
Endividamento, juros altos e retração no preço da soja formam a tempestade perfeita que derrubou quase pela metade as vendas de máquinas na Expointer 2025
A Expointer, reconhecida como a maior vitrine do agronegócio latino-americano, encerrou sua 48ª edição em Esteio (RS) com um resultado histórico, mas não pelos números positivos que a feira costuma registrar. As vendas de máquinas e implementos agrícolas, que tradicionalmente movimentam bilhões de reais, encolheram de forma inédita neste ano: o volume de negócios ficou em R$ 3,78 bilhões, praticamente a metade dos R$ 7,39 bilhões registrados em 2024.
O dado, divulgado oficialmente pela organização no último dia da feira, confirmou aquilo que os corredores já antecipavam: estandes vazios, vendedores apreensivos e um clima de expectativa frustrada. Para alguns fabricantes, o balanço foi tão negativo que se discutiu até a possibilidade de não tornar os números públicos.
Safra fraca, endividamento alto
A explicação para esse tombo nas vendas vai muito além da feira. Os últimos cinco anos foram devastadores para a agricultura gaúcha: secas prolongadas, enchentes destrutivas e uma sequência de safras irregulares deixaram o produtor sem capital de giro. A conta chegou em 2025.
Com margens comprimidas, muitos agricultores acumularam dívidas ou caíram na inadimplência. Ao mesmo tempo, o preço da soja, carro-chefe do Rio Grande do Sul, não para de recuar desde 2022, reduzindo ainda mais a confiança para assumir novos investimentos.
“O momento exige foco no básico. O produtor precisa garantir sementes de qualidade e fertilizantes para não comprometer a próxima safra. Máquinas ficam em segundo plano”,
afirma Ireneu Orth, presidente da Aprosoja-RS.
Crédito travado e juros recordes
Se por um lado o produtor está descapitalizado, por outro o acesso ao crédito também virou barreira. A taxa Selic, mantida em 15% ao ano, encarece qualquer operação financeira. Além disso, recursos do Moderfrota — principal programa de financiamento de tratores e colheitadeiras, operado pelo BNDES — praticamente sumiram. Segundo levantamento do Simers, a liberação de valores em agosto caiu 96% em comparação a julho.
Para Carolina Luiza Rossato, vice-presidente do Simers, isso cria um círculo vicioso: o produtor não compra porque o crédito é caro, e o governo não libera recursos porque a demanda já está enfraquecida.
“É um cenário preocupante. A Selic alta inviabiliza novos negócios, e a liberação de recursos este ano foi muito inferior à de 2024. Ignorar isso seria mascarar a gravidade da situação”,
reforça Rossato.
Até o fechamento desta matéria, o Ministério da Agricultura não havia se pronunciado sobre o represamento do Moderfrota.
O dilema da tecnologia cara e pouco usada
Outro ponto que vem limitando a expansão das vendas é o custo das tecnologias embarcadas. Máquinas de última geração ultrapassam a marca de R$ 3 milhões, mas parte dos recursos oferecidos acaba não sendo aproveitada no campo.
O superintendente do Senar, Eduardo Condorelli, cita um caso emblemático: um software presente em colheitadeiras, avaliado em cerca de R$ 300 mil, permite que o operador controle automaticamente mais de 100 funções da máquina. Porém, uma pesquisa interna de fabricante revelou que apenas 5% dos clientes chegaram a utilizar esse recurso em 2024.
“É um investimento que o agricultor paga no preço final, mas não transforma em ganho de produtividade. Isso gera a percepção de desperdício”, explica Condorelli.
A encruzilhada do setor
A queda nas vendas de máquinas na Expointer 2025 escancara uma realidade incômoda: há um descompasso entre a necessidade de modernização da frota agrícola e a capacidade real de investimento do produtor. Enquanto a indústria aposta em máquinas cada vez mais sofisticadas, o agricultor luta para manter a atividade viável diante de crédito restrito, custos altos e preços de commodities em queda.
O resultado desta edição da feira sinaliza que, para reaquecer o setor, não bastará apenas tecnologia de ponta. Será preciso criar políticas de crédito mais acessíveis, recuperar a renda do produtor e alinhar a oferta de equipamentos ao que, de fato, gera retorno no campo.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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