Desafios relacionados às queimadas em um cenário de mudanças climáticas é destaque na AgriZone

Temperaturas mais altas vêm deixando o ar mais seco, reduzindo a umidade que historicamente mantinha a floresta menos suscetível à propagação do fogo.

As florestas amazônicas têm se tornado cada vez mais inflamáveis, resultado da combinação entre mudanças climáticas, desmatamento e degradação florestal, afirma o pesquisador Paulo Brando, da Yale University, dos Estados Unidos. Brando participou de um painel, cuja abordagem integrou conhecimento científico e experiências de campo, neste dia 17 de novembro, na AgriZone, Casa da Agricultura Sustentável da Embrapa, durante a Cop30, em Belém (PA).

O pesquisador destaca que temperaturas mais altas vêm deixando o ar mais seco, reduzindo a umidade que historicamente mantinha a floresta menos suscetível à propagação do fogo. “À medida que aquecemos a atmosfera, alteramos processos essenciais que regulam a entrada de umidade na Amazônia”, explica. “As florestas intactas são naturalmente resistentes ao fogo, mas, quando fragmentadas e expostas à ação humana, perdem essa proteção”, enfatiza. 

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Brando também ressalta que o desmatamento altera o ciclo hidrológico amazônico. A perda de vegetação reduz a evapotranspiração e provoca quedas significativas na quantidade de água reciclada pela floresta, o que diminui as chuvas locais. “Para cada 10% de desmatamento, a temperatura de superfície pode aumentar cerca de 1°C. E, com menos água sendo devolvida à atmosfera, o sistema perde a capacidade de resfriar e manter a umidade”, explica. Além dos impactos diretos sobre a vegetação, Brando destacou que a degradação compromete processos ecológicos fundamentais, incluindo a dispersão de sementes por animais. “A perda de fauna agrava o ciclo de fragilização da floresta”, observa.

Em sua participação, Jos Barlow, da Universidade de Lancaster, do Reino Unido, destaca que, embora a média anual de temperatura e precipitação seja importante, o fator decisivo para o aumento do risco de incêndios na Amazônia são os eventos extremos — especialmente os períodos de seca intensa. E ressalta que as análises climáticas tradicionais utilizam valores médios anuais, mas essa abordagem esconde a gravidade das variações extremas. “Quando isolamos os períodos de seca extrema, percebemos que o aquecimento é muito maior do que o indicado pelas médias anuais”, avalia. 

Segundo ele, enquanto a tendência global aponta para um aumento médio de 0,2 °C por década, em regiões da Amazônia os extremos de temperatura já mostram aquecimento até cinco vezes maior. “Esse aumento de temperatura em períodos críticos tem impactos diretos sobre a floresta, inclusive em zonas consideradas historicamente resistentes ao fogo”, alerta.

Durante sua exposição, Erika Berenguer pesquisadora da Universidade de Oxford, do Reino Unido, lembra que o fogo que hoje atinge a Amazônia não é um fenômeno natural, mas consequência direta da ação humana. Erika diz que normalmente  as queimadas começam fora da floresta, em áreas agrícolas ou desmatadas. No entanto, com o avanço das mudanças climáticas, o material combustível — como folhas secas e a camada superficial do solo — está cada vez mais ressecado, permitindo que o fogo se espalhe para o interior de florestas que historicamente não evoluíram para resistir às chamas. “Areas de floresta afetadas por incêndios tem implicações diretas para o clima, porque a maior parte do carbono da Amazônia está armazenada no tronco dessas árvores. Quando elas morrem, esse carbono volta à atmosfera, acelerando o aquecimento global”, afirma. 

A pesquisadora volta atenção ainda às florestas alagadas, que passam parte do ano submersas. Nessas áreas, o fogo pode ser ainda mais devastador: enquanto florestas de terra firme registram mortalidade de cerca de 50% das árvores após queimadas, nas florestas alagadas esse índice chega a 75–100%. “Só em 2024, mais de 800 mil hectares de florestas alagadas queimaram — uma área superior à do desmatamento total registrado na Amazônia no mesmo ano”, ressalta

A biodiversidade também sofre. Na avalição da pesquisadora, cerca de 80% das espécies encontradas em áreas queimadas são diferentes daquelas de uma floresta intacta, indicando uma mudança estrutural e ecológica significativa. “Estamos vendo florestas que deixam de ser florestas como conhecemos”, afirma. “Se queremos que nossas ações contra as mudanças climáticas funcionem, precisamos fazer da floresta uma paisagem à prova de fogo”, alerta.

Para compreender as dinâmicas do fogo e suas implicações nos ecossistemas tropicais, a mediação do painel ficou a cargo da pesquisadora Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental e teve também a participação de Bianca Coelho, gestora do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). 

Fonte: Embrapa

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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