Direitos do produtor rural em meio ao surto de gripe aviária no Brasil

Os produtores rurais afetados pelo surto de gripe aviária têm direito a medidas de amparo que visam mitigar as perdas sofridas; Esses mecanismos se dividem entre esferas federal e estadual, entenda

Por Leandro Marmo* – O recente registro do primeiro caso de gripe aviária (H5N1) em uma granja comercial no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul, na última semana de maio de 2025, marca um momento crítico para a avicultura brasileira. O cenário, até então restrito a aves silvestres e criações de subsistência, alcançou a produção de escala comercial, gerando impactos profundos tanto na esfera sanitária quanto na econômica.

Desde a chegada do vírus ao Brasil em 2023, o país investigou quase 3 mil casos suspeitos, com 168 confirmações até agora, sendo 164 em aves silvestres, 3 em criações domésticas e 1 em produção comercial. O foco em Montenegro resultou na morte de quase todas as 17 mil aves da granja, sendo o restante sacrificado por medida sanitária. A reação foi imediata: implementação do Plano de Contingência, com inspeções em mais de 250 propriedades rurais, instalação de barreiras sanitárias e vigilância contínua.

No campo comercial, o impacto foi devastador. Como maior exportador mundial de carne de frango, o Brasil viu mais de 60 países suspenderem total ou parcialmente a importação do produto nacional. Embora o consumo de carne de frango e ovos continue seguro, visto que o vírus não é transmitido por meio dos alimentos, a restrição internacional impõe prejuízos bilionários ao setor.

Diante disso, os produtores rurais afetados têm direito a medidas de amparo que visam mitigar as perdas sofridas. Esses mecanismos se dividem entre esferas federal e estadual.

Indenização Federal

Produtores que tiveram suas aves abatidas compulsoriamente podem solicitar indenização ao Governo Federal, conforme previsto na Lei nº 569/1948, no Decreto nº 24.548/1934 e na Instrução Normativa nº 50/2013. Para isso, devem atender aos seguintes critérios:

  • Ser pessoa física ou jurídica brasileira com exploração pecuária cadastrada no Serviço Veterinário Estadual (SVE);
  • Apresentar documentação comprobatória e requerimento específico;

Ter seus animais diagnosticados com enfermidades passíveis de indenização — o que inclui, atualmente, a Influenza Aviária de Alta Patogenicidade.

No entanto, apesar da gravidade da situação, o documento oficial do Ministério da Agricultura ainda não menciona explicitamente a gripe aviária como doença contemplada para pagamento de indenização federal, o que deixa os produtores em uma zona de incerteza jurídica.

Diante dessa lacuna, a emergência zoossanitária no Rio Grande do Sul foi discutida na reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), realizada em Brasília. O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, participou do encontro nesta terça-feira e pediu apoio aos parlamentares para colocar em pauta o Projeto de Lei nº 4.583/2020, que prevê a criação do Fundo Nacional de Emergência Sanitária Animal. A proposta, que permitiria indenizações automáticas e estruturadas em crises sanitárias como a atual, está parada desde 2021 na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados.

A criação desse fundo seria um marco importante para agilizar os pagamentos e garantir maior segurança jurídica e financeira aos produtores em situações de emergência sanitária.

Indenização Estadual (Fundesa – RS)

O Rio Grande do Sul, por meio do Fundesa (Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal), se destaca como um dos poucos estados com mecanismos estabelecidos para ressarcimento em casos como esse. A Resolução CD nº 002/2023 prevê:

  • Cobertura para estabelecimentos avícolas comerciais, reprodutores e de subsistência (até 200 aves);
  • Pagamento de 100% do valor de mercado das aves abatidas, com base em cotação da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav);
  • Necessidade de amostragem técnica e laudos do Serviço Veterinário Oficial.

Assim, a empresa responsável pela granja em Montenegro, caso cumpra os critérios legais e sanitários, poderá ser indenizada com recursos do Fundesa, que atualmente conta com R$ 25,4 milhões destinados à avicultura.

Renegociação de Dívidas (prorrogação)

Outra via de amparo é o direito ao alongamento de débitos rurais. Com base na Súmula nº 298 do STJ e no Manual de Crédito Rural do Banco Central, os produtores podem solicitar:

  • Prorrogação de parcelas com manutenção das taxas de juros originais;
  • Isenção de multas e juros moratórios;
  • Proteção contra inclusão em cadastros de inadimplentes, como o Serasa.
  • Essa medida exige laudos técnicos, notificação formal dos credores e, em caso de negativa, possibilidade de acionamento judicial para garantir o direito.

A emergência zoossanitária em curso desafia o sistema produtivo brasileiro, mas também aciona dispositivos de apoio jurídico e econômico aos produtores rurais. É fundamental que esses profissionais estejam atentos aos seus direitos e aos procedimentos exigidos, além de manterem suas propriedades dentro dos padrões sanitários exigidos.

A mobilização de fundos como o Fundesa, aliada à possibilidade de indenizações federais, ainda sob discussão normativa, e renegociação de dívidas, representa um alívio parcial, mas necessário, para garantir a sustentabilidade da avicultura nacional em tempos de crise sanitária.

Leandro Marmo é Advogado especialista em Direito do Agronegócio, professor da pós-graduação de Direito do Agronegócio da PUC-PR, autor de obras jurídicas e CEO do João Domingos Advogados.

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