Os eleitores argentinos votam no primeiro turno das eleições presidenciais neste domingo (22). A votação deve marcar um novo momento do país, com uma reconfiguração das principais forças políticas da Argentina.
Para analistas, a era da política argentina em que a polarização foi marcada por uma disputa entre candidatos ligados aos Kirchner e seus adversários termina. Há um consenso de que o Estado deverá passar por reformas, mas a intensidade e a forma como essas reformas serão feitas vão depender de quem será o presidente eleito.
Segundo Federico Zapata, diretor da consultoria Escenarios, a organização política atual da Argentina teve início em 2003, com a eleição de Nestor Kirchner, e deve ser alterada agora porque nenhum dos candidatos, nem mesmo o que representa o governismo, defende o continuísmo. “É o fechamento de uma época que teve uma série de pilares econômicos, culturais e políticos, e o que está em votação é a forma como vai acabar essa época, se isso será de uma forma mais ou menos radical”, afirma ele.
Além disso, também está em jogo o que deverá acontecer com a economia do país nos próximos 10 ou 15 anos, de acordo com a cientista política Maria Esperanza Casullo, professora da Universidad Nacional de Río Negro.
Em agosto, houve as primárias, que são obrigatórias para todas as coligações. Um dos objetivos dessa votação é tirar do pleito os candidatos nanicos e manter só os que realmente têm chances. Além disso, as primárias são consideradas uma espécie de ensaio para o que deve acontecer no primeiro turno. O resultado deste ano foi quase um empate triplo:
- Javier Milei, deputado federal de extrema direita, em primeiro, com 29,86%;
- A coligação de Patricia Bullrich, ex-ministra de Segurança de Macri, em segundo com 28%;
- A frente política de Sergio Massa, o atual ministro da Economia, em terceiro com 27,27% (leia os perfis dos três candidatos mais abaixo).
Os resultados das primárias não foram previstos pelas pesquisas eleitorais. O jornal espanhol “El País” fez uma compilação das pesquisas para o primeiro turno A maioria das pesquisas aponta que Milei deve ficar em primeiro, mas há muita variação — entre as 10 últimas, 7 apontam que Milei fica em primeiro lugar, e 3 dizem que é Massa. A tendência é que a eleição vá para o segundo turno.
O que está em jogo
A reconfiguração das forças políticas
Desde 2003, a política argentina é dividida entre apoiadores e adversários de uma vertente de esquerda do peronismo (ou seja, herdeiros políticos de Juan Domingo Perón, que foi presidente da Argentina três vezes durante o século 20).
Em 2003, o país elegeu o esquerdista Nestor Kirchner. A mulher dele, Cristina, venceu as duas eleições seguintes. O kirchnerismo é considerado a corrente dominante do peronismo nos últimos 20 anos.
Neste período, as eleições presidenciais foram marcadas por disputas entre um kirchnerista e um opositor, geralmente ligado à direita mais tradicional. Um único presidente de direita foi eleito, Maurício Macri, que governou entre 2015 e 2019.
Em 2023 a escolha não é entre um candidato kirchnerista versus um antikirchnerista porque há três candidatos com chances reais de serem eleitos:
- O candidato ligado aos Kirchner é Sergio Massa;
- Patricia Bullrich é a candidata da direita tradicional;
- Javier Milei representa uma nova força política.
O kirchnerismo está enfraquecido a ponto ter sido obrigado a aceitar Sergio Massa como seu candidato –Massa já foi adversário dos Kirchner (em 2015, ele concorreu à presidência como um peronista não kirchenrista). Carlos Pagni, um dos principais analistas políticos da Argentina, afirma que Massa é o que há de mais ortodoxo no atual grupo que está no governo. Em sua campanha, ele apareceu poucas vezes com Cristina.
Milei é contra todos os políticos tradicionais, inclusive os não kirchneristas — ele faz campanha política justamente em cima disso, ao chamar todos os adversários de “casta” (um de seus slogans diz que “a casta tem medo”).
Segundo a professora Maria Esperanza Casullo, a presença de Milei também marca a entrada em cena de um populista de direita que se diz “outsider”, no estilo de Donald Trump (Estados Unidos), Jair Bolsonaro (Brasil) e Nayib Bukkele (El Salvador).
Além disso, ele é caricato: ele diz que não penteia os cabelos (um de seus apelidos é Peruca e, também por causa do penteado, uma “juba”, ele usa a imagem de um leão em sua campanha) e já deu diversas declarações chamativas sobre questões privadas.
A inflação descontrolada
Nos últimos 12 meses, o IPC, o índice de preços oficial, teve alta de 138%. A inflação corroeu o poder de compra dos argentinos e, hoje, há um consenso de que uma forma de tentar combater o problema é reduzindo o tamanho do Estado. Isso porque uma das causas da inflação é a emissão de moedas.
O governo emite moeda para se financiar, e isso aumenta a quantidade de pesos na economia de uma forma tão intensa que o câmbio perde valor.
Há um certo consenso entre os candidatos que é preciso diminuir o tamanho do Estado, mas os três divergem na intensidade e na forma desse corte. “O programa de Massa seria um ajuda mais gradual com resguardos para os programas sociais. Milei fala em diminuir o Estado em cerca de 15% do PIB e provavelmente sem pensar nas consequências sociais”, diz Casullo.
De acordo com Federico Zapata, da consultoria Escenarios, Patricia Bullrich tem uma proposta intermediária, mas ela afirma que a candidatura dela tem a racionalidade técnica e que uma gestão dela teria governabilidade para fazer reformas que Milei não conseguiria.
A dolarização
A moeda americana é usada na Argentina –por exemplo, é comum que compra e venda de imóveis e pagamento de aluguel sejam operações em dólares em papel. Sem dólares, esses mercados ficam travados.
O problema é que faltam dólares na Argentina. O país tem poucas reservas internacionais de dinheiro porque ficou anos fora do mercado de emissão de dívida nacional e, por causa de uma seca severa, as exportações caíram muito.
O governo tem restringido o acesso a dólares (essas medidas de restrição são chamadas de “cepo”).
Milei, o candidato de extrema direita, já afirmou que pretende dolarizar a economia, mas não colocou isso no plano de governo dele.
Segundo Casullo, a professora da Universidad Nacional de Río Negro, Milei fala da dolarização com uma ambiguidade estratégica, porque ele nunca se expressa claramente, e os assessores já deram sinais contrários ao plano. “Ele nunca diz como essa dolarização aconteceria, qual seria o valor de referência ou os prazos da mudança, e esses sinais confusos permitem que a dolarização seja uma promessa, mas, ao mesmo tempo, se não ocorrer em um eventual governo dele, ele possa negar que tenha se comprometido com a dolarização”, diz ela.
Patricia Bullrich, a candidata da direita tradicional, já afirmou que o plano de dolarizar a economia é inviável.
A violência
O tema da violência é um dos mais importantes das eleições. Nos últimos anos houve alguns episódios chamativos de violência, especialmente na cidade de Rosário, onde há disputas pelo controle de tráfico de drogas, e na região metropolitana de Buenos Aires, onde houve uma onda de saques a lojas.
Bullrich, a candidata da direita tradicional, já foi ministra da Segurança, e afirma que vai implementar uma política de pouca tolerância e encarceramento em massa para lidar com o tema (em um dos seus vídeos de campanha, ela apresentou uma maquete de uma mega-prisão; no fim, aparece uma placa da maquete onde se lê que o nome da instituição seria “Cristina Kirchner”).
A candidatura de Milei aborda o tema de duas formas. Uma delas é a proposta do próprio Milei de facilitar o acesso às armas.
Com informações do G1
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