Como arrozeiros estão indo à falência e perdendo suas fazendas nos EUA

Crise histórica no Delta do Arkansas expõe fragilidade do modelo agrícola norte-americano e ameaça o futuro da produção de arroz, já que arrozeiros estão indo à falência

O coração agrícola do Delta do Arkansas, nos Estados Unidos, vive uma das piores crises das últimas décadas. Fazendas centenárias estão sendo leiloadas, produtores declarando falência e comunidades rurais inteiras se esvaziando diante de um colapso econômico que mistura fatores climáticos, políticos e estruturais. A situação dos arrozeiros americanos escancara os riscos de um modelo baseado na produção em larga escala de commodities voltadas à exportação, com custos crescentes, preços deflacionados e pouca diversificação.

A história de uma derrocada: Shannon Hall e o fim de uma linhagem agrícola

Após três décadas cultivando arroz, soja e milho, o produtor Shannon Hall, agricultor de 10ª geração, colheu sua última safra em 2024. No auge, ele e a família cultivavam 4 mil hectares no nordeste do Arkansas, mas uma tempestade de granizo em 2022 destruiu 25% da produção, dando início a uma espiral de perdas. Sem apoio emergencial suficiente e com seguros agrícolas que cobrem apenas parte dos prejuízos, Hall ficou no vermelho e não conseguiu crédito para a safra de 2025. Agora, avalia declarar falência, um retrato que se repete em dezenas de propriedades na região.

Queda de renda, alta de custos e crédito escasso

Segundo o Centro de Análise Financeira da Universidade do Missouri, a renda agrícola do Arkansas caiu vertiginosamente desde 2022. Apesar de pagamentos emergenciais aprovados pelo Congresso, a projeção é de que a renda do setor despenque quase US$ 1 bilhão até 2026, deixando um terço das fazendas do estado em risco de fechar.

O paradoxo é cruel: mesmo com grandes ativos — terras, máquinas e tecnologia — os agricultores estão sem liquidez. As margens desapareceram com custos de insumos que não caem na mesma velocidade que os preços das commodities. Em 2025, o arroz de grão longo caiu para US$ 14,10 por 100 libras, contra US$ 15,90 em anos anteriores, e a soja e o milho também recuaram fortemente.

Concorrência global e guerra comercial

A concorrência internacional tem papel decisivo nessa crise. Brasil e Argentina ampliaram a produção e reduziram os preços globais, enquanto a guerra comercial entre EUA e China no governo Trump eliminou temporariamente o principal mercado comprador da soja americana. No arroz, as importações asiáticas (Índia, Tailândia, Paquistão) aumentam a pressão, e os agricultores dos EUA não conseguem competir com os baixos custos desses países.

O peso das políticas públicas e da Lei Agrícola

Especialistas apontam que o problema é estrutural: o modelo de incentivos federais privilegia megafazendas e monoculturas voltadas à exportação, enquanto pequenas e médias propriedades perdem espaço. Desde a década de 1970, a política do “cresça ou saia” — implementada no governo Nixon — levou à consolidação de fazendas gigantes e à dependência de mercados externos, deixando as comunidades locais vulneráveis.

Entre 1997 e 2022, o Arkansas perdeu 11 mil fazendas, e 80% das terras agrícolas estão concentradas em propriedades acima de 1.000 hectares. As “superfazendas” controlam 90% da produção de arroz, soja, milho e algodão do estado.

Impactos sociais e ambientais no Delta

Com a concentração fundiária, as comunidades rurais encolheram. Cidades como Helena-West Helena perderam mais da metade da população desde 1950. A pobreza e a insegurança alimentar se agravaram, e as águas subterrâneas estão sendo exauridas mais rápido do que podem ser repostas, segundo o Departamento de Agricultura estadual.

A promessa de eficiência deu lugar a um quadro de desigualdade social, degradação ambiental e dependência de subsídios.

Endividamento e leilões em série

A crise atingiu um nível crítico: falências e leilões de fazendas aumentaram dramaticamente desde a pandemia. Segundo o advogado Joel Hargis, especializado em falências rurais, 2025 registra volume “impressionante” de processos. Leiloeiros relatam o pior cenário desde a década de 1980, com três anos consecutivos de preços baixos e nenhuma recuperação à vista. Muitos produtores recorrem ao Capítulo 12, mecanismo de recuperação judicial agrícola, para tentar salvar o negócio.

Divergência de caminhos: resgates ou transformação

Enquanto entidades como o Conselho de Agricultura do Arkansas pedem novos pacotes de ajuda federal, políticos e analistas sugerem revisar a Lei Agrícola para incentivar diversificação e produção voltada a mercados locais.

A candidata ao Senado Hallie Shoffner, que vendeu a fazenda da família em meio à crise, defende investimentos em frutas, legumes e produtos de valor agregado. Exemplos como a Isbell Farms (arroz para saquê) e a Ralston Farms (arroz gourmet) mostram caminhos alternativos, mas a transição exige tempo e infraestrutura.

Futuro incerto: entre resiliência e colapso

O Delta do Arkansas, responsável por boa parte da produção de arroz dos EUA, vive um “acerto de contas” histórico. O modelo de commodities baratas para exportação, sustentado por subvenções federais e crédito volátil, enfrenta limites econômicos e sociais.

Sem mudanças estruturais, o risco é de mais consolidação, mais endividamento e menos agricultores no campo. Para Shannon Hall e milhares de outros, a falência não é apenas financeira, mas cultural — o fim de um modo de vida transmitido por gerações.

Compre Rural com informações do Arkansas Times

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