
Pela primeira vez em décadas, China deixa de comprar soja americana e reforça aposta no Brasil
A soja voltou a assumir um papel estratégico no tabuleiro da disputa comercial entre Estados Unidos e China. Pela primeira vez desde pelo menos a década de 1990, Pequim não adquiriu nenhuma carga americana no início da temporada de exportação, sinalizando que a commodity é usada como instrumento de poder econômico e geopolítico.
Segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), até 11 de setembro a China não havia reservado nenhuma remessa de soja americana, um movimento que reforça uma estratégia já utilizada durante a primeira guerra comercial sob a administração do presidente Donald Trump. Na temporada passada, os EUA responderam por cerca de 20% das importações chinesas de soja, totalizando mais de US$ 12 bilhões, e representando mais da metade das exportações americanas do grão.
Estratégia chinesa e paciência de mercado
Com estoques robustos, Pequim demonstra que está disposta a esperar, usando a soja como moeda de negociação em um contexto mais amplo de disputa comercial. Analistas como Even Pay, da consultoria Trivium China, destacam que a abordagem chinesa à soja se assemelha à usada em setores estratégicos como terras raras: “Os compradores não respondem apenas às tarifas sobre os grãos americanos, mas também ao alto grau de incerteza em relação às perspectivas de curto prazo e aos sinais políticos claros de que Pequim não quer que as compras ocorram sem aprovação oficial.”
Enquanto isso, nos Estados Unidos, os produtores enfrentam preços historicamente baixos, reflexo de colheitas abundantes e da retração da demanda chinesa. A soja, que representa um bloco eleitoral importante para Trump, é agora foco de alerta sobre um possível “precipício comercial e financeiro”, com produtores pressionando o governo a negociar a redução de tarifas sobre os grãos. Atualmente, a soja americana destinada à China sofre tarifas superiores a 20%.
O Brasil como alternativa estratégica
Do outro lado do Pacífico, a situação é mais tranquila. Os esmagadores, produtores de ração e criadores de suínos chineses aumentaram suas compras do Brasil para garantir suprimento até o final de 2025, enquanto reservas estaduais oferecem um amortecedor adicional. Com isso, a demanda urgente pela soja americana é, ao menos temporariamente, transferida para 2026.
O clima favorável à soja brasileira impulsionou o protagonismo do país como fornecedor global confiável, consolidando a posição estratégica do Brasil no comércio internacional do grão. Especialistas alertam que qualquer interrupção nas colheitas sul-americanas, seja por clima ou logística, poderia gerar pressão sobre os estoques chineses e elevar a dependência futura de Estados Unidos e Brasil.
Impactos econômicos e geopolíticos
A decisão chinesa de reduzir compras não se limita à soja. O país também diminuiu importações de milho, trigo e sorgo americanos, mantendo-se comprador de grãos de Brasil, Canadá e Austrália. Essa diversificação atende a um objetivo estratégico: reduzir a dependência de fornecedores americanos e mitigar riscos geopolíticos.
Para os produtores dos EUA, o efeito é imediato: menor demanda, preços em queda e necessidade de adaptação a um cenário de incerteza prolongada. Por outro lado, a China consegue negociar em condições vantajosas, acumulando estoques e controlando os impactos sobre os preços internos do farelo de soja, um insumo essencial para sua indústria de ração animal.
Andy Rothman, ex-diplomata e consultor, ressalta que a soja continuará sendo tema central nas negociações comerciais futuras, com compromissos mais realistas substituindo as metas ambiciosas da Fase Um do acordo comercial. Pequim já sinalizou certa flexibilidade em setores específicos, como petróleo e tecnologia, mas mantém a agricultura como prioridade estratégica.
Riscos e expectativas para o mercado
Embora a estratégia chinesa seja eficaz no curto prazo, ela não é isenta de riscos. Os preços da soja brasileira já registram alta expressiva em 2025, e qualquer falha na colheita sul-americana poderia forçar Pequim a recorrer às reservas estratégicas antes do previsto. Por outro lado, se Pequim retomasse compras em larga escala de soja americana repentinamente, haveria risco de excesso de oferta e queda nos preços internos do farelo de soja, prejudicando a estratégia de estocagem planejada pelos esmagadores.
Mesmo diante da retração americana, especialistas apontam que os Estados Unidos permanecem fornecedores eficientes e competitivos. A diferença agora está nas tarifas elevadas e na incerteza política, que tornam a soja americana menos atraente para a China, mesmo sendo economicamente vantajosa.
Escrito por Compre Rural com informações da Bloomberglinea.
VEJA MAIS:
- Pesquisa comprova alta qualidade da carne do Wagyu mesmo com redução na idade de abate
- Passo a passo para acessar crédito rural sem dor de cabeça
ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
Quer ficar por dentro do agronegócio brasileiro e receber as principais notícias do setor em primeira mão? Para isso é só entrar em nosso grupo do WhatsApp (clique aqui) ou Telegram (clique aqui). Você também pode assinar nosso feed pelo Google Notícias
Não é permitida a cópia integral do conteúdo acima. A reprodução parcial é autorizada apenas na forma de citação e com link para o conteúdo na íntegra. Plágio é crime de acordo com a Lei 9610/98.