Essa é a história pouco conhecida por trás do Rei do Ovo: o apoio estratégico do BNDES

Empresário bilionário, ele construiu um dos maiores impérios agroindustriais do país combinando ousadia, expansão e, sobretudo, apoio estratégico do financiamento público

No Brasil, onde o agronegócio representa mais de 24% do PIB e alimenta o mundo com soja, carne e ovos, é comum que grandes histórias empresariais se entrelacem com políticas públicas. Um dos exemplos mais emblemáticos,e recentes, é o de Ricardo Faria, conhecido como o Rei do Ovo. Empresário bilionário, ele construiu um dos maiores impérios agroindustriais do país combinando ousadia, expansão e, sobretudo, apoio estratégico do financiamento público.

Entre 2007 e 2024, suas empresas receberam pelo menos 71 financiamentos junto ao BNDES, totalizando R$ 132 milhões em valores atualizados, em condições subsidiadas. Ainda assim, Faria tem se colocado publicamente como crítico de programas sociais como o Bolsa Família, posicionamento que reacendeu o debate sobre o papel do Estado no fomento ao desenvolvimento. Mas antes da polêmica, existe uma longa história de empreendedorismo, transformação e estratégia de negócios que vale ser contada em detalhes.

Quem é Ricardo Faria? A mente por trás de três impérios empresariais

Nascido em família simples, Ricardo Faria iniciou sua trajetória empreendedora ainda criança. Aos 8 anos, vendia picolés e laranjas nas ruas, o que ele próprio cita como a origem do seu “espírito comercial”. A primeira grande virada veio aos 20 anos, quando fundou a Baslave, empresa de lavanderia industrial que depois daria origem à Lavebras Gestão de Têxteis.

Rei do Ovo construiu seu império com R$ 132 milhões em recursos públicos
Foto: Arquivo pessoal

A Lavebras tornou-se líder nacional no segmento de locação e higienização de roupas para hospitais, hotéis e indústrias. Seu modelo de negócio era baseado em alta logística, contratos de longo prazo e equipamentos industriais de última geração. Em 2017, a companhia foi vendida por impressionantes R$ 1,3 bilhão à multinacional francesa Elis, em uma das maiores transações do setor à época.

Com os recursos da venda, Faria redirecionou seu foco para o agronegócio.

A Granja Faria e o trono do ovo

Em 2006, ele fundou a Granja Faria S.A., que hoje é a maior produtora de ovos férteis, comerciais e pintinhos do Brasil. Com operações em diversos estados e estrutura verticalizada, a empresa abastece tanto o mercado interno quanto o setor de incubatórios e genética avícola.

Com forte investimento em tecnologia, rastreabilidade e biosseguridade, a Granja Faria é responsável por milhares de toneladas de proteína por ano e emprega cerca de 4 mil pessoas diretamente. É um exemplo clássico de como o Brasil se consolidou como potência na cadeia de proteína animal, com escala, eficiência e competitividade.

A entrada no agro extensivo: nasce a Terrus

Já em 2021, o empresário fundou a Terrus S.A., voltada à produção de grãos na região conhecida como Matopiba, fronteira agrícola em expansão que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A nova empresa tem foco na produção em larga escala de soja e milho, aproveitando o avanço tecnológico e o acesso a grandes áreas de cultivo com custo competitivo.

Apenas um ano após a fundação, a Terrus obteve R$ 66 milhões em financiamentos do BNDES, aplicados majoritariamente via Finame, programa voltado à aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas industrializados.

O financiamento público que viabilizou a escalada

De acordo com dados disponíveis no site do BNDES, as empresas de Ricardo Faria realizaram 71 operações de crédito entre 2007 e 2024:

  • 29 operações pela Granja Faria: R$ 54,5 milhões
  • 39 operações pela Lavebras: R$ 11 milhões
  • 3 operações pela Terrus: R$ 66 milhões

Grande parte dos recursos foi obtida com taxas subsidiadas médias de 4,9% ao ano, muito abaixo dos juros de mercado. Esses valores foram fundamentais para:

  • Ampliação de unidades produtivas
  • Automatização de granjas e lavouras
  • Aquisição de tratores, silos, máquinas industriais e sistemas de irrigação
  • Expansão da capacidade logística e operacional

Em nota à imprensa, Rei do Ovo minimizou a importância do BNDES, afirmando que os recursos representam “menos de 1%” do capital total do grupo. No entanto, os dados mostram que o apoio estatal foi decisivo em momentos-chave de expansão.

A polêmica do Bolsa Família e o debate sobre coerência

Em junho de 2025, Rei do Ovo deu declarações à Folha de S. Paulo afirmando que “pobres estão viciados no Bolsa Família” e que esse seria um dos fatores que dificultam a contratação de mão de obra. “Está um desastre no Brasil”, disse, criticando o programa social de transferência de renda mais relevante do país.

As falas geraram reação imediata. Muitos apontaram a contradição entre criticar a política pública social enquanto se beneficia de financiamento público empresarial. O episódio acendeu um debate importante sobre a função do Estado: afinal, o crédito para empresas e o auxílio para famílias não são ambos ferramentas de desenvolvimento?

Rei do Ovo construiu seu império com R$ 132 milhões em recursos públicos
Rei do Ovo. Foto: Divulgação

O que esse caso revela sobre o agro brasileiro?

O setor agroindustrial brasileiro é dinâmico, altamente competitivo e referência mundial. Mas sua construção depende de um ecossistema bem articulado, que envolve:

  • Capital público e privado
  • Políticas de fomento
  • Gestão técnica de alto nível
  • Cadeias produtivas integradas

Casos como o de Ricardo Faria mostram que acessar linhas de crédito subsidiado é legítimo e, muitas vezes, essencial para acelerar o crescimento. No entanto, essa realidade não está igualmente disponível para todos. Pequenos e médios produtores rurais muitas vezes enfrentam dificuldade de acesso, falta de garantias ou desconhecimento técnico.

Por isso, o debate precisa ser qualificado: o problema não é o crédito, é a concentração, a incoerência no discurso e a falta de democratização dos instrumentos disponíveis.

Rei do Ovo: mais do que mérito — estratégia, crédito e coerência

Ricardo Faria é, sem dúvida, um empresário talentoso e estrategista, se consagrando como Rei do Ovo. Mas sua ascensão no agro brasileiro está diretamente conectada a mecanismos estatais de fomento, como o BNDES Finame. Isso não tira seu mérito. Pelo contrário: mostra que o Brasil é capaz de construir gigantes produtivos quando há acesso ao crédito, visão empresarial e políticas bem calibradas.

Porém, é fundamental que quem se beneficia dessas políticas reconheça sua importância, incentive o fortalecimento de instituições públicas e contribua para um debate mais honesto sobre o papel do Estado, tanto para o empreendedor quanto para quem vive em vulnerabilidade social.

Escrito por Compre Rural

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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