Conheça o boi-almiscarado, verdadeiro gigante do Ártico

Embora não seja criado comercialmente, o estudo desse herbívoro selvagem oferece importantes lições para a ciência animal, especialmente no que diz respeito ao comportamento reprodutivo, resiliência física e bem-estar

Em regiões remotas e congeladas do norte da América do Norte e Groenlândia, habita um animal que carrega consigo a força bruta da natureza e um comportamento que desafia a lógica biológica: o boi-almiscarado (Ovibos moschatus). Embora não seja criado comercialmente, o estudo desse herbívoro selvagem oferece importantes lições para a ciência animal, especialmente no que diz respeito ao comportamento reprodutivo, resiliência física e bem-estar.

Com aparência robusta e coberto por um manto espesso que o protege de temperaturas abaixo de -40°C, o boi-almiscarado é um sobrevivente de eras glaciais. Machos podem atingir até 360 kg e, durante a temporada reprodutiva, protagonizam verdadeiros duelos, chocando-se cabeça contra cabeça em altíssima velocidade — ultrapassando 50 km/h. O som da colisão ressoa por campos gelados, enquanto os oponentes testam força, resistência e domínio.

Essas disputas não são simbólicas. São combates físicos intensos, nos quais os machos lançam seus corpos com toda a potência, seguidos de ataques com seus chifres curvos e afiados. O objetivo? Garantir o direito de acasalar. Esse comportamento, repetido inúmeras vezes ao longo da vida do animal, levanta uma questão inquietante: como esses animais conseguem resistir a tamanhos impactos sem sofrer lesões cerebrais graves?

Ciência em campo: a busca por respostas

Foi justamente essa pergunta que motivou a neurocientista Nicole Ackermans, da Escola de Medicina Icahn, em Nova York, a investigar mais a fundo. Surpreendentemente, até pouco tempo atrás, nenhum estudo havia analisado os cérebros desses animais em busca de possíveis sinais de trauma neurológico.

Ackermans e sua equipe reuniram amostras de cérebros de bois-almiscarados por meio de caçadores de subsistência e programas de manejo em cativeiro. Usando biomarcadores cerebrais – substâncias que indicam alterações neuronais, como a proteína tau – os pesquisadores analisaram se esses animais apresentavam sinais semelhantes aos de seres humanos expostos a impactos repetitivos, como jogadores de futebol americano, lutadores e militares.

O resultado foi revelador: os cérebros dos bois-almiscarados apresentaram acúmulo significativo de tau, proteína que se forma quando os neurônios sofrem estresse ou dano. Em humanos, o acúmulo dessa substância está relacionado a doenças como Alzheimer e encefalopatia traumática crônica (CTE) – condição comum em atletas expostos a pancadas repetidas na cabeça.

Boi-almiscarado: Conheça o gigante do Ártico
Foto: Divulgação

O paradoxo evolutivo: comportamento natural, efeito destrutivo

À primeira vista, parece contraditório que um comportamento natural – como o combate entre machos por acasalamento – seja tão prejudicial. Mas a explicação pode estar no próprio mecanismo evolutivo.

“A seleção natural não exige que um animal tenha vida longa, mas sim que ele se reproduza com sucesso”, explica Ackermans. No caso do boi-almiscarado, se um macho consegue acasalar mesmo que apenas uma vez, ele já cumpriu sua função genética. Como os machos costumam viver de 10 a 12 anos, tempo suficiente para competir e deixar descendência, eventuais danos cerebrais progressivos não afetam diretamente seu sucesso reprodutivo.

Além disso, a estrutura corporal do animal também contribui. O crânio do boi-almiscarado é reforçado por uma espessa camada óssea que absorve parte do impacto. Mesmo assim, a ciência mostra que o sistema de proteção não é infalível.

Lições para a pecuária moderna

Embora os bois-almiscarados não façam parte da pecuária produtiva, seu estudo traz implicações relevantes para o campo agropecuário. A primeira delas diz respeito ao bem-estar animal. Comportamentos instintivos e agressivos durante a monta, por exemplo, são comuns também em bovinos domésticos. Compreender os limites físicos dos animais e os efeitos de práticas intensas sobre sua saúde é fundamental para orientar manejos mais equilibrados.

Boi-almiscarado: Conheça o gigante do Ártico
Foto: Divulgação

Outro ponto relevante está na pesquisa sobre traumas e saúde neurológica em animais de produção. Embora bovinos domésticos não se enfrentem da mesma maneira, impactos repetitivos, contenções inadequadas ou estresse extremo também podem causar danos cumulativos. Esse tipo de informação pode orientar futuras adaptações de instalações, manejo reprodutivo e transporte de animais.

Por fim, o estudo dos bois-almiscarados reforça uma ideia importante: nem todo comportamento natural é isento de consequências negativas. A natureza, muitas vezes, privilegia estratégias de curto prazo que garantem a perpetuação da espécie, ainda que custem caro ao indivíduo.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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