
Durante séculos, o leite foi valorizado por seu valor nutricional, mas um olhar mais atento da ciência moderna revela que este alimento ancestral esconde um verdadeiro arsenal bioativo
Um estudo publicado na revista científica Molecules (Kazimierska & Kalinowska-Lis, 2021) mostra que o leite e, especialmente, o colostro — o primeiro leite produzido pelas fêmeas após o parto — contêm compostos com propriedades terapêuticas surpreendentes. Esses compostos estão sendo explorados com sucesso em dermatologia, cosmética e até em formulações nutracêuticas e farmacológicas.
Entre os protagonistas dessa revolução estão as proteínas do leite, como a caseína, β-lactoglobulina, α-lactoalbumina, lactoferrina, imunoglobulinas, lisozima, lactoperoxidase, além de uma série de fatores de crescimento. Presentes em concentrações ainda mais altas no colostro, esses componentes não apenas nutrem, mas também curam, protegem, regeneram e equilibram a pele e o sistema imunológico.
Proteínas bioativas: muito além da nutrição
As proteínas do leite vêm se destacando por suas funções antimicrobianas, antivirais, antifúngicas, antioxidantes, cicatrizantes, anti-inflamatórias, imunomoduladoras e até antitumorais. Cada uma tem mecanismos de ação específicos, muitos deles já comprovados por estudos clínicos e experimentais.
E para ilustrar a complexidade e a eficácia de apenas um desses componentes, basta observar o caso da lactoferrina.
Lactoferrina: um exemplo do poder concentrado no leite
A lactoferrina é uma glicoproteína naturalmente presente no leite (em especial no colostro), saliva, lágrimas e outras secreções humanas e animais. Ela tem sido amplamente estudada por sua ampla gama de ações terapêuticas. A seguir, uma compilação dos efeitos biológicos validados dessa única proteína:
- Antibacteriana
• Atua sequestrando íons de ferro, essenciais para o crescimento de muitas bactérias.
• Desestabiliza as paredes celulares de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas.
• Inibe a formação de biofilmes e a adesão de patógenos à mucosa. - Antifúngica
• Altera a permeabilidade das membranas celulares de fungos.
• Atua de forma sinérgica com antifúngicos convencionais. - Antiviral
• Impede que vírus se fixem nas células do hospedeiro.
• Interage diretamente com capsídeos ou proteínas da membrana viral.
• Demonstrou eficácia contra vírus como herpes, HIV, rotavírus, hepatite B e C, e influenza. - Antiparasitária
• Atua impedindo a entrada dos parasitas nas células-alvo.
• Atua em conjunto com medicamentos antiparasitários, aumentando sua eficácia. - Antioxidante
• Inibe a formação de radicais livres ao se ligar a íons metálicos como ferro e cobre.
• Protege tecidos contra o estresse oxidativo, um dos gatilhos do envelhecimento e da inflamação crônica. - Antitumoral
• Inibe a produção de citocinas inflamatórias associadas à progressão de tumores, como TNF-α.
• Estimula a apoptose de células tumorais, sem afetar células saudáveis. - Imunomoduladora
• Estimula a atividade de leucócitos, como neutrófilos e células NK (natural killers).
• Modula a liberação de interleucinas e o funcionamento do sistema imune adaptativo.
• Regula a resposta inflamatória, ajudando a manter o equilíbrio imunológico da pele. - Dermatológica
• Estudos clínicos com lactoferrina oral demonstraram redução significativa de lesões inflamatórias em pacientes com acne vulgar e psoríase.
• Cremes tópicos com 10% a 20% de lactoferrina demonstraram melhora visível em casos de psoríase em placas.
• Em formulações combinadas com vitamina E e zinco, a lactoferrina mostrou-se eficaz no controle da oleosidade, na redução de comedões e na uniformização do tom da pele.
Colostro: a matéria-prima mais nobre
O colostro se diferencia do leite comum por conter concentrações significativamente maiores de imunoglobulinas, lactoferrina, fatores de crescimento e peptídeos bioativos. Produtos à base de colostro têm demonstrado efeitos cicatrizantes rápidos, alívio imediato da dor em queimaduras e regeneração da pele em feridas crônicas.
Cremes e loções com colostro equino, por exemplo, já vêm sendo utilizados com sucesso em casos de dermatite atópica, queimaduras de segundo e terceiro graus, acne inflamatória e hipersensibilidade cutânea. Em alguns estudos, a aplicação tópica de colostro mostrou-se até mais eficaz que pomadas com antibióticos, com o benefício adicional de não provocar efeitos colaterais indesejados.
O futuro da dermatologia está no campo?
A dermatologia e a cosmética estão redescobrindo o leite — não como ingrediente simbólico, mas como matéria-prima biotecnológica ativa, com eficácia documentada. E embora a maioria das pesquisas tenha se concentrado no leite bovino, evidências indicam que o leite de outras espécies, como ovelhas, cabras e até camelas, pode oferecer ainda mais riqueza funcional.
A busca por ingredientes eficazes, seguros, sustentáveis e naturais está impulsionando a inovação no setor. E poucos ingredientes combinam tanta tradição com evidência científica quanto as proteínas do leite.
Por Verônika Slota | Jornalista especializada em leite
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