
A autorização para o cultivo de milho transgênico, definida como estratégica pelo governo chinês, segue o mesmo princípio do plano de transformar 90 milhões de hectares em terras agrícolas: garantir a segurança alimentar
A China, maior importador mundial de milho e soja, está intensificando seus esforços para alcançar maior autonomia agrícola e segurança alimentar. Em 2025, o país deve quadruplicar a área plantada com milho geneticamente modificado (GM), impulsionando uma estratégia que visa reduzir a dependência de grãos importados dos Estados Unidos e do Brasil. Gigante agrícola busca segurança alimentar com biotecnologia, digitalização do campo e expansão de terras aráveis até 2030.
Segundo analistas da CITICS Research e especialistas do setor de sementes, a área dedicada ao milho transgênico deve atingir entre 40 milhões e 50 milhões de mu (3,3 milhões de hectares) neste ano, ante cerca de 10 milhões de mu em 2024. Apesar do avanço, o milho GM ainda ocupará apenas 7% da área total de plantio de milho do país, contrastando com os mais de 90% de adoção nos EUA e no Brasil.
Biotecnologia em expansão, mas sob forte controle estatal
O salto no plantio transgênico sinaliza uma guinada na política agrícola chinesa, historicamente cautelosa com as sementes modificadas. Apesar das aprovações de novas variedades nos últimos dois anos, o governo continua a exercer controle rigoroso sobre o mercado, impondo limites à venda e ao cultivo de sementes. Esse controle rígido dificultou o planejamento e resultou em excedentes de sementes nas empresas locais.
O ceticismo público e os testes com resultados mistos também freiam o entusiasmo. Algumas regiões relataram quedas de produtividade entre 10% e 20% nos testes realizados entre 2022 e 2023, atribuídas à baixa adaptação das sementes ao solo local e à comercialização precoce, sem cruzamentos genéticos suficientes para garantir rendimento ideal.
“Se as empresas de sementes não conseguirem melhorar os rendimentos, a estratégia de transgênicos de Pequim poderá enfrentar um problema de credibilidade”, alertou Matthew Nicol, analista da China Policy.
Demanda crescente e uso ilegal revelam apetite por avanços
Apesar das falhas, a demanda por sementes mais produtivas é evidente, especialmente entre produtores em busca de maior rentabilidade. O uso de sementes transgênicas ilegais cresce, principalmente no nordeste chinês, expondo um desejo latente por características avançadas como resistência a pragas e tolerância à seca.
Além do milho, a China também importa mais de 100 milhões de toneladas de grãos por ano, principalmente variedades transgênicas usadas na alimentação animal. Reduzir essa dependência tornou-se uma prioridade estratégica diante das tensões comerciais com os EUA — que, em 2024, responderam por 15% das importações chinesas de milho.

Meta: transformar 90 milhões de hectares em terras agrícolas de alto padrão até 2030
Paralelamente à aposta na biotecnologia, a China anunciou no fim de abril um ambicioso plano de expansão de terras agrícolas de alto padrão, com o objetivo de converter 90 milhões de hectares (1,35 bilhão de mu) até 2030. Segundo o Conselho de Estado, trata-se de uma medida estratégica para garantir a segurança alimentar, focando na infraestrutura rural, produtividade e resiliência climática.
Entre os principais recursos dessas terras, destacam-se:
- Sistemas modernos de irrigação
- Controle contra desastres naturais como secas e inundações
- Melhoria da fertilidade e estrutura do solo
- Uso de tecnologia de informação, GPS e agricultura de precisão
O plano prevê ainda que, até 2035, todas as “terras agrícolas básicas permanentes elegíveis” sejam convertidas, protegendo-as contra usos não agrícolas e assegurando sua destinação à produção de alimentos.
Até o fim de 2024, a China já havia convertido cerca de 66,6 milhões de hectares em terras de alto padrão, e mantém um limite mínimo de 124,33 milhões de hectares de terras aráveis. Redes de irrigação cobrindo mais de 10 milhões de quilômetros já foram instaladas.
Produção recorde e digitalização do campo
Os efeitos das novas políticas já aparecem nos dados. Em 2024, a produção de grãos chinesa atingiu 706,5 milhões de toneladas, um aumento de 1,6% em relação a 2023. Desde 2021, o país registra três anos consecutivos de crescimento na área total de cultivo, revertendo a tendência de retração anterior.
Regiões como Xinjiang exemplificam o avanço: até 2022, 3,34 milhões de hectares (47,39% da área arável local) já haviam sido convertidos.
Além da infraestrutura física, o governo lançou em 2024 o plano quinquenal de agricultura inteligente (2024-2028), que aposta em big data, sensores, GPS e inteligência artificial para revolucionar o setor produtivo.
Milho transgênico: Segurança alimentar como prioridade geopolítica
Com essa combinação de biotecnologia, ampliação de terras e digitalização rural, a China busca reduzir sua vulnerabilidade externa diante de possíveis choques geopolíticos, como as disputas comerciais e sanitárias com os EUA, e garantir o abastecimento interno de grãos e proteína animal.
A estratégia reforça o entendimento de que a segurança alimentar começa pela terra arável e pela inovação tecnológica, pilares centrais de uma política agrícola cada vez mais voltada para o autossustento e o controle estatal.
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