Casal doa rancho de R$ 120 milhões para que ninguém destrua a tradição da pecuária

O casal de produtores do norte de Montana, destinam sua propriedade de 38 mil acres à Ranchers Stewardship Alliance, buscando manter viva a cultura da pecuária dos ranchos familiares no Oeste americano.

O futuro da pecuária familiar nas grandes planícies do Oeste dos Estados Unidos tem enfrentado desafios cada vez maiores. O crescimento do preço das terras, a pressão de investidores externos e a dificuldade de sucessão entre gerações têm reduzido a presença de famílias tradicionais no campo. Nesse cenário, um gesto considerado histórico ganhou repercussão nacional: o casal Dale e Janet Veseth decidiu doar seu rancho de 38.300 acres, avaliado em US$ 21,6 milhões (aprox. R$ 120 milhões), para a Ranchers Stewardship Alliance (RSA), organização sem fins lucrativos dedicada ao fortalecimento de comunidades rurais e à continuidade da atividade pecuária na região.

Localizado no Condado de Phillips, no norte de Montana, o rancho representa décadas de manejo produtivo e adaptação às condições locais. A família Veseth vem aprimorando práticas de pastoreio rotacionado há mais de 35 anos, incluindo o uso de coleiras de telemetria para conduzir o gado através dos pastos várias vezes ao ano. Esse sistema contribui para a recuperação das pastagens e mantém o equilíbrio ecológico em uma área onde o clima é severo e a vegetação sensível.

A propriedade carrega, também, a história do despovoamento rural da região. As terras que hoje formam o rancho já abrigaram aproximadamente 100 famílias ao longo do século passado, mas a progressiva valorização imobiliária e o custo crescente da pecuária tornaram difícil a permanência de pequenos produtores. Atualmente, apenas três famílias vivem e trabalham no local.

Os desafios enfrentados por jovens pecuaristas no Oeste são significativos. Para manter uma operação de médio porte, é necessário adquirir terra, rebanho, máquinas, equipamentos e mão de obra especializada. A soma desse investimento alcança valores inacessíveis à maior parte das famílias interessadas em ingressar na atividade. A dificuldade de sucessão agrava o problema: muitas fazendas familiares acabam sendo vendidas para grandes grupos, que priorizam especulação imobiliária, investimento em carbono, turismo ou conservação integral sem atividade pecuária.

Rancho doado por Dale e Janet Veseth,no Condado de Phillips, no norte de Montana Foto: Ranchers Stewardship Alliance

A RSA foi fundada há 22 anos por pecuaristas da região, entre eles o próprio Dale Veseth, diante da preocupação crescente com a compra de terras por agentes externos que não tinham ligação com a atividade rural. A organização busca preservar a produção pecuária, apoiar a conservação de habitat nativo e fortalecer a economia comunitária.

Desde 2017, a RSA tem ampliado seus programas graças a parcerias que fornecem incentivos para conservação e adaptação produtiva, como cercas que permitem circulação de animais silvestres, recuperação de gramíneas nativas e suporte técnico para manejo sustentável.

Com a doação, a RSA passa a ter a garantia de que a terra permanecerá destinada à pecuária, evitando sua venda ou transformação para usos que afastem famílias produtoras da região. A propriedade será utilizada para programas de formação e acesso à terra, beneficiando novos pecuaristas que não dispõem de recursos para iniciar uma operação independente. Os futuros participantes poderão arrendar áreas, aprender manejo sustentável e, gradualmente, desenvolver suas próprias atividades produtivas.

Manada de bisontes da American Prairie. Foto: American Prairie, Dennis Lingohr

A doação também se insere em um debate contínuo na região, onde organizações de conservação, como a American Prairie Reserve, têm adquirido fazendas para restauração ecológica e criação de bisontes. Embora compartilhem objetivos de proteção ambiental, pecuaristas e conservacionistas frequentemente possuem visões diferentes sobre o papel da pecuária no manejo da terra e sobre a permanência de famílias rurais no território.

Enquanto iniciativas de restauração convertem áreas produtivas em refúgios de vida selvagem, a RSA defende um modelo que combina produção pecuária ativa e conservação ambiental, mantendo a economia local baseada no trabalho das famílias rurais.

Com a idade média dos pecuaristas nos Estados Unidos superando os 60 anos e com apenas 12% dos produtores com menos de 35, a criação de modelos de acesso à terra e transferência de conhecimento se torna urgente. O gesto dos Veseth passa a representar um caminho possível para evitar o desaparecimento da cultura dos ranchos familiares, tão importante para a história do Oeste americano.

A doação não é apenas uma transferência patrimonial, mas uma estratégia para garantir que a terra continue viva, produzindo e sustentando comunidades rurais.

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