Especialistas e produtores rebatem fala que viralizou; setor aponta “antropomorfismo” e desconhecimento técnico sobre o manejo na pecuária de leite
Uma recente declaração do ator Dado Dolabella acendeu um intenso debate nas redes sociais e colocou o setor de laticínios na defensiva. Em um corte de podcast que viralizou, o ator afirmou que o consumo de leite e queijo é “mais violento do que a carne”, alegando que a produção envolve “o pior sofrimento que existe no planeta”, que seria o de “uma mãe que perde o filho constantemente”.
A fala, carregada de emoção, repercutiu rapidamente, mas foi recebida com forte repúdio por parte de zootecnistas, veterinários e produtores rurais. O consenso do setor é que a afirmação se baseia em um profundo desconhecimento técnico e na “antropomorfização” dos animais, a tendência de atribuir sentimentos e comportamentos humanos a espécies não humanas.
A Chef Ju Lima, em um vídeo-resposta, foi direta: “Tratar vaca e bezerro como mãe e filho humanos é ignorar completamente a ciência por trás da produção”.
Para entender por que a afirmação do ator é considerada tecnicamente equivocada pelo agronegócio, é preciso analisar os fatos por trás do manejo da pecuária leiteira moderna.
O “Manejo” não é Crueldade, é Ciência
O ponto mais criticado na fala de Dolabella é a separação do bezerro e da vaca após o nascimento. O que é descrito como um ato de crueldade é, na verdade, um protocolo de manejo essencial para garantir a saúde e o bem-estar de ambos os animais.
Para o Bezerro: A separação logo após o parto permite que o produtor execute a “colostragem” de forma controlada. O colostro (o primeiro leite) é vital, pois contém todos os anticorpos que o bezerro precisa para sobreviver aos primeiros dias de vida.
Garantia de Ingestão: Em um ambiente de produção, não se pode “contar com a sorte” de que o bezerro mamará a quantidade e a qualidade necessárias de colostro em tempo hábil. O manejo garante que ele receba o volume correto (cerca de 10% do seu peso vivo) nas primeiras seis horas de vida.
Higiene e Saúde: O bezerro é levado para um ambiente controlado, limpo, seco e desinfetado, o que o protege de bactérias e patógenos presentes no ambiente do pasto ou do estábulo da mãe, reduzindo drasticamente as taxas de mortalidade por diarreia e pneumonia.
Para a Vaca: A vaca leiteira moderna foi geneticamente selecionada ao longo de décadas para ser uma “atleta” da produção, produzindo um volume de leite muito superior ao que um único bezerro conseguiria consumir.
Prevenção da Mastite: A ordenha mecânica, feita em horários regulares, esvazia o úbere de forma completa e higiênica. Se o leite não for removido adequadamente, a vaca sofre. A pressão interna causa dor e leva a inflamações graves, como a mastite — esta sim, uma das condições mais dolorosas e prejudiciais para o animal, além de ser um grande desafio econômico para o produtor.
Saúde do Úbere: Um bezerro, ao tentar mamar um volume tão grande, pode causar lesões nos tetos da mãe, servindo como porta de entrada para infecções.
Portanto, o manejo que o ator descreve como “perder o filho” é, na visão técnica, o principal procedimento para garantir que o bezerro cresça saudável e que a vaca mantenha sua saúde e conforto, evitando a dor da mastite.
O Erro do Antropomorfismo
O argumento central do agronegócio é que a polêmica se baseia em uma falácia: comparar o instinto bovino ao complexo sentimento materno humano.
“A vaca de leite é um animal de produção, não é seu pet”, ressaltou a Chef Ju Lima em sua resposta. Embora exista um instinto de proteção inicial, a relação de produção é diferente da relação afetiva humana.
Para o produtor rural, o bem-estar animal não é apenas uma questão ética; é o pilar do negócio. A máxima da pecuária moderna é: “Animal estressado não produz”.
Uma vaca que sofre, que sente dor ou que está em um ambiente inadequado, imediatamente reduz ou cessa sua produção de leite. O investimento em conforto térmico, nutrição balanceada, manejo calmo (sem gritos ou agitação) e sanidade é o que garante a viabilidade econômica da atividade.
Desinformação e o Impacto na Cadeia Produtiva
Declarações como a de Dolabella, na visão do setor, são perigosas por simplificarem um processo complexo. Elas ignoram a ciência zootécnica e veterinária e criam uma imagem vilanizada de um setor fundamental para a segurança alimentar e a economia.
A cadeia produtiva do leite gera milhões de empregos e é a base da alimentação de grande parte da população, fornecendo proteínas, cálcio e outros nutrientes essenciais a um custo acessível.
A conclusão do setor é que, embora o debate sobre bem-estar animal seja sempre bem-vindo e necessário para a evolução das práticas, ele deve ser baseado em dados científicos e conhecimento técnico, e não em narrativas emocionais que distorcem a realidade do manejo rural.
VEJA O VÍDEO:

Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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