
Ameaça de sobretaxa de 50% dos EUA, fraco consumo interno e alta oferta derrubam preços da arroba do boi gordo e colocam pressão sobre o setor
A cadeia da pecuária brasileira está atravessando uma das semanas mais turbulentas de 2025. A ameaça de uma nova tarifa de 50% imposta pelo governo Trump sobre a carne bovina brasileira, somada ao consumo interno desaquecido e ao aumento da oferta de animais terminados, tem provocado uma série de reações negativas nos preços da arroba, nos frigoríficos e no bolso dos pecuaristas.
De acordo com a Scot Consultoria e Agrifatto, o boi gordo sem padrão-exportação fechou a semana em R$ 300/@ em São Paulo, enquanto o chamado “boi-China” teve o ágio espremido, recuando para R$ 302/@. A queda acumulada em diversas praças reflete o clima de incerteza e especulação que domina o setor.
Motivos para a queda nos preços do mercado do boi gordo
Segundo levantamento da Agrifatto, três fatores principais justificam a pressão negativa:
- A ameaça da tarifa dos EUA: Anunciada por Trump, a tarifa de 50% pode entrar em vigor a partir de 1º de agosto e já resultou no cancelamento de pedidos por parte de clientes norte-americanos. O impacto direto no comércio exterior tem provocado receio em toda a cadeia.
- Desempenho fraco no mercado interno: Com o consumo retraído e os estoques acumulados, os frigoríficos reduziram as compras e passaram a manter cargas estocadas ou em trânsito, sem destino certo.
- Alta na oferta de animais confinados: A entrada de gado pronto para abate contribui para a intensificação da pressão sobre os preços.
A média das escalas de abate está entre 9 e 10 dias úteis, e a atuação mais agressiva das indústrias frigoríficas resultou em queda nas cotações em praças como São Paulo, Pará e Tocantins, além de reduções em BA, ES, GO, MG e RJ no fechamento da semana.
Frigoríficos já sentem os efeitos e suspendem produção
A Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos) confirmou que várias indústrias estão suspendendo a produção voltada para os EUA, diante da inviabilidade econômica imposta pela nova tarifa. A entidade relata que pedidos já foram cancelados e o setor aguarda com apreensão as negociações diplomáticas.
Segundo a Secex, no primeiro semestre de 2025, os EUA foram responsáveis por 411 mil toneladas de carne bovina brasileira, gerando US$ 1,28 bilhão em receita – um aumento de 85,4% em volume e quase 100% em valor na comparação com 2024. Isso faz com que o país represente 24,4% do volume exportado e 17,3% da receita total.
Interior paulista sente no campo os impactos da crise
Em Barretos (SP), importante polo da pecuária, produtores relatam que as vendas foram suspensas após o anúncio da tarifa, com frigoríficos locais parando a produção. “Com essa taxa, inviabiliza o negócio. O negócio para”, lamentou o produtor Antônio José Prata Carvalho.
O Sindicato da Indústria de Alimentação de Barretos alerta para o risco de demissões: “Temos uma empresa com 3 mil funcionários. A preocupação é grande”, afirmou o diretor Enilson Roberto da Silva.
Mercado tenta reagir no futuro, mas cenário ainda é de cautela no boi gordo
Apesar do ambiente negativo no mercado físico, o pregão da B3 trouxe um alívio temporário: o contrato para setembro de 2025 fechou a R$ 315,75/@, uma valorização de 2,69%, sinalizando que há expectativas de melhora no médio prazo.
A Scot Consultoria defende que o setor precisa olhar além da tarifa, destacando que, historicamente, o segundo semestre é mais favorável para o mercado do boi gordo. “O afastamento do ‘american dream’ deve pressionar o curto prazo, mas os fundamentos apontam para uma retomada”, avalia o analista Felipe Fabbri.
Entre os fatores positivos listados pela Scot estão:
- Melhora do consumo interno no fim do ano, com geração de empregos temporários e pagamento do 13º salário;
- Redução na participação de fêmeas nos abates, o que tende a valorizar os preços;
- Crescimento sazonal das exportações no segundo semestre.
Preços da carne e da arroba: recuos e concorrência com frango
Segundo a Safras & Mercado, o mercado atacadista também sofre. A carne bovina enfrenta queda na demanda e forte concorrência da carne de frango, mais acessível para o consumidor brasileiro.
Os preços dos cortes se mantêm:
- Quarto traseiro: R$ 21,80/kg
- Dianteiro: R$ 17,50/kg
- Ponta de agulha: R$ 17,50/kg
Já as cotações da arroba recuaram na maioria dos estados:
- São Paulo: R$ 295,52
- Goiás: R$ 278,75
- Minas Gerais: R$ 282,65
- Mato Grosso do Sul: R$ 295,45
- Mato Grosso: R$ 295,61
Perspectiva: exportações podem se redirecionar para outros mercados
Segundo Maurício Velloso, presidente da Assocon, a imposição tarifária é grave, mas não deve paralisar o setor. “O Brasil exporta para mais de 160 países. Podemos diluir facilmente as 185 mil toneladas compradas pelos EUA no primeiro semestre”, afirmou.
Ainda assim, Velloso reconhece que o crescimento das exportações aos EUA – 104% em relação ao ano anterior – é significativo e estratégico, mesmo que o país ainda não represente a maior fatia das exportações brasileiras.
O tarifaço anunciado por Trump já é sentido nas pastagens e nas indústrias brasileiras. Os impactos vão desde cancelamentos de pedidos, queda de preços e estoques parados, até ameaças de demissões e cautela no investimento futuro.
Apesar disso, especialistas apontam para um possível reequilíbrio no médio prazo, caso o Brasil consiga redirecionar suas exportações e manter a demanda aquecida internamente. A resiliência da cadeia da carne bovina será testada mais uma vez nos próximos meses.
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