Café brasileiro em rota de colapso com ciclo de autossabotagem ambiental

Desmatamento reduz chuvas e ameaça o café brasileiro. Relatório mostra que, sem floresta, o agro colhe prejuízo. Café pode ser o primeiro colapso climático visível do agro nacional.

O Brasil sempre se orgulhou de liderar o mercado global de café. Somos o maior produtor mundial da bebida mais consumida no planeta — com mais de 2 bilhões de xícaras sendo servidas diariamente ao redor do globo. No entanto, essa hegemonia está sob ameaça real e crescente, segundo um alerta da organização internacional Coffee Watch, publicado recentemente e reforçado por pesquisadores brasileiros.

De acordo com o relatório, o avanço descontrolado da produção sobre áreas de floresta nativa está provocando a diminuição das chuvas nas principais regiões cafeeiras do país, principalmente no Sudeste, onde se concentram os maiores polos produtivos do café arábica. O resultado é um ciclo perverso: desmata-se para plantar, mas sem chuva, não se colhe.

Os dados que escancaram a crise

  • Mais de 11 milhões de hectares de florestas foram desmatados entre 2001 e 2023 em regiões produtoras de café no Brasil.
  • Ao menos 312.803 hectares foram desmatados diretamente para a lavoura de café. Quando se consideram áreas afetadas indiretamente, o número salta para 737 mil hectares .
  • A região de Minas Gerais — principal produtora do país — registrou déficits de chuva em 8 dos últimos 10 anos, com perdas de até 50% na precipitação em 2014.
  • Em 2023, a seca contribuiu diretamente para a quebra da safra e picos de até 40% nos preços internacionais .

“O desmatamento para o cultivo de café está matando as chuvas, que estão matando o café”, resume Etelle Higonnet, diretora da Coffee Watch. A frase sintetiza o paradoxo de uma cadeia produtiva que, para expandir, compromete o próprio ambiente de onde depende para sobreviver.

A tempestade perfeita para o agronegócio

A cafeicultura é apenas o reflexo mais visível de um problema que se alastra pelo agro. A perda de resiliência climática não atinge apenas a produtividade — ela afeta diretamente a renda, o crédito e o acesso aos mercados internacionais. E para muitos produtores, isso pode significar o colapso econômico da propriedade.

A situação do Grupo Grespan, revelada em outro caso recente, reforça essa conexão. O casal de produtores com três fazendas e mais de 2 mil cabeças de gado entrou em recuperação judicial com R$ 147 milhões em dívidas. Entre os motivos citados, estão eventos climáticos extremos, negativa de crédito agrícola e quebra de safra, numa combinação de fatores que também afeta produtores de café brasileiro.

Com o clima cada vez mais instável, as exigências regulatórias subindo — como a lei europeia contra produtos de áreas desmatadas (EUDR) — e os custos de adaptação em alta, o risco de inadimplência no campo aumenta a olhos vistos. A cafeicultura, que gera milhares de empregos e divisas para o país, pode ser a próxima a engrossar as estatísticas da recuperação judicial no agro.

Caminhos urgentes para reverter o colapso

O relatório propõe medidas concretas que poderiam devolver estabilidade ao setor:

  • Adotar sistemas agroflorestais — que aumentam a resiliência ao clima e preservam a umidade do solo.
  • Reflorestar áreas críticas e restaurar matas ciliares, mantendo os corredores ecológicos que ajudam a garantir os regimes de chuva.
  • Investir em tecnologia de monitoramento climático e práticas adaptativas, como sombreamento e irrigação de precisão.
  • Alinhar a produção com as exigências internacionais de rastreabilidade e sustentabilidade — especialmente da União Europeia, maior mercado consumidor de café do mundo.

Não é só o café brasileiro: é o futuro do agro brasileiro

Embora o foco esteja na cultura do café brasileiro, o que está em jogo é muito maior. O desmatamento que provoca a quebra de safra da cafeicultura hoje pode comprometer a produção de grãos, leite, carne e outras commodities amanhã. É a própria lógica do agro que precisa ser revista: sem floresta, não há chuva; sem chuva, não há produção.

A sustentabilidade deixou de ser uma agenda verde para se tornar uma necessidade econômica e de sobrevivência no campo. Negar o problema, ou transferi-lo para o futuro, pode custar caro demais — para o produtor, para o consumidor e para a imagem do agro brasileiro no exterior.

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