Coleção “I Wool Survive”: Lã de carneiros “gays” vira tendência e transforma desfile de NY

Coleção “I Wool Survive”, do estilista Michael Schmidt, utiliza lã de carneiros que não se reproduzem com fêmeas e expõe uma prática comum na pecuária: o descarte desses animais. Desfile une moda, ciência e discussão sobre diversidade no reino animal.

Um desfile de moda realizado recentemente em Nova York trouxe à passarela um tema pouco discutido fora do ambiente científico e agropecuário: o destino de carneiros que não se reproduzem. A coleção “I Wool Survive”, assinada pelo estilista norte-americano Michael Schmidt, apresentou roupas fabricadas exclusivamente com lã de carneiros que, por diferentes razões, não mostram interesse em acasalar com ovelhas, um comportamento que, em sistemas de produção, os torna economicamente inviáveis.

A iniciativa partiu de uma parceria entre Schmidt e a organização alemã Rainbow Wool, fundada para resgatar esses animais antes que sejam enviados ao abate, utilizando sua lã como alternativa de valor agregado. Segundo o estilista, o propósito central do desfile foi chamar atenção para a prática corrente de descarte – envio desses animais para engorda e produção de carne – de carneiros improdutivos e estimular discussões sobre manejo mais humano dentro da cadeia pecuária.

O comportamento de desinteresse por fêmeas em carneiros é documentado por estudos científicos há décadas. A literatura aponta duas grandes frentes:

  1. Fatores biológicos e neuroendócrinos
    Pesquisas conduzidas por Charles Roselli, da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, identificaram que uma parcela dos carneiros apresenta padrões neurológicos que os fazem direcionar o comportamento sexual preferencialmente para outros machos.
    Esse fenômeno não é considerado uma anomalia, mas uma variação natural observada em populações de ovinos.
  2. Fatores ambientais e comportamentais (condicionamento)
    A pesquisadora Cathy Dwyer, do Scotland’s Rural College, demonstra que experiências de criação influenciam o comportamento:
    • carneiros criados apenas entre machos podem ter dificuldade de reconhecer fêmeas como parceiros;
    • carneiros criados por cabras podem desenvolver preferência por cabras, e não por ovelhas.

Esses estudos reforçam que, seja por biologia ou por condicionamento, parte dos carneiros simplesmente não cumpre a função reprodutiva esperada na pecuária comercial. Em rebanhos onde um macho precisa fertilizar cerca de 50 fêmeas, o desempenho reprodutivo é crucial — e a falha costuma resultar em descarte.

Ao perceber essa prática, o agricultor alemão Michael Stücke, criador de ovinos em Vestfália, decidiu criar uma solução. Em sua propriedade, onde mantém mais de 500 ovelhas, ele passou a separar e preservar os carneiros que não se reproduzem, aproveitando a lã produzida por eles.

A lã desses animais – intitulada como lã de carneiros “gays” – é especialmente útil porque carneiros produzem lã continuamente, enquanto fêmeas interrompem parcialmente a produção durante períodos reprodutivos e de gestação.

O projeto começou em 2021 com apenas três carneiros. Hoje, já são mais de 35 animais resgatados, mantidos exclusivamente para a produção de lã, que é enviada a uma fiação espanhola e transformada em fios de alta qualidade.

Ao conhecer o projeto, Schmidt, famoso por criar figurinos para artistas como Cher, Shakira e Madonna, viu na iniciativa uma oportunidade de traduzir para o público urbano um tema que quase nunca ganha visibilidade: o destino dos animais considerados improdutivos

Schmidt visitou a fazenda de Stücke, acompanhou o processo de tosquia e estabeleceu uma parceria que se transformaria no primeiro desfile oficial da Rainbow Wool.

A coleção “I Wool Survive” conta com 37 peças de tricô, todas manufaturadas com a Lã de carneiros “gays”. Entre as criações, há polos, casacos, jardineiras, gorros, robes e peças inspiradas no vestuário clássico rural.

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