
Após alta histórica que trouxe esperança, agricultores veem planos interrompidos e indústrias pressionam preços para baixo diante de tarifas e retração da demanda
O cacau voltou a ser assunto no sul da Bahia, mas desta vez não apenas pela memória da praga da vassoura-de-bruxa, que devastou a lavoura nos anos 1980 e 1990. No fim de 2024, o produto alcançou um recorde histórico nas cotações internacionais, impulsionado pela quebra de safra na África, principal região produtora do mundo. A notícia gerou euforia entre agricultores baianos, que vislumbraram a chance de retomar investimentos em modernização, tecnologia e até sustentabilidade nas propriedades. As informações foram divulgadas pela Folha.
No entanto, a euforia durou pouco. A partir de 2025, o mercado internacional passou a ajustar as expectativas com sinais de recuperação da safra em Gana e Costa do Marfim, provocando um recuo expressivo nas cotações da Bolsa de Nova York, usada como referência para o Brasil.
Para os produtores, sobretudo os pequenos, a frustração foi maior: além da queda nos preços, os efeitos de um novo pacote tarifário dos Estados Unidos, assinado por Donald Trump, atingiram em cheio a cadeia cacaueira nacional.
Diferença entre preços externos e internos do cacau
Segundo a Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC), em agosto os agricultores brasileiros chegaram a receber R$ 85 a menos por arroba (15 kg) em relação ao que era cotado no mercado internacional. A crítica central é que as grandes indústrias que dominam o setor no Brasil — Cargill, Barry Callebaut e Olam/Ofi — atuam de forma alinhada e conseguem pressionar o preço para baixo, repassando pouco do ganho ao produtor.
“As indústrias fazem o que querem na precificação interna”, afirma Vanuza Barroso, presidente da ANPC.
Tarifaço dos EUA e impacto na indústria
O golpe mais recente veio do tarifaço imposto pelos EUA, com taxa de 50% sobre produtos brasileiros. O cacau não entrou na lista de exceções anunciada pelo governo americano, apesar de não ser produzido em território dos EUA. O setor calcula que a indústria cacaueira brasileira pode perder até R$ 180 milhões em 2025 apenas com essa barreira.
Nos últimos anos, os EUA representaram em média 16% a 20% das exportações de derivados de cacau do Brasil, sobretudo manteiga de cacau — o item de maior valor agregado. Sem esse mercado, as indústrias reduzem a moagem, afetam a demanda interna e deixam produtores ainda mais expostos.
Planos interrompidos no campo
Para agricultores como Josenilda Silva, de Jitaúna (BA), a expectativa de finalmente modernizar sua propriedade se transformou em frustração. Após receber bons valores em 2024, ela planejava investir em fertilizantes, equipamentos e até energia solar. Com a queda nas cotações, todos os projetos foram adiados.
O mesmo aconteceu com José Luís Fagundes, de Igrapiúna, que chegou a comprar um trator para expandir a produção, mas recuou diante da instabilidade. “A gente fica inseguro de tomar decisão no ânimo de um preço alto. Será que não vai cair de novo?”, questiona.
O peso das multinacionais e a fragilidade do produtor
Atualmente, 70% da produção nacional vem de pequenos e médios produtores, mas o poder de negociação ainda é mínimo frente às multinacionais. Em alguns casos, a indústria passou a pagar com base na cotação futura de março de 2026, mil dólares abaixo do valor corrente da tonelada, prática conhecida como “deságio”.
Para os agricultores, a dependência da venda imediata, sem condições de estocar o produto, enfraquece qualquer tentativa de pressão. “Se bate a fome, tem que vender. O ideal seria segurar, mas não existe isso”, relata Fagundes.
Perspectivas e incertezas
O cenário atual é de ociosidade industrial crescente, que pode chegar a 18% em 2025, e de uma cadeia produtiva desestruturada, incapaz de se beneficiar plenamente da alta do preço global. Analistas apontam ainda que o cacau brasileiro, que representa apenas 4% do mercado mundial, não tem peso suficiente para influenciar as cotações internacionais, sempre guiadas pela produção africana.
Para os produtores baianos, a esperança seria contar com pelo menos três anos consecutivos de preços estáveis e elevados para retomar o ciclo de investimentos e reconstrução da lavoura. Mas, diante da combinação de tarifas externas, retração da demanda e domínio das multinacionais, o sonho de uma retomada sólida segue em compasso de espera.
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