Novo presidente da CICCA, o espanhol Josep Artigas mora no Brasil e assume a entidade com a missão de fortalecer a governança global da pluma.
A liderança do agronegócio brasileiro na cotonicultura global acaba de ganhar um aliado estratégico. O empresário espanhol Josep Artigas, 59, assumiu a presidência do Comitê para a Cooperação Internacional entre as Associações de Algodão (CICCA), o mais importante órgão de governança do setor.
Sediada em Liverpool, no Reino Unido, a CICCA funciona como a “liga mundial” da pluma: reúne 17 países-membros, incluindo os gigantes Brasil, Estados Unidos, China e Índia. Juntos, eles respondem por 85% das 26,4 milhões de toneladas de algodão produzidas globalmente. O que torna essa nomeação única para o Brasil, no entanto, não é apenas o cargo, mas o endereço do novo presidente.
Um líder global com os pés no Brasil
Embora seja natural da Catalunha, na Espanha, Artigas está se tornando “cada vez mais brasileiro”. Ele reside no Brasil há cerca de dois anos e meio, junto com a esposa e o filho mais novo, que já domina o português.
“Estou numa importante imersão linguística e cultural no Brasil, para compreender o país e para dar apoio ao projeto do algodão”, afirmou Artigas em recente entrevista à Forbes Agro.
Sua relação com a pluma vem de berço. A empresa de corretagem de algodão da família foi fundada em 1952 na Espanha. Contudo, com o declínio do comércio da fibra na Europa após os anos 2000, Artigas viu no Brasil a grande oportunidade de expansão.
Em 2018, fundou com seu filho mais velho, Paulo, a Artigas do Brasil. Com sede estratégica em Rondonópolis (MT), a empresa atua na intermediação entre produtores, tradings e fiações nos principais polos de Mato Grosso e Bahia.
“Percebemos que havia um espaço no mercado do algodão brasileiro, um setor em expansão, com excelentes perspectivas de futuro”, explicou Artigas. A aposta deu certo: a empresa, que começou intermediando 10 mil toneladas, hoje mira um volume de 100 mil toneladas anuais, competindo diretamente com grandes players nacionais.
Missão principal: A “Santidade dos Contratos”
Ao assumir a CICCA, Artigas tem uma missão clara: fortalecer a “santidade dos contratos”.
Este é um pilar vital em um mercado onde a pluma é negociada com até dois anos de antecedência. O maior risco, segundo ele, não é a qualidade do produto, mas a extrema volatilidade dos preços.
Artigas explica que o descumprimento de contratos, seja pelo comprador ou pelo vendedor, geralmente ocorre após grandes oscilações de preço. Ele cita como exemplo o ano passado, quando os preços na Bolsa de Londres (ICE) ultrapassaram 85 centavos de dólar por libra-peso (¢/lb) entre fevereiro e abril, apenas para despencar para níveis abaixo de 70 ¢/lb (e por vezes próximos de 64 ¢/lb) no segundo semestre.
“Normalmente, temos os problemas de falta de cumprimento dos contratos por causa de diferenças de preço,” pontuou Artigas.
Para mitigar esse risco, a CICCA atua com um robusto sistema de governança:
- Arbitragem Padronizada: A maioria dos contratos globais segue as regras da ICA (International Cotton Association).
- Base Legal: A entidade se apoia na Convenção de Nova York de 1958, assinada por mais de 160 países, que garante o cumprimento de laudos arbitrais na justiça comum.
- Lista de Inadimplentes: A CICCA mantém uma lista consolidada de empresas que não cumprem seus contratos, desencorajando o comércio com partes desonestas.
Artigas admite que, embora a porcentagem de operações com problemas seja menor que 1%, ela “sobe em ciclos que têm muita volatilidade de preço”.

A Batalha de Longo Prazo: Algodão Contra Fibras Sintéticas
Além da governança interna, Artigas tem uma batalha ainda maior pela frente: a competição com as fibras sintéticas. O novo presidente alerta para um dado alarmante: em 20 anos, a participação do algodão no mercado total de fibras têxteis despencou de 60% para apenas 20%.
Ele defende o algodão como um “bem público”, destacando suas qualidades como “agricultura sustentável e material biodegradável”, em oposição direta aos sintéticos, que geram microplásticos e contribuem para o efeito estufa.
A solução, para ele, é a união de toda a cadeia produtiva.
“Não queremos que os brasileiros compitam com os americanos ou com os australianos. Queremos que todos se unam e tentem ganhar o mercado que nós perdemos contra as fibras sintéticas,” declarou o executivo.
Para isso, sua meta é ampliar o número de membros da CICCA, trazendo também associações de fiações para fortalecer a frente de defesa da fibra natural.
O Brasil como Vanguarda e Referência
A visão de Artigas encontra no Brasil um campo fértil. O país se consolidou em 2024 como o maior exportador mundial da pluma, superando os Estados Unidos pela primeira vez desde a safra 1993/1994, segundo dados do Cepea (Esalq/USP). Foram 2,9 milhões de toneladas vendidas, gerando uma receita de US$ 2,6 bilhões.
O novo líder da CICCA elogia abertamente o trabalho da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e seu programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), que certifica a produção com base nos pilares social, ambiental e econômico.
“O mundo e as fiações têxteis estão cada dia mais exigentes. Então, a ideia é que temos de trabalhar com transparência e responsabilidade”, concluiu Artigas.
A eleição de um “espanhol brasileiro”, que conhece de perto a realidade dos polos produtores de MT e BA, para a cadeira mais alta da governança do algodão, é um sinal claro de que a sustentabilidade e a produtividade do Brasil não são apenas reconhecidas, mas agora são parte central da estratégia global do setor.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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