Autorização inédita permite estudos da científicos sobre genética, usos medicinais e aplicações industriais da planta conhecida como cannabis, sob rígido controle sanitário
A aprovação concedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) marca um marco histórico para a pesquisa agrícola e medicinal no Brasil. Pela primeira vez, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está oficialmente autorizada a realizar estudos sobre o cultivo de Cannabis sativa, abrindo caminho para a produção de conhecimento científico nacional em uma área que cresce no mundo inteiro — mas que ainda enfrenta vazio regulatório e dependência de produtos importados.
A decisão foi aprovada no dia 19 de novembro pela Diretoria Colegiada da Anvisa, conforme confirmam documentos oficiais e reportagens reunidas nos materiais consultados.
Avanço científico sob rígida fiscalização
A autorização é exclusiva para fins científicos, sem qualquer possibilidade de comercialização de produtos derivados da planta. Segundo a Anvisa, a Embrapa só poderá iniciar os experimentos após uma inspeção presencial, que verificará se todos os requisitos de biossegurança, controle de acesso e rastreabilidade foram implementados.
A agência reforça que o monitoramento será contínuo e poderá incluir novas exigências ao longo do processo. Todo material vegetal gerado — sobretudo aquele não apto à propagação — só poderá ser enviado para outras instituições de pesquisa também autorizadas pela Anvisa.
O diretor Thiago Lopes Cardoso Campos, relator do processo, destacou que a decisão está alinhada ao compromisso do país com ciência e inovação: “É a ciência quem deve guiar o país. Essa autorização permite que o Brasil produza conhecimento próprio, fortaleça sua autonomia tecnológica e cumpra seu dever com a saúde pública e o desenvolvimento nacional.”
O que a Embrapa poderá pesquisar
A autorização contempla três linhas principais de pesquisa, distribuídas entre diferentes unidades da Embrapa:
1. Conservação e caracterização de germoplasma
(Unidade: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia)
- Estudo do material genético da planta, essencial para melhoramento e formação de um banco nacional de variedades.
- Criação de uma base estruturada e rastreável para futuras pesquisas.
2. Bases científicas e tecnológicas para cannabis medicinal
(Unidade: Embrapa Clima Temperado)
- Pesquisa aplicada para uso terapêutico, incluindo estudos agronômicos, sistemas de produção e desenvolvimento de bioinsumos.
- Objetivo de reduzir a dependência de insumos importados e apoiar decisões regulatórias futuras.
3. Pré-melhoramento de cânhamo para fibras e sementes
(Unidade: Embrapa Algodão)
- Estudo de cultivares voltadas à indústria de fibras, sementes e biomateriais.
- O cânhamo é apontado como um importante vetor para fortalecer a bioeconomia nacional.
Algumas unidades adicionais da instituição também participarão com pesquisas complementares, especialmente relacionadas à pós-colheita, análise de fitocanabinoides e desenvolvimento de bancos de moléculas.
Por que o Brasil busca produzir ciência própria com cannabis
Nos documentos oficiais, a Embrapa justifica o pedido apontando o crescimento do mercado global da cannabis, cujo potencial econômico, social, ambiental e medicinal tem atraído investimentos em diversos países. No Brasil, apesar de existir autorização para uso medicinal desde 2014, não há produção nacional, o que gera forte dependência de produtos importados — mais caros e com processos regulatórios complexos.
A pesquisadora Beatriz Emygdio, da Embrapa Clima Temperado, reforça o impacto dessa lacuna:
“Hoje temos regulamentação para o uso medicinal, mas não para a produção. Isso eleva custos e aumenta a dependência externa.”
Além disso, a ausência de regras claras obrigava a entrada de material genético no país por meio de decisões judiciais, sem protocolos de quarentena ou certificação fitossanitária.
Financiamento e perspectivas
A decisão ocorre simultaneamente à liberação de mais de R$ 13 milhões da Finep para pesquisas relacionadas ao canabidiol (CBD) realizadas pela Embrapa e parceiros — recurso aprovado no início de novembro. Segundo Clenio Pillon, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, o país se prepara para entrar “de forma estruturada” na agenda que aproxima agricultura e saúde pública.
A expectativa é que os resultados contribuam para:
- embasar políticas públicas,
- apoiar novos marcos regulatórios,
- fortalecer a autonomia nacional,
- orientar a criação de cadeias produtivas,
- e abrir portas para futuras regulamentações do cultivo no país.
Passo decisivo para o futuro da cannabis no Brasil
A autorização da Anvisa não significa liberação do cultivo em larga escala, tampouco flexibilização ampla do tema. Trata-se de um primeiro passo, restrito e rigorosamente monitorado, mas com grande peso para o desenvolvimento científico brasileiro.
Com a Embrapa à frente, o país inicia um processo que pode reduzir dependências externas, criar soluções adaptadas ao contexto nacional e inserir o Brasil no grupo de nações que investigam formalmente as aplicações agrícolas, medicinais e industriais da cannabis.
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