Erva-mate tem potencial para conciliar geração de renda, descarbonização e conservação da Mata Atlântica

Foram debatidas possibilidades de novos usos à espécie, nativa da Mata Atlântica, com foco na geração de renda nos estados do Sul do país, especialmente Rio Grande do Sul e Paraná. 

O papel da erva-mate na conservação da mata atlântica e suas contribuições para a descarbonização foram tema de um painel na tarde do último domingo (16), na AgriZone, a Casa da Agricultura Sustentável. Também foram debatidas possibilidades de novos usos à espécie, nativa da Mata Atlântica, com foco na geração de renda nos estados do Sul do país, especialmente Rio Grande do Sul e Paraná. 

Erva-mate pode estocar cerca de 80 toneladas de carbono no solo por hectare

O engenheiro florestal da Seapi e coordenador do Plano ABC+ RS, Jackson Brilhante, apresentou os resultados de dois estudos sobre o papel da cadeia ervateira no contexto das mudanças climáticas. A partir da avaliação do balanço de carbono em sistemas de produção de erva-mate, afirmou que a cultura apresenta baixo volume de emissões, sendo, inclusive, sumidouro quando inserida em sistemas florestais nativos.

Aquecimento global e práticas de manejo impactam pegada hídrica na produção leiteira

Em sistemas de cultivo sombreados, Brilhante demonstrou que os estudos indicam estoque de cerca de 80 toneladas de carbono no solo por hectare de mata nativa, considerando profundidade de até 30 cm. “Isso mostra a importância, além da erva-mate, do componente nativo. Os sistemas sombreados têm enorme potencial diante desses eventos extremos, especialmente no Rio Grande do Sul”, avaliou.

Com relação ao segundo estudo, de 2021, compartilhou dados de análises que demonstraram o que chamou de “vida invisível da erva-mate”: a presença de 595 gêneros de bactérias e de 659 espécies de fungos no solo. “Além de sequestrar carbono, a cultura tem toda uma biodiversidade”, acrescentou.

Pacto pelo Mate visa mobilizar cadeia produtiva para mercado de carbono

A erva-mate também representa um ativo de descarbonização na agricultura para Rodrigo Castro, diretor de País na Solidaridad Network. A fundação é uma organização internacional sem fins lucrativos voltada ao desenvolvimento de cadeias produtivas inclusivas e sustentáveis. Ele valorizou as contribuições, especialmente da produção em sistemas sombreados, para captura de carbono, redução de emissões, aumento de produção e criação de microclima favorável.

Um programa para revitalizar e fortalecer o setor ainda foi anunciado por Rodrigo durante o painel. O Pacto pelo Mate busca promover o desenvolvimento territorial rural e impulsionar a recomposição da paisagem por meio da restauração produtiva e do manejo sustentável da erva-mate. “É um grande mutirão setorial para alavancar o setor, dada a importância que tem para a economia do Sul”, avaliou. A partir de 2026, mais de 2,5 mil produtores e cerca de dez mil hectares serão conectados ao mercado de carbono por meio de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), retornando em assistência técnica.

Cultura apresenta multiplicidade de potenciais

Segundo a pesquisadora da Embrapa Florestas (PR), Josileia Zanatta, a erva-mate é muito próxima do agricultor e tem potencial para causar impactos positivos à agricultura familiar. A cultura representa um dos principais produtos não-madeireiros, sendo explorada tanto em sistemas florestais adensados junto à floresta nativa, como em sistemas plantados.

Em ambos os casos, apresenta potencial com relação à produtividade, que tem média de 7 toneladas por hectare. Ervais com adoção de tecnologias e bem-manejados podem ter média superior a 20 toneladas por hectare. Os potenciais também são de usos, que podem ser voltados à indústria farmacêutica, à alimentação e à formulação de cosméticos.

No contexto das emissões de gases geradores de efeito estufa (GEE), a erva-mate já tem sido estudada para redução das emissões de metano entérico por animais. A qualidade do manejo também implica na redução de emissões, especialmente no que diz respeito à fertilização e ao uso de combustíveis fósseis. Uma calculadora desenvolvida pela Embrapa, a Carbon Matte, tem ajudado o setor produtivo nos cálculos de sequestro e emissão de carbono pela cultura. 

Em análises realizadas em 93 propriedades no Rio Grande do Sul e Paraná em 2024-2025, o estoque de carbono pela cultura girou entre 150 a 176 toneladas por hectare no Rio Grande do Sul e em torno de 184 toneladas por hectare no Paraná. “Que possamos descarbonizar pensando nos produtos da nossa biodiversidade, especialmente na nossa querida erva-mate”, disse.

Busca pelo reconhecimento da “água de floresta” gaúcha

A carioca de nascimento e gaúcha de coração Ariana Maia, da Associação dos Produtores e Parceiros da Erva-Mate do Alto Taquari (Appemat), abordou as novas possibili

dades para a erva-mate, oferecendo chimarrão, mate gelado e o primeiro aguardente do fruto da erva-mate aos ouvintes do painel. “Já que estamos falando de sustentabilidade, precisamos trabalhar com a bioeconomia também nas florestas. E no caso da erva-mate, não é só folha, é fruto também”, disse. 

Para ela, a erva-mate – conhecida como “água da floresta” pelos indígenas – representa uma salvaguarda para a Mata Atlântica, que ocupa cerca de 15% do território nacional. Sobre a valorização dos produtos, mencionou que a meta é buscar uma Denominação de Origem (DO) à erva-mate gaúcha, especialmente da região do Alto do Taquari – selo que indica que as características do produto sejam influenciadas por condições específicas da região produtora. “Trabalhamos para traduzir uma identidade singular para a nossa erva-mate, com características sensoriais e químicas resultantes de interação de solo, clima, manejo, processo industrial… baseado no saber fazer que já vem de gerações no estado “, justificou.

Classificação e certificação abrem mercados sustentáveis

O gerente de classificação e certificação da Emater/RS-Ascar, Mateus Rocha, destacou as etapas e benefícios desse processo, como padronização e competitividade; abertura de novos mercados; e mais confiança e segurança ao produto. O trabalho visa orientar os produtores e as ervateiras em processos ligados a Boas Práticas Agropecuárias (BPAs); secagem e armazenamento; padronização; e qualidade. Cerca de 150 itens condicionam a concessão de certificação.

Os painelistas ainda reforçaram que a erva-mate, entre os produtos florestais não-madeireiros, fica apenas atrás do açaí em participação no Produto Interno Produto (PIB) do País. “Ao vir para o Norte, aprendemos a ver a cadeia da erva-mate como cadeia de valor, não apenas produtiva, com pessoas que precisam ser atendidas. Saímos daqui com a missão de olhar para quem está produzindo”, afirmou Mateus, em referência às experiências observadas com os açaizais.

A diretora do departamento de biodiversidade da Secretaria de Meio Ambiente (Sema), Cátia Gonçalves, ao explicar que a secretaria é responsável pela legalização dos manejos passíveis de licenciamento, demonstrou preocupação com o uso sustentável da biodiversidade e da floresta em pé. “O  manejo precisa ser qualificado e a colheita adequada para não gerar insegurança nos processos seguintes”, disse. Para ela, a certificação florestal garante ganho ambiental e ganho financeiro ao produtor que está recuperando as áreas, além da segurança jurídica.

Ervais como ferramentas de resiliência climática

A mediação do painel foi do secretário-adjunto de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) do Rio Grande do Sul, Márcio Madalena. “É uma cultura aliada do clima, que traz benefícios para produtores e florestas; e é fundamental no processo de resiliência climática que estamos passando”, afirmou. O painel também contou com a participação do meteorologista Flávio Varone, coordenador do Sistema de Monitoramento e Alertas Agroclimáticos (Simagro-RS), que abordou alguns estudos agrometeorológicos ligados à cultura.

Fonte: Embrapa

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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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