídia, mas isso também gera dúvidas sobre o que ainda será descoberto e como se descortinará a vida no futuro.
Interessantemente que nativos americanos, asiáticos e europeus são subamostras da variabilidade africana, verdadeiramente derivadas dessa.

A espécie humana surgiu na África entre 250-300 mil anos, e durante mais de 200 mil anos essa população cresceu, se diversificou e colonizou todo o continente africano, se adaptando a seus diferentes ecossistemas. “Há cerca de 60 mil anos, alguns sapiens, carregando apenas uma parte da variabilidade genética africana, saem da África para colonizar os outros continentes. Bem depois disso, há cerca de 15 mil anos, o continente americano é colonizado por nossa espécie. Cada passo dessa jornada levou tanto ao surgimento de nova variabilidade genética dentro de cada população continental, quanto à flutuação nas frequências das variantes gênicas comuns a todas as populações, criando perfis genômicos distintos que explicam tanto as diferenças quanto as similaridades entre as populações humanas atuais”. Ou seja, a genética nunca estacionada e com grande influência do meio ambiente sobre ela.

A Genômica, em 1980, teve os primeiros genomas virais identificados. Em 1995, a primeira bactéria, a Haemophilus influenza. O humano em 2003. E, antes do resultado com a nossa espécie, em 2000, um grupo internacional de cientistas, com participação brasileira, sequenciou, o genoma de um animal bovino – uma vaca da espécie Bos taurus. Um segundo grupo apresentou as aplicações do sequenciamento: um mapeamento da diversidade genética encontrada entre 20 raças distintas.

Importante termos consciência que o sequenciamento de um DNA é só “uma” ponta do iceberg. Após sua obtenção, são necessárias análises computacionais árduas para identificar quais trechos da sequência correspondem a genes, comparar entre indivíduos da mesma espécie e de diferentes, e muito além disso.

A Genômica estuda o mapa genético de cada espécie a partir da obtenção da sua sequência, e com o objetivo de entender a sua estrutura, organização e função. Além disso, há a transcriptômica, que analisa as moléculas de RNA; a proteômica, que estuda as proteínas formadas pela expressão gênica; a metabolômica, que estuda as pequenas moléculas orgânicas.

O DNA não é o senhor absoluto no comando de cada indivíduo.

A integração de todas essas ferramentas tem permitido resultados, e a genética tem passado por várias revoluções, especialmente, nos últimos 10 anos. Se o Gregor Mendel (1822-1884) ressuscitasse e tomasse ciência disso tudo, levaria um grande susto.

Assim, qual seria o maior desafio dos estudos genômicos? A grande quantidade de informação a ser manipulada ou a incerteza dos desdobramentos?

O que precisamos entender bem claramente, na agropecuária, nossa área de trabalho, é que a Genômica não será a tábua de salvação ou o foguete para nos levar a um melhoramento animal muito mais rápido. O primeiro do ponto de vista técnico sobre isso é que os dados genômicos poderão ser o exemplo mais extremo de Big Data (análise e a interpretação de grandes volumes de dados e variedade), e irão requerer novas soluções em termos de infraestrutura computacional, algoritmos de análise, métodos de integração de áreas, entre outros. Já o segundo aspecto, ético, com certeza representa um grande desafio, especialmente tendo em vista as possibilidades que já se descortinam em termos da manipulação da informação e criação de seres vivos com genomas modificados. O debate sobre esses temas é uma prioridade desde o início disso tudo sendo pesquisado e ganhando descrição, publicações.

O gado nosso de cada dia, não será milagrosamente melhorado com a Genômica. Nada do que estamos empenhando, com tempo ou financeiramente, será de resultado imediato.

Aqui, o escrevente não está defendendo o descarte da Genômica, mas a não “santificação” dela pela “igreja” do melhoramento animal, cuja “bíblia (conjunto de livros) dela” demorará muito tempo para ter um “apocalipse” (último livro/capítulo) para ser incluído/chancelado, e com paz “para os envolvidos com a pecuária de boa vontade”.

Como poetou Carlos Drummond de Andrade, “no meio do caminho tinha uma pedra”, e ela pode ser usada num alicerce, mas não construirá uma casa ou palácio inteiro.

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