
A conversão do músculo em carne é um processo delicado, que envolve reações celulares, alterações de pH e até mesmo o rigor mortis — a famosa rigidez pós-morte
Você já parou para pensar no que exatamente estamos comendo quando colocamos um pedaço de carne no prato? A resposta mais comum seria: músculo. E, de fato, a carne que consumimos tem origem nos tecidos musculares dos animais. No entanto, entre o abate do animal e o preparo da refeição, ocorre uma complexa série de transformações bioquímicas que tornam esse músculo apto para o consumo, com sabor, textura e coloração característicos.
A conversão do músculo em carne é um processo delicado, que envolve reações celulares, alterações de pH e até mesmo o rigor mortis — a famosa rigidez pós-morte. Esses fenômenos são decisivos para definir se a carne será macia e suculenta ou dura e sem qualidade. Entender o que acontece nesse intervalo é fundamental para quem trabalha com produção animal, indústria frigorífica ou simplesmente se interessa pela origem dos alimentos que consome.
Do músculo vivo à carne consumida: o que acontece no meio do caminho?
Após o abate do animal, inicia-se um processo fundamental conhecido como conversão do músculo em carne. A primeira etapa é a sangria, onde o sangue – responsável por levar oxigênio às células – é completamente drenado. Sem oxigênio, as células musculares não conseguem mais gerar energia pela via aeróbica e recorrem à glicólise anaeróbica, um mecanismo alternativo que gera ácido lático como subproduto.
Nos animais vivos, o ácido lático seria transportado para o fígado pelo sangue, mas nesse cenário ele se acumula no próprio tecido muscular, provocando uma queda no pH da carne. Essa queda de acidez é crucial: influencia diretamente a textura, a cor e a suculência do produto final. Quando esse processo falha, temos o surgimento da chamada carne DFD (do inglês, Dark, Firm and Dry – escura, firme e seca), considerada inadequada para o consumo por apresentar baixa qualidade sensorial e menor durabilidade.
Segundo dados atualizados do setor frigorífico em 2024, cerca de 3 a 5% das carcaças bovinas inspecionadas ainda apresentam características de carne DFD, um problema geralmente causado por estresse crônico antes do abate. O principal fator apontado é o manejo inadequado dos animais, especialmente durante transporte, confinamento ou descanso pré-abate.

O papel do rigor mortis e a influência do pH
Durante a glicólise, o acúmulo de ácido lático também ativa a liberação de cálcio no interior das fibras musculares. Esse mineral desencadeia contrações involuntárias nos músculos, um processo que só termina quando a energia celular (ATP) se esgota por completo. É aí que entra o chamado rigor mortis, a rigidez cadavérica que marca a transição do músculo para a carne.
A velocidade com que o pH do músculo cai interfere diretamente nesse processo. Se for rápida demais, o rigor mortis se instala de forma abrupta, o que compromete a textura da carne. Se for lenta demais, o tecido pode sofrer danos estruturais. A queda ideal de pH permite um desenvolvimento gradual e controlado do rigor, resultando em carne mais macia e de melhor qualidade.
Maturação: o segredo da maciez
Depois do rigor mortis, a carne entra na fase de maturação – um processo natural de amaciamento das fibras musculares. Durante essa etapa, enzimas presentes no tecido rompem as proteínas responsáveis pela rigidez, melhorando a textura e tornando a carne mais saborosa.
Hoje, frigoríficos modernos utilizam métodos alternativos de pendura da carcaça para otimizar esse processo. Em vez de pendurar a peça pelo tendão da perna traseira (como era tradicional), alguns estabelecimentos passaram a utilizar a suspensão pélvica, introduzindo o gancho no forame oval da bacia do animal. Isso proporciona um alongamento mais equilibrado das fibras musculares, favorecendo uma maturação uniforme. O único desafio é o espaço: esse método exige áreas maiores nas câmaras frias.

O que influencia a qualidade final da carne?
Diversos elementos impactam as transformações que ocorrem após o abate. Entre os principais, destacam-se:
- Fatores ambientais e de manejo: o estresse térmico, o transporte prolongado, a agitação dos animais e a falta de descanso adequado antes do abate afetam diretamente a qualidade da carne.
- Fatores individuais: genética, idade, sexo, peso e resistência ao estresse são características próprias de cada animal que influenciam a resposta fisiológica após o abate.
- Temperatura post-mortem: o resfriamento inadequado das carcaças pode interferir no ritmo da queda do pH e no rigor mortis.
- Localização do músculo: músculos de diferentes regiões do corpo se comportam de forma distinta após o abate e exigem cuidados específicos.
- Nutrição e bem-estar animal: dietas balanceadas e boas práticas de criação são decisivas para garantir níveis adequados de glicogênio muscular, essenciais para o bom andamento do processo pós-morte.
De acordo com levantamentos recentes do setor agroindustrial, produtores que investem em bem-estar animal e protocolos rigorosos de manejo pré-abate conseguem reduzir em até 80% os problemas relacionados à carne de má qualidade.
Carne não é apenas músculo – é resultado de uma série de reações fisiológicas cuidadosamente controladas após o abate. Compreender esse processo é essencial para garantir qualidade, segurança e eficiência na produção. Em tempos de consumidores cada vez mais exigentes, saber transformar músculo em carne da forma correta é um diferencial competitivo para frigoríficos e produtores.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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