
Luxo, segurança e precisão: como funcionam os voos do Air Horse One, aviões que levam cavalos milionários aos maiores palcos do mundo
Dois mundos se encontram em pleno ar: a tecnologia da aviação e a paixão pelo cavalo. Eles não viajam de ônibus, tampouco enfrentam travessias de navio. Os cavalos de elite do turfe e do hipismo viajam em aviões de carga – Air Horse One – transformados em verdadeiros estábulos voadores — equipados com baias acolchoadas, sistemas de climatização e até classes de voo.
Chamados de “Air Horse One”, esses jatos cargueiros adaptados — como o lendário Boeing 727 da Tex Sutton Equine Air Transportation — representam o ápice da tecnologia e do cuidado com os animais mais valiosos do planeta. Em um único voo, podem transportar até 85 cavalos rumo aos principais eventos do mundo, como o Kentucky Derby, a Dubai World Cup e o Royal Ascot, competições que movimentam milhões de dólares e reúnem a elite do turfe internacional.
O nascimento dos Air Horse One, ou “estábulos voadores”
A ideia de transportar cavalos por via aérea começou a ganhar força nos anos 1960, mas o conceito de luxo e eficiência surgiu com a fundação da Tex Sutton Equine Air Transportation, em 1957. Criada por Halford Ewel “Tex” Sutton, a empresa se tornou referência mundial nesse tipo de transporte, operando o lendário Boeing 727 modificado pela Kalitta Charters, apelidado de “Air Horse One”.
Baseada no Aeroporto Blue Grass, em Lexington (Kentucky, EUA) — coração do turfe norte-americano —, a Tex Sutton realiza cerca de 2.300 transportes por ano, com tarifas que variam entre US$ 3.300 e US$ 5.000 por cavalo, dependendo da rota e do serviço contratado. A empresa é responsável pelos embarques de grandes eventos, como o Kentucky Derby, além de operar voos para Olimpíadas e leilões internacionais.

Três classes de voo — até para cavalos
Os cavalos também têm seu sistema de “passagens aéreas”. Segundo Jim Paltridge, diretor da IRT (International Racehorse Transport) — empresa que realiza entre 5 mil e 6 mil voos por ano —, o transporte equino segue o mesmo conceito das companhias comerciais.
“Temos primeira classe, executiva e econômica, dependendo do espaço em cada contêiner. Cerca de 95% dos cavalos viajam na econômica, mas os campeões e garanhões de alto valor voam em baias duplas, verdadeiros camarotes aéreos”, explicou Paltridge à CNN.
Cada baia acolchoada é projetada para absorver impactos, manter o equilíbrio e reduzir o estresse durante o voo. O módulo padrão comporta três animais, mas pode ser ajustado para dois ou apenas um, garantindo conforto adicional aos passageiros mais valiosos.

Cabine climatizada e decolagens suaves
Por dentro, o Air Horse One é um estábulo climatizado de luxo. O piso é reforçado e revestido com material antiderrapante, as baias são acolchoadas e o ar-condicionado é regulado para manter a cabine entre 15 °C e 18 °C, evitando superaquecimento — já que os cavalos podem atingir 40 °C de temperatura corporal.
“A cabine precisa estar fria o suficiente para evitar que os cavalos fiquem quentes e adoeçam. Cada detalhe é pensado para o bem-estar animal”, explicou um técnico da Tex Sutton à Aeroflap.
Os pilotos também recebem treinamento especial: subidas e descidas devem ser suaves, e curvas fechadas são evitadas. “Transportamos vidas que valem milhões — e cada movimento da aeronave precisa ser calculado com precisão cirúrgica”, diz outro membro da equipe.
Tripulação especializada: veterinários e groomsmen a bordo
Durante o voo, entre cinco e dez profissionais acompanham a “carga viva”: tratadores, groomsmen e um veterinário especializado. O renomado Dr. Des Leadon, que há décadas monitora viagens internacionais para corridas como o Melbourne Cup e o Breeder’s Cup, explica:
“O segredo é conhecer o cavalo antes do embarque. Alguns são calmos, outros precisam de observação constante. A maioria viaja bem — e só uma pequena parte demonstra nervosismo, como passageiros humanos.”

Quando necessário, cavalos mais ansiosos recebem tranquilizantes leves, administrados sob supervisão. Há controle constante de hidratação, respiração e temperatura, e até alimentação e descanso são cronometrados com rigor.
Cada cavalo possui ainda passaporte próprio, contendo registros de vacinação, histórico de viagens e identificação genética — um documento obrigatório em voos internacionais.

Kentucky Derby: o destino mais glamouroso do Air Horse One
Nos dias que antecedem o Kentucky Derby, o Boeing 727 da Tex Sutton vira uma ponte aérea entre haras e pistas. O embarque é milimetricamente coordenado: tratadores sobem primeiro, ajustam baias e rampas, e os cavalos embarcam um a um.
Após cerca de 3 horas e meia de voo, eles desembarcam em Louisville, são levados por caminhões climatizados até Churchill Downs e recebem banhos e descanso antes das provas.
O treinador Bob Baffert, bicampeão da Tríplice Coroa, resume:
“É como uma orquestra — cada membro da equipe sabe exatamente o que fazer. Nada pode dar errado.”
De Black Caviar à Dubai World Cup: viagens milionárias
Os voos de elite transformaram o turfe global. Um dos casos mais emblemáticos foi o da lendária égua australiana Black Caviar, que viajou de primeira classe para o Royal Ascot, em 2012, usando um macacão de compressão para evitar inchaços.
“Ela foi tratada como uma estrela pop”, relembra Paltridge. “Nunca vi um cavalo gerar tanto interesse público.”
Com prêmios como o da Dubai World Cup, que paga US$ 7,2 milhões ao vencedor, o custo de um voo desses — que pode chegar a dezenas de milhares de dólares — é facilmente justificado.

Tabela: aeronaves mais usadas no transporte de cavalos
Modelo de aeronave | Capacidade média de cavalos | Empresa/Operador | Características principais |
---|---|---|---|
Boeing 727 (Air Horse One) | 21 | Tex Sutton / Kalitta Charters | Estábulo climatizado, piso acolchoado, operação nos EUA |
Boeing 747 Cargo | até 85 | IRT / Intradco Global | Voos intercontinentais, baias modulares, pressurização total |
Boeing 767F / 777F | 40–60 | Horse Service International | Longo alcance, equipe veterinária dedicada |
Antonov An-124 | até 100 | Operações especiais | Capacidade máxima e amplo espaço de manobra |
Shuttle stallions: os garanhões migratórios do mundo moderno
Graças à aviação, nasceu o conceito dos “shuttle stallions”, garanhões que viajam entre hemisférios para cobrir éguas em diferentes estações de reprodução.
O mais notório é Danehill, que acumulou 84 filhos campeões de Grupo 1 viajando entre Irlanda e Austrália. Esses voos transformaram o melhoramento genético do cavalo, ampliando a diversidade e a performance das raças de corrida e salto em todo o mundo.

Do céu para o cinema: o curta “Air Horse One”
O fascínio por esse universo inspirou o curta-metragem “Air Horse One” (2025), coprodução suíço-belga exibida no Festival de Cinema de Locarno. O documentário acompanha as viagens da égua Legacy, campeã de salto, e mostra os bastidores das operações e o luxo silencioso dos voos equinos.
A produção expõe com realismo os bastidores: a tensão do embarque, a vigilância dos veterinários e o contraste entre o barulho dos motores e o silêncio dos estábulos a bordo.
A aviação que mudou o cavalo — e o cavalo que mudou a aviação
Antes dos “Air Horse One”, o transporte intercontinental de cavalos podia levar semanas por navio, com perdas físicas e psicológicas. Hoje, um cavalo pode sair da Irlanda e competir na Austrália em menos de 30 horas — e vencer.
“Voar com cavalos é como carregar tesouros vivos. E cada pouso bem-sucedido é uma vitória silenciosa da engenharia e do amor pelos animais.” — Jim Paltridge.
Mais do que um meio de transporte, os “estábulos voadores” são o elo invisível entre continentes, genética, esporte e paixão. Nos céus, cavalos milionários viajam com o mesmo tratamento dado a atletas olímpicos — e cada decolagem é uma prova de que, quando o homem e o cavalo trabalham juntos, até o impossível pode voar.
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