
CADE abre inquérito contra o Banco do Brasil por venda casada no crédito rural após denúncia da ABDAGRO; Nota Técnica reconhece indícios de infração à ordem econômica e confirma competência do órgão antitruste para investigar o caso
A Associação Brasileira de Defesa do Agronegócio (ABDAGRO) conseguiu um avanço importante na luta contra práticas abusivas no crédito rural. A Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) autorizou a abertura de inquérito administrativo para investigar o Banco do Brasil por suposta venda casada na concessão de crédito rural atrelada à contratação de seguro rural.
A decisão foi formalizada na Nota Técnica nº 80/2025, assinada em 30 de setembro, e reconhece a competência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) para apurar o caso. O documento destaca que há “indícios de prática de infração à ordem econômica”, uma vez que a conduta pode limitar a concorrência e prejudicar o produtor rural.
“Quem vive o agro conhece bem essa prática”, afirma o presidente da ABDAGRO, Raphael Barra, ao destacar que o parecer do CADE representa um avanço concreto na defesa dos produtores rurais.
Indícios robustos e impacto no mercado
Na representação apresentada ao CADE, a ABDAGRO reuniu um conjunto expressivo de provas:
- 222 contratos de crédito rural sem oferta das duas apólices exigidas por lei;
- Mais de 50 sentenças judiciais que reconhecem a prática de venda casada;
- Declarações de ex-gerentes do banco relatando imposição de seguros;
- Depoimentos de produtores rurais que confirmam a prática abusiva.
Segundo a Nota Técnica nº 80/2025, assinada pelo superintendente-geral Alexandre Barreto de Souza, os elementos apresentados “apontam para possível prática de infração à ordem econômica”, com potencial de reduzir a concorrência no mercado de seguros rurais e elevar custos para os produtores.
O CADE delimitou dois mercados afetados pela suposta conduta:
- o mercado nacional de financiamento rural, considerado o de origem; e
- o mercado nacional de seguros rurais, definido como o mercado-alvo da prática.
Relatório da CGU e negativas do Banco do Brasil
A análise do órgão antitruste também levou em conta um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), que identificou registro de venda casada em contratos do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO).
Em sua defesa, o Banco do Brasil negou qualquer irregularidade. Segundo a instituição, não há exigência de contratação de seguro para liberação do crédito, e os contratos garantem liberdade de escolha ao produtor. O banco afirma que a prática de venda casada é “vedada institucionalmente” e que suas normas internas proíbem o condicionamento de crédito à aquisição de outros produtos.
Pedido de medida preventiva foi negado
A ABDAGRO também solicitou ao CADE a adoção de medida preventiva para suspender imediatamente a suposta prática e obrigar o banco a oferecer duas ou mais opções de apólices de seguradoras independentes. O pedido, no entanto, foi indeferido.
O CADE entendeu que as obrigações solicitadas já constam da legislação vigente e que o caminho correto é a apuração via inquérito, e não por meio de medida cautelar.
O que acontece agora
Com a instauração do Inquérito Administrativo nº 08700.002342/2025-45, o CADE poderá requisitar informações à Susep e ao Banco Central, ouvir envolvidos e reunir novas provas. Caso as irregularidades sejam confirmadas, o processo pode resultar em sanções previstas na Lei 12.529/2011, que incluem multas e restrições de mercado.
Para os produtores rurais, o reconhecimento formal da competência do CADE rompe a inércia e dá visibilidade institucional a um problema antigo no crédito rural.
“O simples fato de o CADE tratar o tema como concorrencial já é um marco. Mostra que o produtor não está sozinho diante de práticas abusivas”, reforça Raphael Barra.
“Maior escândalo bancário do mundo”
Essa investigação atual se liga diretamente à ação judicial apresentada pela ABDAGRO no início de 2025, intitulada “Entidade expõe maior escândalo bancário do mundo no Brasil”, também publicada pelo CompreRural.
Naquela matéria, a ABDAGRO apontava que a prática de venda casada no crédito rural teria causado prejuízos que, segundo estimativas, ultrapassariam R$ 800 bilhões ao agronegócio. A ação judicial pedia devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente, além de danos morais individuais, coletivos e sociais, com justificativas de que a venda casada era uma prática sistêmica imposta durante décadas por bancos, especialmente o Banco do Brasil, via imposição de seguros e outros produtos financeiros.
O inquérito aberto agora pelo CADE ecoa essas alegações, dando seguimento institucional às provas e denúncias que estavam sendo feitas juridicamente. A Nota Técnica reconhece muitos dos indícios citados na matéria de janeiro — contratos que não oferecem escolha, imposição de seguros etc. — e formaliza a apuração concorrencial, o que pode reforçar muito o pedido de reparações da ação judicial.
A abertura do inquérito não implica condenação. O Banco do Brasil tem assegurados o contraditório e a ampla defesa até decisão final do Tribunal do CADE. Ainda assim, o parecer técnico representa um avanço histórico na proteção da concorrência e do bolso do produtor rural brasileiro, especialmente frente às demandas expostas pela ABDAGRO já em janeiro.
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