Cruzamento Girolando x Gir Leiteiro: oportunidade ou risco para o produtor?

Produtores que buscam “azebuar” o rebanho Girolando podem estar abrindo mão da heterose. Entenda quando essa estratégia pode funcionar e quando ela se torna um problema para o caixa da fazenda

O Girolando é um patrimônio da pecuária brasileira. Responsável por cerca de 80% do leite produzido no país, essa raça composta, fruto do cruzamento entre o Holandês e o Gir Leiteiro, foi a solução encontrada para unir a capacidade produtiva da raça europeia com a rusticidade da zebuína.

Décadas após sua consolidação, uma dúvida tem surgido no campo, especialmente em sistemas a pasto: vale a pena acasalar uma vaca Girolando (seja F1, 5/8 ou 3/4) de volta com um touro Gir Leiteiro puro?

A pergunta que fica é: por que um produtor faria esse “retrocruzamento”, voltando uma raça composta para uma de suas bases? A busca, quase sempre, é por mais rusticidade. O receio, por outro lado, é perder o que o Girolando tem de mais precioso: o volume no tanque. Para entender se essa é uma oportunidade ou um risco, o Compre Rural analisou os fundamentos zootécnicos por trás dessa estratégia.

A Perda da Heterose

O principal alerta dos especialistas é contra a quebra do vigor híbrido, ou heterose.

A “mágica” do Girolando F1 (meio-sangue) e a eficiência do 5/8 vêm justamente do choque de sangue entre as raças Zebu e Taurina. Em termos zootécnicos, quando se faz um retrocruzamento (cruzar o mestiço de volta com uma das raças-mãe), a heterose diminui drasticamente.

Em comunicado técnico, a Embrapa Gado de Leite, entidade máxima de pesquisa no setor, já estabeleceu o caminho do melhoramento. O documento “CT 98 – Raças e tipos de cruzamentos para produção de leite” é claro ao explicar que, após o cruzamento inicial (Holandês x Gir), o objetivo é a estabilização.

A recomendação da Embrapa para o rebanho consolidado é:

“Após atingir o grau de sangue desejado de 5/8 H + 3/8 G, o rebanho deve ser estabilizado, utilizando-se touros 5/8 H + 3/8 G. Assim, mantém-se o bimestiço Girolando.”

Ou seja, o programa de melhoramento preconizado pela pesquisa brasileira visa usar touro Girolando em vaca Girolando para manter o grau de sangue ideal, e não o retorno às raças puras.
Voltar ao Gir Leiteiro puro é, tecnicamente, “desfazer” o Girolando.

A Visão da Associação: O Foco no Padrão

A Associação Brasileira dos Criadores de Girolando (ABCGIL), que rege o padrão da raça, trabalha na mesma linha.

Todo o esforço do Programa de Melhoramento Genético da Raça Girolando (PMGG) foca em identificar e promover os melhores touros Girolando (sejam 5/8, 3/4, etc.) para os diferentes sistemas de produção. O objetivo é consolidar o 5/8 como o “puro sintético”.

Utilizar um touro Gir Leiteiro puro sobre uma vaca Girolando, embora possa ser uma decisão individual de um produtor para um fim específico (como gerar uma fêmea 13/16 Gir), está fora da rota principal de melhoramento da raça.
O animal resultante não é Girolando e perde o valor comercial e a padronização que a raça tanto preza.

A Solução Correta para Corrigir o Rebanho

Se o consenso técnico é contra o retrocruzamento, qual é a solução para o produtor que realmente precisa de mais rusticidade em seu rebanho “holandizado”?

A resposta está dentro da própria raça Girolando. A orientação técnica é unânime:

  • Se o rebanho é 3/4 ou 7/8 Holandês (muito “fino” e sofrendo):
    O produtor não deve usar um Gir puro. Ele deve usar um touro Girolando 5/8 provado.
    Este touro já carrega mais sangue Gir (3/8), “puxando” o rebanho de volta ao grau de sangue ideal, aumentando a rusticidade sem quebrar a heterose.
  • Se o rebanho é F1 (meio-sangue):
    Este é o auge da heterose. O correto é usar um touro Girolando 5/8 ou 3/4 (dependendo do sistema de produção) para gerar o tricross, que é o animal comercial de excelência para a maioria dos sistemas brasileiros.

Risco de Despadronização

Embora a ideia de usar um touro Gir Leiteiro “top” para corrigir um rebanho Girolando pareça uma solução rústica, ela é um risco técnico e financeiro.

O consenso entre a Embrapa Gado de Leite e a Associação Girolando é claro: o caminho para o sucesso da raça é o acasalamento dentro dos graus de sangue estabelecidos, visando a estabilização do 5/8.

Voltar ao Gir puro quebra a heterose, despadroniza o rebanho e reduz a produtividade.
Para o produtor que precisa de mais rusticidade, a ferramenta correta não é o touro Gir, mas sim o touro Girolando 5/8.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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