Choveu e o capim voltou a brotar: como manejar o gado para não ter prejuízo?

As primeiras águas trazem o verde, mas o “capim novo” é uma armadilha nutricional. Soltar o gado cedo demais causa diarreia, perda de peso e pode comprometer a produtividade do pasto por toda a estação

O alívio de ver o pasto verdejante após meses de seca pode rapidamente se transformar em um grande prejuízo. Para o pecuarista, a chegada das águas marca o fim de um período de alto custo com suplementação. No entanto, a euforia de soltar o rebanho no “capim novo” é uma armadilha que custa caro.

Este é, talvez, o momento mais crítico da pecuária de pasto: o manejo de transição águas-seca. O animal está adaptado a uma dieta seca e fibrosa, e o pasto ainda não está pronto para recebê-lo. Entender por que o broto verde engana é o que separa o lucro da perda na “safra das águas”.

Excesso de Água, Falta de Nutriente

O principal erro é confundir a cor do pasto com sua qualidade nutricional. O consenso técnico é claro: o broto recém-nascido, especialmente nos primeiros 10 a 15 dias, é nutricionalmente pobre para o rúmen do bovino.

Segundo especialistas em nutrição de ruminantes, esse broto é composto por 80% a 90% de água. Para o gado, é o equivalente a “beber água com corante verde”. O animal simplesmente não consegue ingerir a quantidade de matéria seca necessária para atender suas demandas energéticas.

O resultado imediato é visível nas fezes: a famosa diarreia de broto.

O rúmen, que estava adaptado para digerir a fibra da suplementação de seca (bagaço, silagem, palhada), sofre um choque. A microbiota ruminal não tem tempo de se adaptar à mudança brusca para um alimento aquoso e com baixíssima fibra. O animal passa o dia pastando, mas, na prática, está desnutrido e desidratado, levando à perda de peso e queda na imunidade.

O Erro Fatal: “Comer” a Reserva da Planta

Se o prejuízo fosse apenas no animal, seria contornável. O problema é que o manejo errado agora compromete a fazenda pelos próximos seis meses.

Pesquisadores da área de forragicultura, incluindo recomendações técnicas da Embrapa, explicam que o capim (seja Braquiária ou Panicum) usa toda a sua reserva de energia (carboidratos) armazenada nas raízes e na base para emitir as primeiras folhas.

Essas primeiras folhas são os “painéis solares” da planta. Elas precisam crescer para fazer fotossíntese e começar a repor a energia gasta e, principalmente, desenvolver novas raízes.

Como alertam os especialistas, “se o gado entra no pasto nessa fase, ele ‘come’ a reserva da planta”. O capim, sem energia, não consegue rebrotar com vigor. O resultado é um pasto que não “fecha”, fica ralo, cheio de falhas e com baixo potencial de produção de massa.

O produtor que erra na entrada dos animais terá uma taxa de lotação muito menor durante toda a estação chuvosa.

Como Fazer o Manejo Correto e Ganhar Dinheiro na Transição?

O manejo correto, recomendado por consultores de pecuária de corte e leite, se divide em duas frentes: adaptação do animal e respeito ao pasto.

1. A Regra do Pasto: Altura de Entrada

O critério para colocar o gado no pasto não é a cor, nem o número de dias desde a chuva. O critério é a altura de entrada.

O pasto só está pronto para ser pastejado quando a planta acumulou energia suficiente para se recuperar rapidamente. As alturas de manejo são estabelecidas por anos de pesquisa e variam para cada cultivar.

Parâmetros Técnicos (Recomendação Embrapa e Pesquisa):

Tipo de CapimAltura Mínima de EntradaAltura de Saída (Retirada)
Braquiária Brizantha (ex: Marandu, Xaraés)30 cm – 35 cm15 cm – 20 cm
Braquiária Decumbens25 cm – 30 cm15 cm
Panicum Maximum (ex: Mombaça, Tanzânia, Zuri)80 cm – 90 cm30 cm – 40 cm

Soltar o gado antes dessa altura mínima é garantia de prejuízo. É preferível manter o gado em um “pasto de sacrifício” ou piquete vedado e suplementar por mais 15 ou 20 dias, do que estragar o pasto do ano inteiro.

A Regra do Animal: Não Corte a Suplementação

O segundo pilar é a adaptação do rúmen. O produtor não deve, em hipótese alguma, cortar a suplementação de seca e jogar o gado no pasto verde.

  • Mantenha a Fibra: O gado precisa de fibra para “frear” o trânsito intestinal e dar suporte à microbiota. Zootecnistas recomendam continuar fornecendo a palhada, o feno ou a silagem que estava sendo usada na seca, mesmo com o pasto brotando.
  • Ajuste o Suplemento: O “proteinado de seca” (alto teor de proteína e ureia) deve ser trocado gradualmente. O ideal é entrar com um “suplemento de transição” ou já migrar para um “proteinado de águas” (mineral ou proteico-mineral).
  • Função do Suplemento de Águas: Esse suplemento é focado em minerais (que estão diluídos no broto aquoso) e, se necessário, proteína de sobrepasso, corrigindo as deficiências do capim novo.

O Olho do Dono

As primeiras chuvas exigem mais atenção do gestor, e não menos. O produtor que resiste à tentação do “tapete verde” e espera a altura correta do pasto, enquanto ajusta a nutrição do rebanho, é quem colherá os melhores resultados.

O manejo de transição é a prova de que, na pecuária moderna, a paciência e a técnica, baseadas em dados de pesquisa, são tão importantes quanto a própria chuva.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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