Efeitos da briga entre EUA e China e da peste suína favoreceram Brasil, mas não se sabe por quanto tempo, diz pesquisador.
Para o pesquisador Marcos Sawaya Jank, professor de Agronegócio Global no Insper e titular da Cátedra Luiz de Queiroz de Sistemas Agropecuários integrados da Escola Superior de Agricultura (Esalq/USP), o agronegócio brasileiro tem potencial para crescer ainda mais, buscando mercados novos, principalmente no sul da Ásia e na África.
Jank, que já trabalhou na BRF, liderou a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Única) e passou mais de quatro anos na China, comparou o momento atual do agronegócio brasileiro a um “bilhete premiado”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
O agronegócio brasileiro tem um crescimento constante nos últimos anos. O que levou a essa expansão?
O agronegócio brasileiro tem dois fatores importantes que nos levaram ao patamar atual. Temos a segunda safra para milho e algodão e disponibilidade de áreas de pastagem para fazer agricultura. O Brasil consegue aumentar a produção sem precisar abrir novas áreas. Este ano, acho que a gente ganhou um bilhete premiado, mas não sabe a data de validade. O recorde (de exportações) deste ano se deve a dois fatores externos que nenhum analista previu. Não tem a ver com ação de governo.
O primeiro é a guerra comercial dos Estados Unidos com a China, mas em algum momento eles vão se acertar e pode ser em detrimento do Brasil. Carne, milho, soja e algodão puxaram a produção brasileira e a gente ganhou espaço no mercado chinês em função dessa guerra comercial. Outro fator é a peste suína, que apareceu como epidemia em 2018, mas a crise demorou para chegar ao mercado porque os produtores de lá anteciparam os abates e entregaram o que puderam.
Quando ela apareceu, puxou nossas exportações de aves e bovinos e foi nosso segundo bilhete premiado. Para eles, a situação piora em 2020, vão tentar recuperar e buscar outras carnes, mas não têm outro lugar para buscar os bovinos.
O fator positivo é que o governo chinês vai ser mais rígido com a questão sanitária e isso pode levar a China a importar mais milho e soja do Brasil, pois esse suíno chinês, que hoje come qualquer coisa, passará a comer ração. Temos de ter sabedoria para entender o que pode ser feito para preservar esse mercado.
Que projeção pode ser feita para o agronegócio brasileiro daqui a dez anos?
Para 2030, sou bastante otimista. Existe uma demanda muito grande, não só na China, mas no sudoeste da Ásia, que cresce 6% ao ano. Já são 640 milhões de habitantes e precisa muito dos produtos que o Brasil tem. Conseguimos entrar com dez frigoríficos habilitados de carne bovina na Indonésia e estamos brigando para entrar com o frango. Esse país tem um imenso potencial de crescimento. Mais para a frente, teremos a África. Se conseguir superar os problemas de acesso a esses mercados, o Brasil só vai crescer e será o celeiro do mundo.
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Como fazer para acessar esses mercados?
É preciso entender a dinâmica da demanda. Precisamos construir parcerias estruturais com os mercados, como fazem nossos concorrentes. O Brasil não fez acordo com quase ninguém. É preciso estabilizar as relações com a Ásia e construir relações com países que ainda não são emergentes. O leste e o sudeste da Ásia e o Oriente Médio são destinos importantes para nossos produtos. Essas três regiões representam 60% das exportações brasileiras do agro.
O Brasil exporta US$ 60 bilhões para eles, mas essa região importa algo em torno de US$ 450 bilhões. Nosso futuro é o sul da Ásia, o subcontinente Indiano e a África. O sul da Ásia e a África representam apenas 9% do que exportamos em produtos agrícolas. Essa região vai chegar a 5 bilhões de habitantes em 2050. Nosso destino são os países emergentes do hemisfério oriental. As entidades do setor estão se internacionalizando e precisam estar de olho nisso.
Fonte: Estadão Conteúdo