Como o Brasil se tornou um dos gigantes mundiais na produção de seda

Sem competir em volume, país se consolida como o único produtor industrial do Ocidente de seda, focando na qualidade extrema e sustentabilidade para abastecer marcas de luxo globais, como a Hermès.

Quando se fala em agronegócio brasileiro, pensa-se em soja, milho ou café. Poucos sabem, no entanto, que o Brasil é uma potência silenciosa na sericicultura (criação do bicho-da-seda) e o único país do Ocidente a produzir fio de seda em escala comercial.

Com uma produção concentrada no Paraná e baseada na agricultura familiar, o fio brasileiro não compete por volume, mas por qualidade: é considerado o mais branco e um dos melhores do mundo, sendo a matéria-prima preferida de marcas de luxo globais, como a francesa Hermès.

Qualidade, não quantidade

Esqueça a ideia de volume. A força do Brasil não está em competir com os gigantes asiáticos, China e Índia, que dominam mais de 90% do mercado global. O Brasil figura como o quinto ou sexto maior produtor de casulos, mas seu verdadeiro trunfo é ser o único país do Ocidente a possuir uma cadeia de produção de fio de seda em escala industrial.

O epicentro dessa indústria é o estado do Paraná, que concentra cerca de 83% da produção nacional, especialmente na região conhecida como “Vale da Seda”. A vocação brasileira é o mercado externo: aproximadamente 95% do fio de seda produzido é exportado, com destinos que revelam seu público-alvo, como Japão, França, Itália e Vietnã.

O que torna o fio paranaense tão cobiçado? A resposta é a qualidade obsessiva. A principal vantagem tecnológica do produto brasileiro é ser o fio de seda mais branco do mundo. Essa característica é crucial para a indústria de luxo, pois permite um tingimento perfeito e cores mais vivas. A fama é tanta que a grife francesa Hermès já declarou publicamente que seus icônicos lenços e gravatas são feitos com a seda brasileira, considerada “a melhor do mundo”.

A seda mais sustentável do planeta

Além do luxo, a produção se destaca pela sustentabilidade. Um estudo da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, apontou a seda nacional como a mais sustentável do planeta. Isso se deve a uma abordagem de economia circular onde tudo é reaproveitado: a pupa do bicho-da-seda (rica em proteína) é usada para ração animal, e os resíduos do casulo (“estopa”) são utilizados pela indústria automotiva.

Como o Brasil se tornou um dos gigantes mundiais na produção de seda
(Foto: BRUNNO COVELLO/BRUNNO COVELLO)

A jornada da seda

A produção de seda é um processo que une biologia ancestral e alta tecnologia, começando não com o bicho-da-seda, mas com sua única fonte de alimento: a amoreira. Nos campos do Paraná, pequenos produtores cultivam as amoreiras cujas folhas alimentarão as lagartas (Bombyx mori).

Por cerca de 40 dias, as lagartas passam por um ciclo intenso de alimentação. Ao atingir a maturidade, a mágica acontece: a lagarta tece seu casulo, secretando um único e contínuo filamento — que pode atingir impressionantes 1.500 metros de comprimento.

É aqui que o processo industrial se inicia. Para preservar a integridade desse filamento, os casulos são colhidos e submetidos ao calor. Em seguida, na fiação, os casulos são mergulhados em água quente para amolecer a “cola” natural. As pontas de vários filamentos (geralmente de 5 a 8 casulos) são encontradas e desenroladas juntas, torcendo-as para formar um único fio de seda crua. É a precisão tecnológica nesse processo que garante a uniformidade e a brancura superior do fio brasileiro.

A História e o modelo familiar

Essa indústria de precisão não é baseada em latifúndios, mas sim em uma delicada “jardinagem” social. A sericicultura moderna no Brasil foi estruturada por imigrantes japoneses, que fundaram a Fiação de Seda Bratac em 1940. O ponto de virada ocorreu em 1974, quando a empresa moveu seu parque industrial para Londrina (PR), consolidando o estado como o novo epicentro.

Quando a concorrência asiática por volume se tornou esmagadora, o setor no Brasil quase quebrou. A sobrevivência veio de uma mudança estratégica: focar obsessivamente em tecnologia e qualidade.

Hoje, a produção de casulos é a base de renda de mais de 2.000 famílias de pequenos produtores rurais. O modelo funciona em um sistema de fomento: a indústria fornece os ovos e a tecnologia, e se compromete a comprar 100% da produção. É uma atividade que gera alta renda em pequenas propriedades, provando que “agricultura de luxo” pode ser familiar.

Como o Brasil se tornou um dos gigantes mundiais na produção de seda
Foto: Reprodução/TV TEM

Desafios no fio da navalha

Apesar do sucesso, o setor vive “no fio da navalha”. O maior desafio, ironicamente, é a falta de matéria-prima. A demanda global pela seda brasileira é maior que a capacidade de produção, pois faltam sericultores.

Além disso, o bicho-da-seda é extremamente sensível a químicos. A deriva de agrotóxicos de lavouras vizinhas, como soja e milho, é o inimigo número um, capaz de dizimar uma criação inteira. As secas e estiagens, cada vez mais frequentes, também ameaçam a amoreira, colocando em risco essa cadeia produtiva tão única no Ocidente.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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