Estudo inédito mostra como o ‘ouro do agro’ chegou ao Brasil

Um novo estudo, publicado na Science Advances, revela detalhes inéditos sobre a chegada do milho – conhecido como ‘ouro do agro’ – ao território brasileiro e sua trajetória de domesticação.

Há milhares de anos, o milho, conhecido como “ouro do agro”, ocupa um lugar central nas culturas indígenas das Américas, incluindo o Brasil. Mais do que um simples alimento, o cereal carrega significados profundos, sendo parte essencial de rituais e da dieta de diversas etnias, como os Guarani Mbya, que o consideram sagrado. Um novo estudo, publicado na Science Advances, revela detalhes inéditos sobre a chegada do milho ao território brasileiro e sua trajetória de domesticação.

É o grão mais produzido em escala mundial, em grande parte como alimento na pecuária e com presença notável na alimentação humana. Essa relevância faz com que arqueólogos e geneticistas hoje investiguem a origem, a dispersão e os processos de domesticação por quais o milho passou desde a origem da agricultura nas Américas.

A jornada milenar do milho até o Brasil

O estudo indica que o milho, originário do México há cerca de 9 mil anos, teria chegado à Amazônia brasileira há aproximadamente 6 mil anos. Ao contrário do que se pensava, ele chegou em uma fase de domesticação apenas parcial e passou por diversas adaptações e processos de seleção ao longo dos séculos. “Essa descoberta muda o que acreditávamos sobre a domesticação do milho, que não foi finalizada no México como muitos defendiam”, explica Flaviane Costa, geneticista e primeira autora do estudo.

A equipe analisou amostras arqueológicas encontradas em Minas Gerais, que datam de 570 a 1010 anos atrás, e descobriu que essas espigas possuem características muito similares às do primeiro milho plantado nas Américas. “Estamos diante de algo totalmente novo“, destaca o arqueólogo Tiago Hermenegildo, reforçando a importância da pesquisa, que oferece novas respostas sobre a história agrícola do continente.

O teosinto, como essas amostras da Universidade Harvard, corresponde à forma ancestral do milho. Flaviane Costa / USP

Isso não significa que a domesticação inicial se tenha completado na Amazônia. Atualmente, existem cerca de 300 raças de milho no continente americano. Delas, 15 são brasileiras, divididas em 19 sub-raças, das quais quatro são nativas, associadas aos indígenas, e são chamadas de Entrelaçado, Caingang, Avati Moroti e Lenha.

Raízes brasileiras e variedades nativas

No Brasil, o milho se diversificou em 15 raças, divididas em 19 sub-raças, das quais quatro são consideradas nativas: Entrelaçado, Caingang, Avati Moroti e Lenha. Essas variedades são cultivadas até hoje por agricultores tradicionais e povos indígenas.

O estudo comparou essas raças com as amostras arqueológicas e traçou paralelos que ajudam a entender o processo de migração do milho no continente. “As semelhanças entre o milho moderno e as amostras arqueológicas comprovam que a história do milho no Brasil é única e rica em diversidade”, comenta Costa.

Milho arqueológico encontrado em Minas Gerais preserva características antigas. Fábio de Oliveira Freitas / Embrapa

A novidade, ao lado de dados comparativos levantados pelos autores, indica que o milho ainda não estava completamente domesticado quando chegou ao Brasil. “O artigo é disruptivo porque, até 2018, se pensava que toda a domesticação do milho havia ocorrido no México”, afirma Costa. “Havia um imenso vazio de dados para as terras baixas da América do Sul, que são as regiões do continente abaixo de 1.500 metros de altitude.”

A preservação das raças nativas: um desafio atual

Além de reescrever parte da história do milho, o estudo levanta um alerta sobre a necessidade de preservar as raças nativas brasileiras. As variedades locais enfrentam riscos devido à falta de políticas públicas adequadas e ao avanço das monoculturas modernas.

Para Costa, proteger essas raças é essencial não apenas para a biodiversidade, mas também para valorizar o legado dos povos indígenas e suas práticas agrícolas. “O desaparecimento dessas variedades seria uma perda incalculável, tanto cultural quanto geneticamente”, enfatiza a pesquisadora.

Pinturas rupestres em cavernas do Peruaçu indicam que milho e buriti faziam parte da vida dos povos que habitavam a região. Fábio de Oliveira Freitas / Embrapa

Impacto na ciência e no agronegócio

O estudo, ao mesmo tempo em que ilumina o passado, oferece implicações diretas para o futuro do agronegócio brasileiro. Ao identificar variedades primitivas do milho, a pesquisa pode servir de base para o desenvolvimento de novos cultivos mais resistentes e adaptados às condições climáticas e de solo do Brasil. “As populações indígenas, ao longo de milênios, realizaram um processo de seleção e adaptação que merece ser reconhecido e preservado”, conclui Hermenegildo.

Este estudo inovador revela como o milho, desde suas primeiras raízes nas Américas, se tornou o grão mais produzido no mundo, fundamental tanto para a alimentação humana quanto animal, e continua a ser peça-chave no cenário do agronegócio brasileiro.

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