Agricultura espacial: testes em Marte e batata-doce na Lua podem revolucionar o cultivo global

Brasileira se destaca em estudo que cultiva tomates em solo similar ao de Marte; pesquisadores buscam apoio para avançar na agricultura espacial

A conexão entre o espaço sideral e a produção de alimentos no planeta Terra é mais estreita do que muitos imaginam. Pesquisas ligadas à agricultura fora do nosso planeta já estão em andamento e contam com a participação ativa do Brasil, graças ao Acordo Artemis — uma iniciativa internacional liderada pela NASA com foco em missões pacíficas de exploração espacial, como a instalação de bases permanentes na Lua e futuramente em Marte.

Desde que o Brasil passou a integrar o grupo de países signatários em 2021, cientistas da Embrapa, em parceria com universidades e instituições de pesquisa, vêm se dedicando a estudar formas de cultivo capazes de suprir as necessidades alimentares de astronautas em longas jornadas pelo espaço. A ideia central não é apenas alimentar quem estiver fora da Terra, mas também aplicar essas soluções inovadoras em ambientes extremos aqui no nosso próprio planeta.

Um exemplo claro disso são os sistemas agrícolas desenvolvidos para operar com o mínimo de água e energia — dois recursos escassos e valiosos tanto em Marte quanto em regiões áridas da Terra. “Essas tecnologias têm um enorme potencial de aplicação em áreas de difícil acesso ou em processo de desertificação, como partes do Nordeste brasileiro”, afirma Alessandra Fávero, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste e coordenadora da Rede Space Farming Brazil.

Cultivo em gravidade zero: batata-doce e grão-de-bico lideram os testes

Entre os alimentos escolhidos para os experimentos espaciais, dois se destacam: a batata-doce e o grão-de-bico. A primeira, especialmente a variedade roxa, oferece raízes ricas em carboidratos e folhas com alto teor de proteínas e fibras — ideais para alimentação equilibrada. Contém antocianina, antioxidante natural que protege contra radiação, um risco constante em ambientes espaciais.

Já o grão-de-bico, abundante em proteínas e triptofano — aminoácido que contribui para a produção de serotonina — é uma excelente alternativa para dietas balanceadas. Sua versatilidade na cozinha e aceitação internacional o tornam uma escolha estratégica em missões que envolvem astronautas de diferentes culturas.

Parceria institucional e metas ambiciosas na “Agricultura espacial”

Um passo importante foi dado em julho, com a assinatura de um acordo entre a Embrapa e a Agência Espacial Brasileira (AEB), estabelecendo as bases para cinco anos de pesquisas voltadas à agricultura espacial. O orçamento estimado gira entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões, e a busca por financiamento já está em andamento junto ao governo federal e agências de fomento estaduais.

Aeroponia e fazendas verticais: o futuro chegou

As experiências com cultivo espacial acontecem em ambientes completamente fechados — o que remete diretamente ao conceito de fazendas verticais. Um exemplo notório é Dubai, onde estruturas agrícolas em camadas enfrentam o desafio do clima desértico com tecnologias de ponta.

A técnica escolhida para os experimentos brasileiros é a aeroponia, em que as raízes das plantas ficam suspensas no ar, recebendo água e nutrientes por meio de vaporização. Esse método reduz em até 95% o uso de água em comparação com o cultivo tradicional e permite sua total reutilização, promovendo um sistema agrícola fechado e sustentável.

Tomates no solo marciano: lições de produtividade

Em um experimento inovador, a astrobióloga brasileira Rebeca Gonçalves testou o cultivo de tomates, ervilhas e cenouras em regolito — uma simulação do solo marciano desenvolvida pela NASA. As plantas foram irrigadas com uma mistura de nutrientes e colonizadas por uma única bactéria do gênero Rhizobia. Os resultados surpreenderam: tomates cultivados em conjunto com ervilhas e cenouras amadureceram mais rápido e renderam o dobro quando comparados ao cultivo isolado.

As diferentes combinações revelaram que a policultura — prática de cultivar várias espécies juntas — melhora significativamente o desempenho das plantas, mesmo em solos pobres e com pouca água. O tomate auxiliou a proliferação da bactéria da ervilha, enquanto a cenoura favoreceu a oxigenação do solo.

Da órbita à Terra: soluções para a fome e a sustentabilidade

Esse tipo de pesquisa não beneficia apenas futuras colônias espaciais. As lições aprendidas têm aplicação direta na recuperação de áreas degradadas e no combate à fome. O ambiente de teste reproduziu com precisão as duras condições de Marte — frio extremo, baixa fertilidade e ar rarefeito. Ainda assim, foi possível desenvolver um sistema fechado, autossustentável e bioregenerativo, que pode servir como modelo para regiões em crise climática ou para centros urbanos que desejam reduzir sua pegada de carbono com agricultura local.

“O objetivo é criar sistemas produtivos resilientes, aplicáveis a comunidades rurais e centros urbanos. Produzir alimentos perto de quem consome reduz o custo com transporte, responsável por cerca de 6% da emissão global de carbono”, conclui Rebeca Gonçalves.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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