Descubra do que é feito o Chimarrão, mais que um elemento da tradição gaúcha

O principal ingrediente do chimarrão é a Ilex paraguariensis, ou simplesmente erva-mate, uma árvore nativa das matas subtropicais da América do Sul

Muito antes de figurar nas rodas de mate dos gaúchos ou acompanhar o nascer do sol na varanda de casas rurais no Sul do Brasil, o chimarrão já era símbolo de pertencimento, espiritualidade e comunhão. Sua história remonta aos povos indígenas guaranis, que já consumiam infusões feitas com folhas de ka’a (erva-mate), consideradas sagradas e medicinais.

Os guaranis acreditavam que a erva trazia energia vital, curava enfermidades e fortalecia a alma. Não por acaso, o consumo era ritualístico: reunia a tribo, conectava com a natureza e com o plano espiritual. Com a chegada dos colonizadores espanhóis e, posteriormente, dos padres jesuítas no século XVII, esse conhecimento ancestral foi incorporado à cultura europeia, ganhando novos formatos e significados.

Os jesuítas perceberam rapidamente o potencial econômico da planta e desenvolveram sistemas de cultivo e comercialização. A bebida passou a ser difundida nos atuais territórios do Paraguai, Argentina, Uruguai e Sul do Brasil, onde encontrou terreno fértil para se enraizar cultural e economicamente.

No Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, a erva-mate se entrelaçou à identidade dos povos sulistas. Os tropeiros e peões das antigas estâncias adotaram o chimarrão como companheiro inseparável das longas jornadas, e o mate se tornou símbolo de hospitalidade, resistência e tradição.

Hoje, o chimarrão é um patrimônio imaterial do Sul. Está presente no cotidiano, nas celebrações, nas praças, nos acampamentos farroupilhas e no interior das casas rurais. É uma ponte viva entre o passado indígena, o legado jesuíta, a lida campeira e a modernidade. Mas surge a pergunta: você realmente sabe do que é feito o chimarrão que toma todo dia?

Foto: Divulgação

A alma do chimarrão: a erva-mate (Ilex paraguariensis)

O principal ingrediente do chimarrão é a Ilex paraguariensis, ou simplesmente erva-mate, uma árvore nativa das matas subtropicais da América do Sul. Adaptada a regiões de altitude e clima úmido, a planta prospera naturalmente nas áreas de floresta com araucárias, especialmente nos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul.

Cultivada desde o período colonial, a erva-mate passou de extrativismo à agricultura sistematizada. O Brasil é hoje um dos maiores produtores mundiais, com cerca de 40 mil hectares plantados e uma produção estimada em mais de 500 mil toneladas por ano. Boa parte dessa produção é exportada, especialmente para Síria, Uruguai, Chile e Líbano, onde o chimarrão (ou “mate”, como é chamado em outros países) também faz parte do cotidiano.

A planta é perene, pode atingir até 15 metros na natureza, mas é mantida entre 3 e 5 metros de altura no cultivo comercial. Precisa de sombreamento nos primeiros anos e colheita seletiva — geralmente feita manualmente — a partir do terceiro ou quarto ano.

Do campo à cuia: etapas de preparo da erva-mate

Após a colheita, a erva-mate passa por um processo que define sua qualidade final. O primeiro passo é a sapecagem, uma exposição rápida ao calor para inibir a oxidação e fixar a cor verde. Em seguida, ocorre a secagem, que reduz a umidade da folha, e a trituração, onde se obtém a granulometria desejada — algumas mais finas, outras mais grossas, com ou sem talos.

Depois, a erva passa por um período de maturação, que pode variar de 20 dias a mais de 60 dias, dependendo do perfil de sabor desejado. A maturação é fundamental para suavizar a intensidade da erva recém-colhida.

Existem diversos tipos de erva-mate para chimarrão:

  • Tradicional (mistura de folhas, ramos e pó)
  • Pura folha (sem galhos)
  • Moída grossa
  • Com ou sem açúcar (embora o verdadeiro chimarrão seja sempre sem açúcar)

Cada produtor busca equilibrar aroma, sabor e aparência, respeitando os padrões culturais e mercadológicos da região.

Foto: Divulgação

Os elementos que compõem o ritual do chimarrão

O chimarrão vai muito além da bebida: ele é um ritual. Três elementos são essenciais para sua preparação perfeita: a cuia, a bomba e a água.

A cuia tem origem no fruto do porongo (um tipo de cabaça). Após colhido, seco e esvaziado, ele é moldado, curado e por vezes entalhado artisticamente. Hoje, também existem cuias de madeira, inox ou cerâmica. A forma arredondada ajuda na concentração da erva e no controle da água.

A bomba é a peça metálica usada para sugar a infusão. Pode ser feita de inox, alumínio ou prata. O filtro na ponta inferior impede que resíduos subam. Seu formato influencia o fluxo da bebida e a ergonomia da “sorvida”.

A água, por sua vez, precisa estar entre 70°C e 80°C. Água fervente queima a erva, altera o sabor e elimina compostos benéficos. O cuidado com a temperatura é uma das marcas do bom mateador.

Tradição e ciência: benefícios e propriedades nutricionais

Comprovações científicas mostram que a erva-mate é rica em compostos bioativos: cafeína, teobromina, polifenóis, vitaminas do complexo B, potássio, cálcio e magnésio.

Seu consumo regular, com moderação, oferece efeitos antioxidantes, estimulantes, melhora da circulação, apoio ao trato digestivo e até mesmo auxílio na redução do colesterol LDL. A combinação de teobromina e cafeína age como um energético natural, sem os picos e quedas bruscas de estimulantes artificiais.

Pesquisas da Embrapa Florestas, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da UFRGS comprovam os benefícios da erva-mate e sua importância não apenas cultural, mas também funcional, podendo ser utilizada na alimentação saudável e esportiva.

Foto: Divulgação

O chimarrão e a economia do agronegócio

A cadeia produtiva da erva-mate movimenta milhares de pequenos e médios produtores no Sul do Brasil. Em muitos municípios, é a principal fonte de renda da agricultura familiar. O setor emprega mais de 200 mil pessoas direta e indiretamente, entre o cultivo, colheita, beneficiamento, transporte e comercialização.

Além da exportação, cresce o mercado interno com linhas premium de erva-mate, valorizando terroirs, processos artesanais e a rastreabilidade da produção — tendência que atrai jovens empreendedores e consumidores exigentes.

Cooperativas como a Cooperverde (SC) e a Ervateira Barão (RS) são exemplos de como o associativismo fortalece a produção, agrega valor e amplia o acesso a mercados nacionais e internacionais. O turismo rural também se beneficia: propriedades que oferecem experiências com a cultura do mate atraem visitantes do Brasil e do mundo.

Muito além do mate: preservar, valorizar e evoluir

O chimarrão é mais do que uma bebida quente servida em cuia. Ele é um símbolo vivo da diversidade cultural, da resiliência da agricultura familiar e do potencial econômico rural.

Conhecer o processo que leva a erva da mata à cuia é respeitar a ancestralidade e reconhecer o trabalho de milhares de brasileiros que sustentam essa tradição todos os dias, com suor, técnica e paixão.

Valorize quem cultiva as raízes da tradição – conheça, consuma e divulgue a produção nacional de erva-mate. O chimarrão é cultura viva. É história. É Brasil.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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