Alterações na lei de recuperação judicial ameaçam financiamentos ao agronegócio.

Acredita-se que os custos do crédito aumentarão e que alguns instrumentos perderão sua eficácia.

Na última terça-feira (26/3), a Câmara dos Deputados aprovou mudanças na Lei de Recuperação Judicial e Falência (11.101/2005) que, segundo análise do Instituto Brasileiro do Direito do Agronegócio (IBDA), podem impactar negativamente o financiamento privado do agronegócio.

As alterações afetam as garantias e os recebíveis de títulos agrícolas, como as Cédulas de Produto Rural (CPR) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs), preocupando as empresas que fornecem crédito a muitos produtores rurais do país. Prevê-se que o custo do crédito aumente e que alguns instrumentos se tornem menos eficazes.

O projeto de lei 3/2024, aprovado ontem pela Câmara e agora encaminhado para avaliação do Senado, modifica a proteção dos “bens de capital essenciais” durante o período de suspensão de ações e execuções contra o devedor, conhecido como stay period, em casos de recuperação judicial (RJ).

Atualmente, a lei impede a execução judicial dos “bens” de capital essenciais, como máquinas agrícolas e veículos, que são utilizados diretamente na produção.

No entanto, o texto aprovado pela Câmara adicionou que os “ativos essenciais” à atividade empresarial também não podem ser executados. O IBDA teme que essa nova definição possa incluir produtos agrícolas, como soja e milho, protegendo-os da execução judicial para pagamento de dívidas.

O presidente do IBDA e sócio do VBSO Advogados, Renato Buranello, expressou preocupação com a ampliação da proteção legal a qualquer ativo considerado essencial ao devedor, o que, segundo ele, traz “subjetividade e insegurança totais às recuperações judiciais” e prejudica os instrumentos de financiamento do setor agrícola, como as CPRs. Isso porque permite que o produtor rural que antecipou a produção em troca de insumos e financiamento não entregue o produto ao credor, prejudicando os elos seguintes da cadeia agroindustrial.

A aplicação imprevisível da proteção legal pode ter diversas repercussões, incluindo afetar os lastros de operações securitizadas e restringir o acesso dos credores aos recebíveis garantidos por títulos como o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), prejudicando os investidores desses títulos e comprometendo o sistema privado de financiamento do agronegócio.

Há uma percepção no setor privado de que o crédito se tornará mais caro, já que os bancos e as indústrias ajustarão os preços para refletir um maior risco. Títulos como as CPRs Físicas, que envolvem a entrega futura de produtos, podem perder sua eficácia.

Com a proteção legal dos produtos agrícolas em processos de recuperação judicial, que aumentaram significativamente no último ano, os agricultores podem optar por não entregar os grãos aos compradores originais e até mesmo revendê-los para terceiros, alegando que a produção é um ativo essencial.

André Nassar, presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), expressou grande preocupação com essa mudança, pois a questão da essencialidade dos bens estava praticamente resolvida nos tribunais, com a produção agrícola não recebendo essa proteção para garantir os pagamentos aos credores.

“A jurisprudência estabelecida até agora pode ser prejudicada. É provável que os juízes passem a considerar a produção agrícola como um ativo essencial. Isso significa que a produção vendida antecipadamente pode não ser recebida pelo comprador”, afirmou.

Ele também alertou para o impacto dessa mudança no fluxo de financiamento no campo, sugerindo que os pagamentos antecipados e as operações de troca podem ser suspensos até que os procedimentos sejam esclarecidos.

Nassar destacou que não são apenas as operações envolvidas em processos de recuperação judicial que estão em risco. “Isso pode afetar até mesmo as operações diárias de retirada de produção das fazendas vendidas em contratos de entrega futura”, acrescentou.

O IBDA criticou a votação acelerada do projeto, enviado pelo governo ao Congresso Nacional em janeiro. O último relatório, elaborado pela deputada Dani Cunha (União-RJ), foi apresentado e aprovado em apenas 17 minutos na noite de terça-feira.

“Ao Poder Legislativo cabe considerar a conveniência de votar de forma acelerada um projeto de lei que trata de questões altamente sensíveis e técnicas, sob o risco de comprometer institutos jurídicos importantes e gerar escassez de crédito em setores essenciais da economia”, ressaltou o instituto, em um texto coassinado pelo advogado José Afonso Leirião Filho.

Escrito por Compre Rural

VEJA TAMBÉM:

ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias

Não é permitida a cópia integral do conteúdo acima. A reprodução parcial é autorizada apenas na forma de citação e com link para o conteúdo na íntegra. Plágio é crime de acordo com a Lei 9610/98.

Siga o Compre Rural no Google News e acompanhe nossos destaques.
LEIA TAMBÉM