As possibilidades de desapropriação de terras para a reforma agrária

Os atuais índices de rendimento da agropecuária colocam sérias restrições para a desapropriação de terras para a reforma agrária segundo o critério de eficiência da exploração.

Os atuais índices de rendimento da agropecuária colocam sérias restrições para a desapropriação de terras para a reforma agrária segundo o critério de eficiência da exploração. Esses índices foram estabelecidos em 1980, com base em dados de 1975, e nunca atualizados. Essa desatualização faz com que a grande maioria das áreas cultivadas ou com pecuária seja considerada “produtiva” mesmo com baixa produtividade relativa, o que impede a sua desapropriação.

É necessária uma ampla revisão dos índices de rendimento. Além disso, é fundamental retomar o debate sobre os critérios para viabilizar a desapropriação de propriedades segundo as dimensões ambiental, trabalhista e de bem-estar da função social da propriedade.

Introdução

A perspectiva de retomada da obtenção de terras para a reforma agrária coloca em evidência a discussão sobre as possibilidades de ela vir a ocorrer na escala suficiente para alcançar os seus objetivos. Uma primeira questão diz respeito ao potencial atual de cada modalidade de obtenção, que pode ser desapropriação, compra e venda, arrecadação, discriminação e a dação, entre outras.

A desapropriação por interesse social está prevista na Constituição Federal (art. 5º, inciso XXIV, 184, 185, 186) e se aplica somente aos imóveis grandes que não estejam cumprindo a sua função social, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei. Entre esses critérios estão os de efetividade, que medem a proporção da área aproveitada, e os de eficiência, que medem o rendimento de cada tipo de produção. Cabe ao Incra realizar estudos para estabelecer os índices dessas medições e realizar vistorias para verificar o cumprimento (ou não) desses critérios.

Este texto tem como objetivo realizar uma primeira aproximação sobre a probabilidade de existência de áreas disponíveis para desapropriação para fins de reforma agrária com a vigência dos atuais índices de rendimento da produção.

A exigência da manutenção de níveis satisfatórios de produtividade (rendimento) é um dos critérios para informar o aproveitamento racional e adequado da terra, que por sua vez é um dos requisitos para o cumprimento da função social da propriedade rural e consequentemente, da desapropriação para fins de reforma agrária. A função social da propriedade constou da Constituição Federal de 1946, foi desenvolvida pela Lei n° 4.504, de 1964 (Estatuto da Terra, art. 2º), e recepcionada pela Constituição Federal de 1988 (arts. 5º, inciso XXIII; 170; 182; 184 e 186).

Além do aproveitamento racional e adequado, a função social da propriedade rural é cumprida quando, simultaneamente, existe o uso adequado dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Apesar da previsão constitucional de simultaneidade para aplicação desses requisitos, não existem critérios e graus de exigência estabelecidos em lei para todos eles, exceto os relacionados à produtividade.

Essa situação leva à existência de imóveis com altas produtividades que são obtidas exatamente por desrespeitar as normas ambientais e trabalhistas, sem promover o aproveitamento racional e adequado da terra. São imóveis “protegidos” da desapropriação por interesse social, quando deveriam ser objeto de sanção.

A partir do Estatuto da Terra até 1980 foram fixados Coeficientes de Rendimento Econômico (Decreto nº 55.981/1965, Instrução Especial/Ibra/nº 1/1965) e Coeficientes de Produtividade (Decreto nº 72.106/1973, IE/Incra/nº 5a/1973). A Lei nº 6.746/1979, o Decreto nº 84.685/1980 e a IE/Incra/nº 19, de maio de 1980, estabeleceram critérios e graus de exigência para mensurar a efetividade (80% de utilização da terra) e a eficiência na exploração (rendimento mínimo por produto e unidade territorial).

Esses critérios foram recepcionados pela Lei n° 8.629/1993 (Lei Agrária), que estabeleceu a sistemática geral para sua obtenção e as situações de excepcionalidade para sua aplicação, inclusive as competências governamentais para fixação dos índices. Embora a lei se refira à “fixação” de índices, o que ocorre é apenas a “aferição” de rendimentos através da coleta de dados da realidade da produção agropecuária, utilizando-se de estatísticas de órgãos oficiais especializados que refletem o comportamento destas atividades rurais.

A Lei Agrária introduziu o conceito de Unidade Animal (UA) em substituição ao número de cabeças. Assim, as normas seguintes, como a Instrução Normativa/Incra/nº 2002 e IE/Incra/nº 11/2003, em vigência, adotaram fatores de conversão de número de cabeças para UA, conforme a espécie (bovinos, equinos, ovinos etc.), o porte e a idade dos animais. Foram estabelecidas também cinco Zonas Pecuárias (ZP) para agrupar explorações com rendimentos semelhantes entre si.

Os índices da produção vegetal (32 produtos de lavouras temporárias e permanentes, e sete produtos extrativos vegetais e florestais) vigentes são iguais aos da IE/Incra/nº 19/1980. Isso ocorre apesar da determinação da Lei Agrária, que a partir de agosto de 2001, estabelece que deve ser feito o ajuste periódico dos índices de modo a “contemplar o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional”. A lei prevê também que esse ajuste é de atribuição dos ministros de Estado do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento (Mapa), ouvido o Conselho Nacional de Política de Agrícola (CNPA), órgão consultivo do Mapa. O CNPA foi instituído em 1991 e logo desativado. Foi reativado temporariamente em 2003 e retomado pela Portaria/Mapa/nº 253, de 2019. Está mantido na atual estrutura do Mapa (Decreto nº 11.332/2023). Ou seja, a Lei estabelece que a atribuição legal para a fixação dos índices é do Incra, mas cabe exclusivamente aos ministros do MDA e do Mapa a decisão sobre o seu ajuste periódico. Sobre ele não incidem atribuições do Legislativo.

As propostas mais recentes de atualização dos índices de rendimento foram feitas pelo MDA e o Incra em 2005 e em 2009, mas foram rejeitadas pelo Mapa. Essas propostas incorporaram contribuições de estudos realizados desde 1989 por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)1,/sup>.

A principal referência de informação da IE/Incra/nº 19/1980, que constitui a base da norma vigente, foi o Censo Agropecuário de 1975. Segundo a Conab, a previsão é que a produção de grãos da safra 2022/2023 seja 6,7 vezes maior que a da safra 1976/1977. Nesse mesmo período a área com esse tipo de cultivo aumentou 2,1 vezes e o rendimento médio (kg/ha), cerca de 3,2 vezes. Entre 1976/1977 e 2022/2023 a participação da Região Centro-Oeste passou de 12% para 49% do total da produção nacional. Ou seja, existem evidências suficientes para considerar que os ajustes legais dos índices de rendimento já deveriam ter sido feitos.

1. Comparação dos atuais índices de rendimento da agropecuária com pesquisas oficiais recentes

É possível comparar os valores da IE/Incra/nº 19/1980 e utilizados pela IE/Incra/nº 11/2003, em vigência, com aqueles obtidos pelas pesquisas agropecuárias oficiais recentes. Neste estudo serão analisadas separadamente a produção vegetal e a produção animal.

1.1 Produção vegetal

Para a comparação da produção vegetal, a fonte utilizada é a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM), do IBGE, de abrangência nacional, periodicidade anual e que contempla 71 produtos das lavouras temporárias e permanentes. Os resultados e a metodologia da PAM estão disponíveis no Sistema de Recuperação Automática de Dados (Sidra) (https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/pam/tabelas). Os seus dados não permitem identificar as características dos(as) produtores(as), dos estabelecimentos e das práticas agrícolas utilizadas.

Neste estudo foram selecionadas as lavouras com maior área colhida no período de 2019 a 2021, que são os dados mais recentes disponíveis. Foram mantidas as unidades territoriais estabelecidas pelas normas do Incra em vigência.

Entre as limitações para a comparação dessas normas e as pesquisas do IBGE estão a segmentação da produção de arroz (irrigado e sequeiro), que não é feita pela PAM, e a falta de segmentação dos cafés e dos feijões conforme as suas espécies botânicas (arabicacanephora etc.), que não é feita pelo Incra. Além disso, a atual norma não contempla culturas com expressiva área plantada no país, como o sorgo, a aveia, o açaí, o dendê, a cevada, as forrageiras (milho, cana de açúcar) e sobretudo, as árvores plantadas para produção de lenha e de papel e celulose.

Para esse estudo, os valores da IE/Incra/nº 11/2003 expressos em número de frutos foram convertidos em quilogramas segundo os fatores estabelecidos pelo IBGE em 2001. Não foi possível a conversão das unidades utilizadas para o caju (de frutos para castanha). Em seguida, foram calculados os valores mínimo, máximo e médio, a mediana e o primeiro quartil2 dos dados médios dos municípios que obtiveram produção diferente de zero entre 2019 e 2021. A observação da distribuição dos resultados não mostrou a existência de valores drasticamente diferentes que poderiam ser excluídos para efeito de análise (outliers).

As Tabelas 1 e 2 a seguir mostram a comparação entre dos índices de rendimento vigentes e as medidas de tendência das produtividades recentes, ordenadas segundo diferentes critérios. A Tabela 1 mostra as lavouras que apresentam índice de produtividade inferior ou próximo ao valor do Primeiro Quartil dos municípios produtores entre 2019 e 2021 (média trienal).

Tabela 1. Produtividade de lavouras, por unidade territorial selecionada. Municípios com produção. Média 2019-2021. Em kg/ha, exceto coco, em frutos/ha.

1º Q: Primeiro Quartil; * frutos por hectare
Fonte: IBGE – Pesquisa Agrícola Municipal 2019-2021 (tabela 5457); Incra – Instrução Especial 11/2003. Elaboração própria.

A partir dos totais da Tabela 5457 do Sidra e da Tabela 1 é possível observar que ao menos 77% do total da área colhida no Brasil corresponde a lavouras que apresentaram índice de rendimento oficial muito baixos, por serem inferiores ao Primeiro Quartil. Ou seja, seus índices estão incluídos no menor estrato de produtividade do País. Isso tem reduzido substancialmente a área passível de desapropriação para fins de reforma agrária segundo o critério de eficiência da exploração.

A Tabela 2 a seguir mostra as lavouras que apresentam índice de rendimento médio municipal próximo ou superior ao valor do Primeiro Quartil, ordenados pela proporção em relação à mediana dos municípios produtores entre 2019 e 2021.

Tabela 2. Produtividade de lavouras, por unidade territorial selecionada. Municípios com produção. Média 2019-2021. Em kg/ha.

Fonte: IBGE – Pesquisa Agrícola Municipal 2019-2021 (tabela 5457); Incra – Instrução Especial 11/2003. Elaboração própria.

A partir da Tabela 2 é possível observar as lavouras e as unidades territoriais em que o índice de rendimento oficial foi próximo ou superior à mediana das produções municipais recentes (café, mamona, cana de açúcar, cacau e pimenta do reino). Apesar de estarem distantes do estrato de maior rendimento, isso indica uma maior probabilidade da existência de estabelecimentos que não atenderam aos requisitos mínimos de eficiência da exploração. Nos casos citados, a proporção de municípios com médias inferiores ao índice de rendimento variou de 41% sobre o total de municípios (cana de açúcar no Paraná) até 96% (pimenta do reino na Região Norte).

1.2 Produção animal

Para a comparação da produção animal a fonte utilizada foi o Censo Agropecuário 2017, do IBGE, que é o mais recente. O censo possui abrangência nacional, periodicidade efetiva decenal (ou superior) e que contempla o mais completo rol de características dos estabelecimentos, dos(as) produtores(as) e das produções. Seus resultados estão disponíveis no Sidra (https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-agropecuario/censo-agropecuario-2017/resultados-definitivos).

A escolha do Censo Agropecuário deve-se ao fato de ser a única pesquisa oficial que informa a área de pastagens utilizadas, o que é imprescindível para o cálculo da lotação média do efetivo da pecuária em UA/ha. Para facilitação do cálculo neste estudo foram utilizadas as Microrregiões Geográficas do IBGE em substituição às Zonas Pecuárias estabelecidas pelas normas do Incra. Os estudos da Unicamp, já mencionados, propuseram alterações para a definição das Zonas de Pecuária e para conversão do número de cabeças para Unidade Animal.

Os efetivos utilizados para o cálculo incluem bovinos, bubalinos, equinos, asininos, muares, caprinos e ovinos. Sobre esses efetivos animais quantificados em número de cabeças foram aplicados os fatores de conversão para UA estabelecidos pela IE/Incra/nº 11/2003, exceto quanto aos bovinos precoces, que não têm sido pesquisados pelo Censo. Para cálculo das idades dos bovinos, foi necessário recorrer ao Censo Agropecuário 2006 para conhecer as proporções entre as classes delas. Foi considerada uma única categoria de bovinos não reprodutores a partir de 2 anos de idade. Para cálculo da área utilizada pelos rebanhos foram computados todos os tipos de pastagens pesquisados pelo censo (naturais; plantadas; em más condições), exceto as dos Sistemas Agroflorestais, que não puderam ser quantificadas. Foram retirados da análise os outliers que corresponderam ao estrato inferior de 2% da área total nacional com pastagens.

As Tabelas 3 e 4 a seguir mostram as medidas de tendência do número de Unidades Animal por hectare no país e a relação das quinze microrregiões com menores lotações do efetivo pecuário em 2017. Além delas, foi incluída a Microrregião de Valença (BA) pela sua particularidade.

Tabela 3. Lotação média do efetivo da pecuária em pastagens. 2017. Microrregião Geográfica. Em Unidade Animal/ha.

Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 2006 e 2017 (tabelas 926, 6881, 6908). Elaboração própria.

Tabela 4. Número de Unidades Animais (UA) do efetivo da pecuária, por Bioma e Zona Pecuária. Microrregiões selecionadas. 2017.

ZP*: Zona Pecuária predominante
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 2006 e 2017 (tabelas 926, 6881, 6908); IBGE Cidades@ (Biomas); Incra – Instrução Especial 11/2003. Elaboração própria.

A partir das Tabelas 3 e 4 é possível observar uma grande disparidade entre os valores obtidos nas 548 Microrregiões analisadas. Esses valores incluem atividades pecuárias intensivas, como por exemplo, para produção de leite ou para produção de carne sob confinamento. Entre as quinze unidades territoriais com menor lotação média de efetivos da pecuária, apenas uma (Oiapoque) apresentou valor nitidamente inferior ao índice de rendimento vigente. Além dela, apenas a Microrregião de Valença, a 21ª com menor lotação calculada, possuiu média inferior ao índice de rendimento atual.

Outras quatro microrregiões apresentaram lotação média próxima ao valor estabelecido pela norma oficial (Boa Vista, Jequié, Nordeste de Roraima, Alto Pantanal). Entre essas regiões, apenas a do Alto Pantanal e de Dianópolis possuíam um número elevado de Unidades Animal total em comparação com outras microrregiões do país. São exemplos de microrregiões com número de UA total elevados (cerca de 1,1 milhão), mas índices de lotação bastante superiores, as de Ji-Paraná/RO (1,33 UA/ha) e Iguatemi/MS (1,18 UA/ha).

Ou seja, mesmo entre as microrregiões com reduzida lotação animal existem limitações significativas para obtenção de terras por meio da desapropriação segundo o critério da eficiência da exploração.

2. Uma aproximação sobre a probabilidade de obtenção de terras por meio de desapropriação

Para uma aproximação sobre a probabilidade de obtenção de terras para reforma agrária por meio de desapropriação com base nos critérios legais de eficiência da exploração e nos dados do Censo Agropecuário é necessário destacar dois aspectos: (i) o da limitação dos dados e (ii) a limitação do tamanho dos imóveis/estabelecimentos.

A limitação dos dados diz respeito ao fato de os dados censitários não incluírem imóveis cujos(as) responsáveis não puderam ser entrevistados(as) e, sobretudo, aqueles que não apresentaram atividade agropecuária nas datas de referência da pesquisa (2017). Além disso, os resultados do censo não identificam individualmente os imóveis e os estabelecimentos em respeito ao sigilo estatístico; não pesquisam as informações necessárias para conhecimento do grau de utilização das terras; e não identificam os estabelecimentos sobrepostos irregularmente a Unidades de Conservação ambiental, Terras Indígenas ou Territórios Quilombolas, que não podem ser objeto de desapropriação para fins de reforma agrária.

No caso da limitação do tamanho dos imóveis/estabelecimentos é preciso considerar que só são suscetíveis de desapropriação os imóveis considerados legalmente grandes, entendidos como aqueles com área total maior que quinze Módulos Fiscais (Lei Agrária, art. 4º). Os Módulos Fiscais são unidades de medida (hectares) municipais, previstas no Estatuto da Terra a partir de 1979 e fixadas pelo Incra. Para efeito deste estudo, considerando que o número de módulos de cada estabelecimento só pode ser obtido por meio de tabulações especiais do Censo, adotou-se 1.000 ha como limite mínimo de área a ser analisado. Esse valor é inferior a quinze vezes o maior valor do Módulo Fiscal (110 ha) em todo o país e superestima, portanto, o cálculo dos totais, especialmente nos municípios com Módulo Fiscal superior a 60 ha.

No caso da produção vegetal, os dados do Censo Agropecuário 2017 mostram que entre os estabelecimentos com área total de 1.000 ha ou mais a maior probabilidade de existirem unidades produtivas com rendimentos inferiores aos vigentes está restrita às seguintes lavouras: (i) cana de açúcar em quatro microrregiões do Paraná; (ii) cacau na Bahia; (iii) pimenta do reino no Pará; e (iv) mamona na Bahia e no Ceará. Em todos esses casos as médias obtidas são inferiores aos índices atuais. De qualquer forma, os dados disponíveis indicam que a quantidade de terra potencialmente desapropriável pelo critério de eficiência nessas lavouras é nitidamente insuficiente para atender à demanda nacional, estimada em ao menos 60 mil famílias assentadas. Nos casos da pimenta do reino e da mamona, os valores apurados são residuais em relação ao total estadual ou regional.

No caso da produção animal, nas microrregiões de Oiapoque e Valença não é possível calcular a área com maior probabilidade de ser potencialmente desapropriável devido às restrições do sigilo estatístico. De uma forma geral, nessas microrregiões há um reduzido número de estabelecimentos com atividade pecuária, a maior parte deles com área total de até 500 ha. De qualquer forma, existem evidências que a área potencialmente desapropriável na microrregião de Oiapoque é bastante superior à de Valença.

Em resumo, os cálculos realizados mostram que a manutenção dos atuais índices de rendimento da produção agropecuária coloca limitações significativas para a obtenção de terras com atividade agropecuária para fins da reforma agrária segundo o critério da sua eficiência. Na ausência dessas condições, restaria a desapropriação de terras não utilizadas, que são de identificação mais difícil. Diante dessa séria dificuldade a obtenção de terras deve ser buscada por meio de outras modalidades, como por exemplo, a compra e venda, a arrecadação, a discriminação, e a dação, entre outras.

É necessária a atualização desses índices em termos gerais, alterando produtos, unidades territoriais de apuração e fatores de conversão com base em pesquisas e estudos científicos. Uma eventual atualização incompleta dos índices não seria capaz de superar as limitações colocadas pelo longo período de permanência dos seus valores.

Porém, mais do que essa atualização, é fundamental retomar as discussões para dar efetividade às dimensões ambiental e trabalhista da função social da propriedade3. Desde ao menos 2004 há recomendação do Tribunal de Contas da União para elaboração de norma técnica nesse sentido,sup>4, sem conclusão a esse respeito.

É possível estabelecer convergências entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os princípios que orientam as dimensões ambiental, trabalhista e bem-estar da função social da propriedade da terra e que não têm sido observados na avaliação dos imóveis rurais. É o caso, por exemplo, dos dispositivos sobre agricultura sustentável (Objetivo 2), saúde e bem-estar (Objetivo 3) e trabalho decente (Objetivo 8), entre outros.

Os compromissos assumidos pelo Brasil e os esforços realizados em nível nacional e internacional para o estudo de indicadores para avaliação e monitoramento das metas dos ODS podem ser úteis para a elaboração e a legitimação de novos parâmetros e índices para dar cumprimento efetivo aos incisos II a IV do art. 186 da Constituição e ir além da mera utilização da aferição da produtividade das terras. Além deles, permanece sem regulamentação a Emenda nº 81, de 2014, que alterou o art. 243 da Constituição Federal para estabelecer a expropriação de propriedades urbanas ou rurais com exploração de trabalho escravo e a sua destinação para a reforma agrária e a programas de habitação popular.

Fonte: Teoria e Debate

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