Carne de peixe cultivada ganha espaço na alimentação global e levanta críticas

Produção em laboratório promete reduzir impacto ambiental e ampliar acesso a proteínas do mar; Mas, carne de peixe cultivada levanta preocupações entre pescadores e produtores de aquicultura

A carne de peixe cultivada — produzida a partir de células animais em ambiente controlado — vem despontando como uma das inovações mais promissoras no setor de alimentos. Essa tecnologia, que já atrai investimentos bilionários em países como Estados Unidos, Japão, Israel e Singapura, propõe uma alternativa à pesca tradicional e à aquicultura intensiva, oferecendo proteínas de alta qualidade sem a necessidade de capturar ou criar peixes em grande escala. Mas, segundo especialistas, essa alternativa levanta preocupações entre pescadores e produtores de aquicultura.

Como é produzida a carne de peixe cultivada

O processo começa com a coleta de células de um peixe saudável, geralmente sem causar danos ao animal. Essas células são cultivadas em biorreatores, recebendo nutrientes como aminoácidos, açúcares e vitaminas, que simulam o ambiente natural do organismo. Ao longo de semanas, as células se multiplicam e se organizam em estruturas semelhantes ao tecido muscular, resultando em um produto final que imita a textura e o sabor do peixe convencional.

O grande diferencial é que essa produção é feita em ambiente controlado, livre de poluentes, microplásticos e contaminantes como mercúrio, comuns em alguns peixes pescados no mar.

Benefícios ambientais e econômicos da carne de peixe cultivada

Segundo estudos do Good Food Institute, a produção de carne de peixe cultivada pode reduzir em até 80% as emissões de gases de efeito estufa associadas à pesca e à criação intensiva, além de economizar grandes volumes de água e evitar a sobrepesca — problema que ameaça a biodiversidade marinha.

Outro ponto importante é a previsibilidade na produção e no preço. Diferente da pesca, que sofre com variações sazonais e climáticas, a carne cultivada pode ser produzida durante todo o ano, em qualquer região, garantindo oferta estável e potencialmente reduzindo custos à medida que a tecnologia se torna mais escalável.

Cabe, entretanto, destacar que a piscicultura brasileira está entre as atividades com menor emissão de carbono. Espécies como a tilápia e o tambaqui são cultivadas em sistemas eficientes e sustentáveis, em linha com as novas demandas do mercado. Segundo a Peixe BR, produções de Tilápia e Tambaqui estão entre as atividades brasileiras com menor emissão de carbono. Esse modelo produtivo coloca as duas espécies entre as proteínas animais que possuem menor pegada de carbono. Esse fator, aliado a outras características da atividade, consolidou o país como uma referência global em sustentabilidade na piscicultura.

Diante disso, a produção e expansão da carne de peixe cultivada em laboratório no Brasil, país com tamanha riqueza e um setor pujante com grandes oportunidades de crescimento para a produção natural da carne de peixe se torna inviável e, ainda pior, pode gerar um grande impacto negativo para a cadeia da piscicultura brasileira.

Críticas e preocupações do setor tradicional

Apesar do potencial, a carne de peixe cultivada levanta preocupações entre pescadores e produtores de aquicultura. Um dos principais receios é o impacto econômico: a popularização desse produto poderia reduzir a demanda por peixe fresco, afetando a renda de milhares de famílias que dependem da pesca artesanal e da criação em cativeiro.

Além disso, representantes do setor alertam que o discurso de sustentabilidade pode ser mal interpretado, colocando a pesca sustentável e a aquicultura responsável como “vilãs” diante do consumidor, quando, na realidade, essas práticas já passaram por avanços importantes na redução do impacto ambiental e no controle sanitário.

Foto: Divulgação

Outro ponto crítico é a aceitação cultural e gastronômica. Muitos chefes de cozinha e consumidores mais tradicionais valorizam o peixe fresco pela experiência sensorial e pelo vínculo com a tradição alimentar. Há também dúvidas sobre a percepção de “naturalidade” do alimento cultivado, o que pode influenciar sua aceitação no mercado.

Desafios para chegar ao consumidor

Apesar dos avanços, a carne de peixe cultivada ainda enfrenta obstáculos para chegar às prateleiras em grande escala. O custo de produção, embora tenha caído nos últimos anos, ainda é elevado. Além disso, a aprovação regulatória varia conforme o país. Singapura foi o primeiro a autorizar a venda de carne cultivada, enquanto nos Estados Unidos e na União Europeia os processos de avaliação de segurança ainda estão em andamento.

Empresas do setor trabalham para tornar o produto mais acessível, explorando cortes específicos, como filés, sashimis e até hambúrgueres de peixe cultivado, visando atender nichos como o de restaurantes japoneses e redes de fast food.

Perspectivas para o Brasil

O Brasil, dono de uma vasta biodiversidade aquática e de forte tradição pesqueira, pode se beneficiar da tecnologia tanto para atender o mercado interno quanto para exportar. A adoção dependerá de incentivos à pesquisa, regulamentação clara e aceitação do consumidor, que ainda vê o produto como uma novidade.

Especialistas acreditam que, nos próximos 10 anos, a carne de peixe cultivada poderá se consolidar como parte do cardápio global, coexistindo com a pesca sustentável e a aquicultura tradicional, formando um tripé de produção mais equilibrado.

Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias.

Siga o Compre Rural no Google News e acompanhe nossos destaques.
LEIA TAMBÉM