Agropecuária regenerativa não é “greenwashing”

Com mais de 30 anos de experiência, William Marchió revela práticas e métricas que consolidam a agropecuária regenerativa como realidade, e não como marketing.

Preocupado em combater o aquecimento global e mitigar a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE), o Brasil estruturou em 2011 o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que é um dos planos setoriais estabelecidos em conformidade com a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Pensando nisso, inúmeras alternativas com objetivos sustentáveis podem ser escolhidas para praticar na agricultura. E, quando olhamos para a agropecuária regenerativa, os benefícios vão muito além de apenas produzir de maneira sustentável.

Com o desafio de consolidar a agropecuária regenerativa como uma alternativa produtiva, sustentável e economicamente viável, o médico-veterinário William Marchió, com mais de 30 anos de experiência em consultoria técnico-estratégica no agro, compartilha sua visão sobre a aplicação prática de sistemas integrados de produção. Ele aborda métricas confiáveis para avaliar a regeneração do solo, biodiversidade, ciclo de carbono e sustentabilidade econômica, destacando como garantir que o conceito não seja apenas marketing. William também antecipa ao público os principais pontos de sua palestra no Encontro de Intensificação de Pastagens, mostrando exemplos de fazendas que já obtêm resultados concretos com tecnologias regenerativas.

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Scot Consultoria: Hoje ouvimos muito falar em agricultura regenerativa. Na prática, quais são as métricas mais confiáveis, atualmente, para avaliar se um sistema produtivo é realmente regenerativo? E como podemos garantir que esse conceito não seja apenas uma estratégia de marketing, mas de fato reflita resultados mensuráveis?

William Marchió:

Primeiramente, é importante definirmos o que é agropecuária regenerativa. Ela pode ser definida como um sistema de produção agrícola e pecuário que visa restaurar e melhorar a saúde dos ecossistemas, regenerando os recursos naturais ao invés de simplesmente explorá-los ou degradá-los, ao mesmo tempo em que promove resultados econômicos viáveis e benefícios sociais.

Partindo dessa definição, vemos que grande parte de nossos produtores rurais já aplicam tecnologias regenerativas em suas atividades produtivas, mas um dos desafios é estabelecer métricas confiáveis que realmente comprovem os resultados ambientais, sociais e econômicos dessa atividade.

Para avaliar se um sistema produtivo é verdadeiramente regenerativo e evitar que o conceito se torne mero “marketing”, algumas métricas e práticas podem ser consideradas:

1.       Saúde do Solo

  • Matéria orgânica: o aumento de matéria orgânica no solo é um dos principais indicadores de sistemas regenerativos. Solos ricos em matéria orgânica armazenam mais carbono e têm maior fertilidade.
  • Capacidade de infiltração de água: sistemas regenerativos devem melhorar a capacidade do solo de infiltrar água, reduzindo a erosão e aumentando a resiliência do sistema a eventos extremos, como secas e enchentes.
  • Biologia do solo: avaliar a diversidade e a abundância de organismos no solo, como fungos micorrízicos, bactérias benéficas e minhocas, é crucial para monitorar a saúde do ecossistema subterrâneo.

2.      Biodiversidade

  • Diversificação de culturas e rotação de cultivos: analisar a quantidade e a diversidade de plantas cultivadas, incluindo culturas de cobertura e sistemas agroflorestais, reflete diretamente a regeneração dos ecossistemas.
  • Fauna e flora local: o aumento na presença de insetos polinizadores, aves, mamíferos e plantas nativas é um indicador importante de sucesso.

3.      Ciclo de carbono e emissões de gases de efeito estufa

  • Sequestro de carbono no solo: monitorar quanto carbono está sendo armazenado no solo é essencial. Isso pode ser feito com tecnologias de análise de carbono, como espectroscopia e medições laboratoriais.
  • Pegada de carbono do sistema: medir as emissões líquidas de carbono do sistema é outra métrica importante. Sistemas regenerativos geralmente mostram emissões negativas ou neutras.

4.      Qualidade da água

  • Redução da contaminação: avaliar se os níveis de nitratos, agrotóxicos e sedimentos nos cursos d’água próximos estão diminuindo.
  • Eficiência no uso da água: monitorar o uso racional da água e sua contribuição para a conservação hídrica nos sistemas produtivos.

5.      Resiliência econômica e sustentabilidade social

  • Viabilidade econômica: avaliar se o sistema regenerativo proporciona lucro para o produtor a médio e longo prazo, incentivando sua continuidade.
  • Impacto comunitário: promover práticas regenerativas que beneficiem a comunidade local, como geração de empregos, segurança alimentar e inclusão de pequenos produtores.

6.      Estruturas físicas do sistema

  • Sistemas regenerativos favorecem práticas de baixo impacto no solo, como o aumento do uso de plantio direto, a construção de terraços e ausência de compactação ou uso contínuo de ferramentas que degradem a estrutura física do solo.

Essas métricas são as principais formas de avaliar um sistema regenerativo de maneira confiável. Para evitar o greenwashing, é essencial garantir certificações independentes, transparência nos resultados, envolvimento científico e a capacitação de produtores. Assim, a agricultura regenerativa pode cumprir seu papel como uma solução real e mensurável para os desafios globais na agropecuária.

Scot Consultoria: Costuma-se associar regeneração a um processo de longo prazo. Mas, em sistemas integrados de lavoura, pecuária e floresta (ILPF), em quanto tempo é possível perceber resultados concretos na recuperação da fertilidade do solo?

William Marchió: Apesar de dizermos que esses processos regenerativos são de longo prazo, os resultados já podem ser observados em um primeiro ciclo produtivo. A exemplo disso, temos o consórcio de lavoura/pecuária: as pastagens consorciadas a culturas como a soja, milho, sorgo, arroz entre outras, já se apresentam altamente produtivas, devido ao aproveitamento dos nutrientes aplicados à lavoura e um grande aprofundamento das raízes das gramíneas. A ciclagem e o aproveitamento de nutrientes já se dão no primeiro ano de produção, e a produtividade das pastagens integradas já respondem intensamente.

Scot Consultoria: A técnica de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) pode ser adotada em qualquer tipo de área, ou existem limitações ligadas a solo, clima ou topografia que precisam ser consideradas?

William Marchió: Antes de se recomendar a implantação de um sistema integrado de produção, é necessário realizar um diagnóstico técnico da área a ser operacionalizada. Praticamente todas as áreas podem abrigar algum modelo de integração, IPF (Integração Pecuária-Floresta), ILP (Integração Lavoura-Pecuária) ou ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta), além dos sistemas agroflorestais. O mais importante é compreender o perfil do produtor, as características da fazenda e as condições regionais onde está inserida, realizando uma avaliação mais abrangente para que o sistema proposto seja mais assertivo.

Scot Consultoria: Na sua visão, quais são os principais desafios, sejam econômicos, técnicos, culturais ou relacionados a políticas públicas, que ainda impedem que a ILPF seja adotada de forma ampla pelos produtores rurais? Que caminhos poderiam ajudar a superar essa resistência?

William Marchió: Os principais gargalos para adoção dos sistemas integrados de produção se concentram em duas questões: a ausência de profissionais capacitados para implantar sistemas de produção mais complexos, como os integrados; e a ausência de linhas de crédito com juros adequados à rentabilidade desses sistemas (os atuais juros são abusivamente inadequados a qualquer atividade agropecuária). Esse produtor, interessado em implementar a atividade integrada de produção, necessitará de assistência técnica especializada e eficiente, além de linhas de crédito específicas para o sistema ABC (Agricultura de Baixo Carbono), destinadas aos investimentos necessários.

Os caminhos que tentamos trilhar com a Associação REDE ILPF e as diferentes instituições parceiras, espalhadas por todos os nossos biomas, são: a atualização técnica dos profissionais da assistência técnica rural — as ATERs; a criação de URTs (Unidades de Referência Tecnológica) e UDs (Unidades Demonstrativas), para que sirvam de modelos regionais com capacidade de replicação e a busca de crédito direcionado à produção sustentável.

Scot Consultoria: O Encontro de Intensificação de Pastagens está chegando. Quais serão os principais pontos da sua palestra?

William Marchió: Queremos trazer resultados de quem já faz, e faz bem-feito, o uso de tecnologias sustentáveis de produção, as ditas tecnologias regenerativas, mostrando as ferramentas utilizadas e os resultados técnicos e econômicos dessas fazendas. Com isso, desmistificar que se trata de técnicas simples, que a maioria de nossos produtores já conhecem e aplicam em seu dia a dia.

Infelizmente, vivemos em uma era em que todos querem criar um nome “gourmet” para o que já existia há muito tempo e, com esse novo nome, chamar de seu e, com isso, “vender” como sendo algo novo e inusitado. A visão crítica a esses processos é de extrema importância para não embarcarmos em situações inadequadas e caras, sem nenhuma necessidade.

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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