O país do petróleo agora quer ser potência do café — e essa virada pode mexer com preços, comércio internacional e até abrir novas portas para o agro brasileiro; veja o plano da Arábia Saudita para multiplicar por 10 sua produção de café
A Arábia Saudita está se preparando para uma transformação histórica: deixar de ser apenas uma grande consumidora e se tornar uma nova força produtiva no mercado mundial de café. Em um movimento ousado e estratégico, o governo anunciou que pretende elevar sua produção anual de 800 para 7.000 toneladas, um salto de quase dez vezes — e isso até 2030.
A meta, confirmada no documento analisado pelo Compre Rural, não é apenas agrícola: é geopolítica, econômica e cultural. O reino, que construiu sua riqueza sobre o petróleo, agora volta seus olhos para uma commodity que move o mundo há séculos: o café.
A corrida saudita pelo café começa agora — e envolve tecnologia, FAO, jovens produtores e muita estratégia
A ofensiva está ancorada no Saudi Reef, um gigantesco programa de desenvolvimento rural sustentável criado pelo governo saudita em parceria com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura).
O plano inclui:
- plantio de 50 mil novas mudas de café;
- aumento de 30% na produtividade já até 2025;
- incentivos diretos para jovens sauditas se tornarem produtores;
- assistência técnica de alto nível;
- ampliação das áreas produtivas na região montanhosa de Jazan, berço do tradicional café Khawlani;
- investimentos em torrefações, padronização de blends e certificações próprias para construir o “café saudita”.
Tudo isso faz parte da Visão Saudita 2030, o projeto mais ambicioso da história recente do país para desacelerar a dependência do petróleo e criar novos pilares econômicos.
Por que a Arábia Saudita decidiu entrar de vez no jogo do café?
Porque, apesar de ser um enorme consumidor, o país importa mais de 95% do que bebe.
O café é culturalmente forte, prestigioso, presente em cerimônias, rituais familiares e na identidade árabe, mas quase inexistente como produto agrícola interno.
Agora, o governo quer mudar isso. E rápido.
Com o aumento previsto, a taxa de autossuficiência subiria de:
- 0,5% para 4,4%
Um crescimento ainda pequeno na escala global, mas gigantesco para o país.
Café no deserto? Sim — e com tecnologia de ponta
Para plantar café em regiões quentes e áridas, o país aposta em:
- sistemas de irrigação altamente eficientes,
- manejo de sombreamento natural,
- melhoramento genético de variedades tolerantes ao calor,
- uso intensivo de sensores, drones e automação agrícola,
- pesquisa sobre resistência fisiológica em ambientes extremos.
O objetivo: provar que o deserto também pode produzir café de alta qualidade.
O impacto global: essa expansão pode mexer com o mercado — e beneficiar o Brasil
Mesmo multiplicando sua produção, a Arábia Saudita não vai competir com gigantes como Brasil e Vietnã. Mas seus passos podem alterar algumas dinâmicas importantes no mercado mundial.
1. A demanda por cafés especiais deve aumentar
Com a industrialização interna, o país quer desenvolver cafeterias, blends premium e torrefações próprias. Quem se beneficia? O Brasil, que reina absoluto na oferta de cafés de alta qualidade.
2. O reino vai continuar dependente de importações
Ou seja, o Brasil permanece como fornecedor crucial.
3. Tecnologias brasileiras podem ganhar espaço
Clima quente, alta radiação, necessidade de irrigação? Tudo isso aproxima o país das tecnologias brasileiras de manejo em regiões áridas, bioinsumos e modelos produtivos para ambientes tropicais e semiáridos.
4. O mercado árabe está crescendo e pagando bem
E isso interessa — muito — para quem exporta café.
O café saudita já tem identidade — e uma história que promete viralizar
O país está apostando forte na tradição das montanhas de Jazan, onde há séculos é cultivado o café Khawlani, considerado um dos mais antigos do mundo.
Muitos agricultores locais descendem de famílias que preservam esse cultivo há gerações.
Agora, o governo quer transformar essa história em marca global: “Saudi Coffee — o café das montanhas do deserto.”
Uma narrativa poderosa, com forte potencial turístico e de branding.
O desafio: produzir café no deserto custa caro — e exige alta tecnologia
Não é simples:
- chuva é escassa
- irrigação é cara
- mão de obra agrícola especializada ainda é pequena
- produtividade inicial é baixa
Mas o país tem o que muitos concorrentes não têm: dinheiro, tecnologia, apoio institucional e planejamento estatal de longo prazo. E isso pode virar o jogo.
O que esperar daqui para frente?
Se cumprir o plano até 2030, a Arábia Saudita deve:
- quintuplicar o número de propriedades cafeeiras,
- criar centenas de empregos rurais,
- industrializar a cadeia completa,
- desenvolver certificações e blends próprios,
- entrar no circuito dos cafés premium,
- reduzir parte da dependência de importações,
- e se tornar uma referência regional na produção de café.
A mudança é lenta, mas estruturada — e coloca o país no mapa produtivo.
O reino do petróleo agora quer ser também o reino do café
A Arábia Saudita está fazendo exatamente o que poucos países ousam:
construir do zero uma nova cadeia agroindustrial em pleno deserto, apostando em tecnologia, tradição cultural e visão estratégica.
No jogo do café, ninguém ameaça o Brasil — mas alguns querem entrar no tabuleiro.
E, desta vez, quem chega é grande.
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