A decisão se baseia em uma nota técnica da própria SG que reúne trocas de e-mails e documentos internos apontando indícios de coordenação entre concorrentes.
Brasília, 4 – A Superintendência-Geral (SG) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurou na segunda-feira, 3, um inquérito administrativo para investigar 15 executivos e dirigentes de grandes tradings e associações do agronegócio por suspeita de formação de cartel no âmbito da moratória da soja. O pacto proíbe a compra de soja cultivada em áreas da Amazônia desmatadas após julho de 2008.
Assinada pelo superintendente-geral do órgão concorrencial, Alexandre Barreto de Souza, a decisão se baseia em uma nota técnica da própria SG que reúne trocas de e-mails e documentos internos apontando indícios de coordenação entre concorrentes para definir regras comuns de compra e comercialização de soja no País.
A área técnica identificou a presença de uma estrutura “bastante consolidada” dentro do Grupo de Trabalho da Soja (GTS), entidade responsável por organizar, executar e fiscalizar o acordo da moratória. Segundo a SG, há setores operacionais e de fiscalização e deliberação compostos por diversas pessoas físicas que têm como principal função dar cumprimento aos termos que foram estipulados no acordo.
As comunicações entre executivos foram extraídas de dispositivos móveis, no âmbito da Ação de Produção Antecipada de Provas referente a um processo judicial que corre na 1ª Vara Empresarial e de Conflitos de Arbitragem do Foro Central de São Paulo. Os dados foram compartilhados com o Cade.
Segundo a SG, uma série de e-mails trocados entre 2019 e 2024 demonstram a comunicação entre funcionários do alto escalão de empresas signatárias da moratória da soja, assim como entre membros de associações como a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), que também são responsáveis pela operacionalização e viabilização daquele acordo.
Os concorrentes teriam feito reuniões e tomado decisões conjuntas para definir procedimentos de embargo, auditoria e liberação de produtores. Com a abertura do inquérito administrativo, o Cade passará agora à fase de instrução processual, quando poderá colher depoimentos, requisitar novos documentos e realizar diligências.
O suposto cartel de compra no mercado nacional de produção e revenda de soja pode ser enquadrado como violação da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência), no que se refere a práticas que “limitam, falseiam ou de qualquer forma prejudicam a livre concorrência”.
A SG disse que, até o presente momento, foi possível identificar a atuação das seguintes pessoas físicas: Abdias Machado (diretor de Sustentabilidade – COFCO); André Nassar (presidente executivo – Abiove); Caroline Rolim (coordenador de Sustentabilidade – Cargill); Diogo Di Martino (diretor de Sustentabilidade – ADM); Elisa Veiga (gerente jurídica – Novaagri); Eliane Uchoa (diretor de Comunicações – Cargill); Flávio Albuquerque (diretor e sócio-administrador – DUAL); Gabriela Ticianelli (coordenadora jurídica – Novaagri); Guilherme Buck (diretor de Sustentabilidade – ADM); Juliana Lopes (diretora ESG – AmaggiI); Julia Moretti (chefe global de sustentabilidade – COFCO); Mariana Ignacio (coordenadora de Sustentabilidade – COFCO); Marcelo Tagliari (diretor administrativo – 3Tentos); Renata Nogueira (diretora sênior – Cargill); e Fabiana Luri Doi Reguero (gerente socioambiental – Amaggi).
Moratória da soja
Com o avanço do desmatamento na Amazônia entre as décadas de 1990 e 2000, a reação internacional aumentou a pressão sobre o setor agroexportador brasileiro. Diante desse contexto, em 2026, o setor privado (tradings e compradores de grãos), organizações não governamentais e órgãos do governo assinaram o pacto multissetorial que prevê a não comercialização, o não financiamento ou a aquisição de soja produzida em áreas desmatadas na Amazônia após 22 de julho de 2008, data da aprovação do Código Florestal Brasileiro.
O acordo gera discordância há anos entre produtores e tradings (negociantes). Sojicultores elevaram o tom contra o pacto no último ano, com apoio de parlamentares, pedindo a suspensão da prática pela indústria e alegando que o acordo fere o Código Florestal Brasileiro e tem indícios de prática de cartel. As indústrias processadoras e exportadoras de soja, porém, negam tais práticas. O governo federal é apoiador da moratória.
Em 30 de setembro de 2025, o tribunal do Cade decidiu aplicar a medida preventiva que suspende a moratória da soja somente a partir de 1º janeiro de 2026. Na ocasião, dos seis integrantes do tribunal, apenas o relator, conselheiro Carlos Jacques, e o presidente da autoridade da concorrência, Gustavo Augusto Freitas de Lima, defenderam a retomada imediata da medida preventiva.
Saiu vencedor o conselheiro José Levi do Amaral Júnior, cujo voto foi acompanhado pelos conselheiros Victor Fernandes, Diogo Thomson e Camila Cabral, formando maioria. José Levi defendeu que a moratória da soja possui natureza privada, é integrada por diversos entes públicos e privados e vem sendo reconhecida como instrumento de fomento ao desenvolvimento sustentável.
Havia preocupação dentro do governo Lula de que o acordo fosse suspenso às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), sediada em Belém (PA) neste mês de novembro. A suspensão da moratória da soja neste momento poderia respingar de forma negativa sobre o governo perante a comunidade internacional.