A ilha dos cavalos selvagens: animais sobrevivem livres em climas extremos

Em um dos ambientes mais hostis do Canadá, mais de 400 cavalos selvagens mantêm há gerações um equilíbrio perfeito com a natureza, sem manejo humano, leis que os protegem e uma história que desafia lendas e a própria ciência.

No meio do Atlântico Norte, a cerca de 300 km da costa da Nova Escócia, Canadá, a remota Ilha Sable abriga uma das populações de cavalos selvagens mais emblemáticas e resilientes do planeta. Mais de 400 animais vivem soltos, sem qualquer interferência humana, desafiando tempestades intensas, longos períodos de frio extremo e verões úmidos que testam seus limites físicos.

Esses cavalos existem na ilha desde o século XVIII, quando foram introduzidos deliberadamente por colonizadores. Ao longo das décadas, tornaram-se totalmente selvagens, formando bandos estáveis e desenvolvendo estratégias de sobrevivência únicas em um ambiente tão desafiador quanto isolado.

Histórias populares costumam afirmar que os cavalos chegaram à Ilha Sable nadando após naufrágios ou trazidos por exploradores portugueses no século XVI. Nenhuma dessas versões é confirmada por evidências históricas ou genéticas.

A origem real é bem documentada:

  • O primeiro registro oficial data de 1737, quando o reverendo Andrew Le Mercier, de Boston, transportou cavalos para a ilha.
  • Parte desses animais foi roubada por marinheiros que passavam pela região.
  • Ao longo dos anos, outros cavalos foram introduzidos para “melhorar” o plantel.
Carroça puxada por cavalos, 1930-1940, Ilha Sable. Foto: Clara Dennis, Arquivos da Nova Escócia, 1981-541 número 122.

Durante o século XIX e início do século XX, alguns animais chegaram a ser reunidos e enviados para venda e abate, prática que quase extinguiu a raça na década de 1950.

Em 1960, diante do risco iminente de desaparecimento, o governo canadense aprovou uma lei garantindo proteção total aos cavalos da ilha em estado selvagem. A partir daí:

  • Qualquer interferência humana passou a ser proibida.
  • A manada nunca mais seria manejada, alimentada ou tratada por pessoas.
  • Em 2008, os cavalos foram oficialmente reconhecidos como o cavalo símbolo da Nova Escócia.
  • Em 2011, a Ilha Sable foi designada Reserva do Parque Nacional, reforçando a preservação.

Até 2019, existiu também um pequeno grupo no Parque de Vida Selvagem Shubenacadie, composto por descendentes de animais retirados da ilha nos anos 1950.

Foto: kattukexpeditions

Entre os anos 1980 e 2000, pesquisadores iniciaram estudos de observação não invasiva. Em 2007, análises genéticas revelaram que:

  • A população da Ilha Sable é geneticamente distinta de outras raças canadenses;
  • Possui variações únicas, resultado de séculos de isolamento;
  • Esse isolamento reforçou o interesse de conservacionistas em manter a pureza e a proteção do grupo.

Nos últimos anos, a população tem variado entre 400 e 550 indivíduos — número relativamente estável para uma espécie não manejada.

Os cavalos da Ilha Sable apresentam um conjunto de características que refletem perfeitamente o ambiente extremo em que vivem:

  • Altura: entre 132 e 142 cm
  • Peso: cerca de 360 kg (machos) e 300 kg (fêmeas)
  • Conformação: compactos, fortes, com quartelas curtas — ideais para caminhar na areia
  • Pelagem: predominantemente escura (baia, castanha, preta e alazã), com raras marcas brancas
  • Crina e cauda: excepcionalmente longas e espessas, sobretudo no inverno
  • Marcha: muitos animais exibem uma marcha natural, provavelmente herdada de linhagens ibéricas
Foto:Julie Marshall/Shutterstock

Curiosamente, descendentes de cavalos retirados da ilha e alimentados com dietas mais nutritivas tornam-se maiores, mostrando como o ambiente árido e pobre em nutrientes da Ilha Sable influencia diretamente o fenótipo.

A dieta dos cavalos da Ilha Sable impressiona pela adaptação:

  • A base é a grama-da-praia, abundante nas dunas.
  • Em algumas regiões, eles consomem arenária, capim-azul e festuca-vermelha.
  • Nas penínsulas leste e oeste, algas trazidas pelo mar — muitas enriquecidas por nutrientes das focas — complementam a alimentação.
  • No inverno, sobrevivem com vegetação seca, dependendo das reservas de gordura acumuladas no verão.

E, ao contrário do que se imagina, é normal que alguns bebam água do mar ocasionalmente para repor sais minerais perdidos durante os verões úmidos.

A Ilha Sable é formada por dunas móveis e uma fina “lente” de água doce subterrânea que flutua sobre o lençol freático salgado. Por isso, os cavalos desenvolveram comportamentos distintos:

  • No lado oeste, utilizam lagoas naturais de água doce.
  • No lado leste, onde não há lagoas, cavam poços na areia até atingir lençóis de água doce — uma estratégia rara entre equinos selvagens.
Cavalos da Reserva Nacional de Preservação da Ilha Sable bebendo água do mar. Foto:Reserva do Parque Nacional da Ilha Sable

Durante os meses mais frios:

  • Os cavalos migram para o interior da ilha.
  • Procuram abrigo no lado sotavento das dunas, reduzindo a exposição aos ventos cortantes.
  • Desenvolvem uma pelagem densa e longa para suportar as tempestades.
  • Dependem mais intensamente das reservas acumuladas, pois o alimento fresco se torna escasso.

A ausência de predadores significativos faz com que muitos cavalos idosos acabem morrendo de fome após desgaste total dos dentes — um processo natural em populações selvagens não manejadas.

Com seus comportamentos únicos, aparência distinta e incrível capacidade de adaptação, os cavalos da Ilha Sable representam:

  • Um laboratório vivo da evolução em tempo real
  • Uma das últimas manadas verdadeiramente selvagens da América do Norte
  • Um símbolo cultural e natural da Nova Escócia

Intocáveis por lei, eles seguem vivendo como sempre viveram:
selvagens, livres e moldados pela força da ilha que desafia séculos e tempestades.

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