
A mudança de paradigma é evidente: o fogo deixa de ser tratado como um problema reativo e passa a ser abordado como um fenômeno ambiental previsível e gerenciável.
Com o agravamento das mudanças climáticas e o aumento expressivo dos focos de incêndio em regiões sensíveis como o Pantanal e o Cerrado, o Brasil tem passado por uma transformação profunda em sua legislação ambiental.
A resposta do Estado tem sido clara: endurecer regras, ampliar sanções e exigir dos produtores rurais uma atuação cada vez mais ativa na prevenção de riscos ambientais.
Um marco recente dessa mudança foi a criação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, sancionada pelo presidente da República em 31 de julho de 2024, em Corumbá-MS, por meio da Lei nº 14.944/2024.
A nova lei estabeleceu diretrizes nacionais para o controle do uso do fogo em áreas naturais e produtivas, promovendo uma gestão de risco integrada entre União, estados, municípios e o setor privado.
A mudança de paradigma é evidente: o fogo deixa de ser tratado como um problema reativo e passa a ser abordado como um fenômeno ambiental previsível e gerenciável, cuja prevenção deve ser planejada e compartilhada entre todos os agentes envolvidos.
Prevenir deixou de ser recomendação: virou dever legal
Logo após a sanção da lei, vieram regulamentações ainda mais rígidas. O Decreto Federal nº 12.189/2024, de setembro, ampliou significativamente as penalidades para incêndios em vegetação nativa, prevendo multas que podem ultrapassar R$ 10 milhões.
Mais importante: o decreto passou a punir também a omissão, responsabilizando os proprietários que não implementarem medidas de prevenção, como aceiros, brigadas de incêndio e planos de resposta.
Esse entendimento foi reforçado pela publicação da Medida Provisória nº 1.276/2024, em novembro, que promoveu ajustes pontuais, mas decisivos, na Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo.
Um dos principais avanços foi a inclusão do artigo 46-A, que deixou absolutamente claro que a ocorrência de incêndio em vegetação nativa não altera o status jurídico de proteção da área.
Em outras palavras, se uma floresta ou mesmo uma pastagem nativa for atingida pelo fogo – independentemente da culpa ou da origem do incêndio – a área continua protegida ambientalmente por lei.
Essa medida vem combater informações equivocadas que circularam em épocas de queimada, alegando que bastaria incendiar para, em seguida, liberar a área para atividade agropecuária. A nova redação legal afasta de forma definitiva esse entendimento.
A MP também autoriza o Fundo Nacional do Meio Ambiente a destinar recursos para ações de prevenção e combate a incêndios florestais e reforça a exigência de que todas as propriedades rurais mantenham planos de prevenção e controle de incêndios atualizados.
Estados adotam medidas próprias: o caso de Mato Grosso do Sul
Com base nesse novo arcabouço legal, estados também começaram a adotar medidas próprias. Em 27 de março de 2025, o Governo de Mato Grosso do Sul decretou, por meio do Decreto “E” nº 10, o estado de emergência ambiental por 180 dias em todo o território estadual, com foco no Pantanal.
A medida antecipa-se ao período crítico de estiagem e determina a adoção obrigatória de medidas preventivas, como:
• Construção de aceiros com largura mínima de 50 metros ao longo de estradas e pontes (art. 6º);
• Autorização para aceiros de até 50 metros em divisas entre propriedades, desde que cumpridos critérios técnicos e obtenção de licenças ambientais (art. 7º);
• Proibição de queimadas controladas durante o período da emergência.
Essas medidas têm respaldo técnico e jurídico em normas estaduais anteriores, como o Decreto nº 15.654/2021 e a Norma Técnica nº 45/2021 do CBMMS, mas ganham agora um novo peso diante do cenário climático e normativo.
Ibama inicia notificações formais aos produtores
Complementando esse esforço, o IBAMA publicou o Edital de Notificação nº 24/2025, no Diário Oficial da União de 30 de abril. A notificação listou centenas de propriedades rurais, principalmente em Corumbá-MS, informando nominalmente os proprietários, nomes das fazendas e inscrições no Cadastro Ambiental Rural (CAR), com o objetivo de formalizar o dever de prevenção individual.
Com base em dados de satélite e cruzamento de informações fundiárias, a notificação avisa: a omissão de conduta preventiva poderá gerar autuação imediata, sem necessidade de ocorrência prévia de incêndio. Ou seja, não é mais o dano que ativa a sanção – é a ausência de ação preventiva.
Os proprietários notificados devem cumprir obrigações como:
• Construção e manutenção de aceiros estratégicos;
• Formação e capacitação de brigadas de incêndio;
• Aquisição de equipamentos de combate a incêndio (abafadores, EPIs, etc.);
• Monitoramento contínuo da área e cooperação entre vizinhos.
STF impõe penalidade máxima: desapropriação
Se o Executivo e o Legislativo já vinham avançando na responsabilização ambiental, o Judiciário agora deu um passo além, com uma decisão inédita e polêmica do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em decisão recente, o STF determinou que a União deve desapropriar imóveis rurais degradados por desmatamento ilegal ou incêndios criminosos, retirando a posse de quem descumpriu a função social da terra. A ideia é que essas áreas sejam destinadas à reforma agrária ou projetos de recuperação ambiental.
Embora o impacto simbólico da medida seja significativo, é necessário fazer uma crítica responsável e técnica: não há hoje qualquer regulamentação que permita aplicar esse tipo de desapropriação de forma segura e objetiva.
O voto do relator, ministro Flávio Dino, avança para além do texto constitucional ao sugerir uma modalidade de desapropriação punitiva sem lei específica que discipline seus critérios, procedimentos e garantias.
Isso transfere para o Poder Executivo a tarefa de interpretar e aplicar uma decisão sem amparo legal claro, abrindo margem para insegurança jurídica, conflitos fundiários e arbitrariedades.
A decisão ainda ignora variáveis essenciais, como: Ocupações de má-fé por terceiros; Falhas do Estado na fiscalização prévia; Ausência de perícias técnicas conclusivas; Casos de regeneração ambiental possível e documentada.
Sem regulamentação, esse tipo de medida corre o risco de atingir pequenos produtores e comunidades tradicionais, que podem ser penalizados injustamente, enquanto os verdadeiros causadores do dano escapam da responsabilização adequada.
É uma medida com aparência de rigor, mas com eficácia limitada e potencial discriminatório, que fragiliza o Estado de Direito no campo.
O que fazer: prevenção é o único caminho
Diante dessa nova realidade – normas mais duras, fiscalização ativa, decisões judiciais de efeito direto sobre a posse – o produtor rural precisa atuar com planejamento, técnica e documentação.
As principais ações recomendadas são:
• Mapeamento das áreas de maior risco com uso de drones, imagens de satélite e sensoriamento remoto;
• Implantação de aceiros técnicos e autorizados, mantidos ao longo do ano;
• Plano de Prevenção e Combate a Incêndios, com treinamento de equipe e protocolos de resposta rápida;
• Monitoramento contínuo da propriedade, com registros fotográficos, relatórios e laudos técnicos;
• Documentação de todas as ações preventivas, demonstrando diligência e boa-fé em fiscalizações e disputas legais.
Investir em prevenção é muito mais barato – e seguro – do que enfrentar multas, embargos, ações civis públicas, indenizações ou, agora, a perda da terra por decisão judicial.
Por fim, vale comentar o projeto Fazenda Mais Segura que surge como uma iniciativa estratégica para orientar produtores rurais na adoção de práticas preventivas, gestão de risco ambiental e proteção jurídica do patrimônio rural.
Com foco em soluções práticas e linguagem acessível, o projeto disponibiliza gratuitamente um eBook que reúne orientações técnicas, modelos de plano de prevenção, orientações sobre aceiros, documentação e preparação de brigadas.
O material é indicado para produtores, técnicos, advogados e gestores do setor rural e pode ser acessado em: https://grupoproducaocoletiva.rds.land/programa-fazenda-mais-segura-fazenda-mais-verde
Fonte: Scot Consultoria
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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